As relações tóxicas, abusivas do ponto de vista emocional, quase sempre são marcadas por 3 fases que já expliquei extensivamente aqui num texto chamado “As 3 fases do relacionamento tóxico”.
Basicamente são: a fase da idealização, ou seja, do conto de fadas, em que o alvo do abusador mal pode acreditar na sorte de tê-lo encontrado tamanho é o bombardeamento de amor e atenção, a fase da desvalorização em que o alvo se encontra diante do príncipe que vira sapo e passa a submetê-lo a todo tipo de abuso, desde humilhações, abandonos a agressão verbal e física e a fase do descarte, em que, sugado de toda sua energia vital, o alvo é simplesmente descartado como um papel higiênco sujo pelo príncipe que virou sapo.
Embustes abusadores emocionais manipulam a verdade com tanta maestria que raramente é o alvo a descartá-lo. Suas vítimas ficam como zumbis, aceitam o inaceitável e mesmo após o descarte, sofrem e correm atrás de seus algozes. Se sentem culpadas e responsáveis e custam a abrir mão da figura idealizada.
Ocorre que, ainda que mais raramente, algumas vezes é a vítima desses abusadores a dar um basta. Num instinto gigantesco de sobrevivência, rompem, ainda que com dor, o ciclo abusivo e partem em busca de juntar seus cacos e recuperar o tempo perdido.
O que estes alvos não sabem é que embustes com características de narcisismo patológico não lidam bem com rupturas não iniciadas por eles. Não aceitam que lhes tirem das mãos o controle e farão qualquer coisa para tê-lo de volta, ainda que seja apenas para reatar e descartar, deixando claro quem manda na relação. A recusa do alvo para o embuste narcisista se traduz em enorme humilhação e injustiça, levando-o a ficar obcecado por aquela pessoa o que descartou, explicando essa obsessão como amor. Além disso, o sentimento de abandono e rejeição em alguém cuja ferida narcísica está aberta é magnificado e insuportável e fará qualquer coisa para trazer seus alvos de volta para o inferno, utilizando para tanto técnicas de “hoovering”*.
Tendo em mente este cenário, passo a fazer uma lista de possíveis comportamentos que essas figuras grandiosas e arrogantes têm diante do descarte inesperado. Descartados, muitas vezes ostentam comportamentos persecutórios, diretos ou indiretos, agindo como “irremediavelmente apaixonados”, o que pode levá-los a ter os comportamentos a seguir descritos nesta ordem ou não. Algumas vezes não se utilizarão de todas essas técnicas e outras transitarão entre uma e outra, segundo sua conveniência.
1. DESPREZO/INDIFERENÇA
Trata-se de uma reação fria e indiferente ao momento em que o alvo anuncia que vai embora, que quer a separação ou o fim daquela situação. Se farão de indiferentes, o que, para o alvo que não tem a real intenção de romper e está dizendo aquilo apenas para provocar uma reação, é um balde de àgua fria que o fará recuar, tendo, desta forma, o embuste atingido seu objetivo de sugá-lo de volta para dentro da relação.
2. VITIMIZAÇÃO E CULPABILIZAÇÃO
Pensando na hipótese que, mesmo dianta de indiferença, o alvo esteja determinado a romper, entrará em cena um comportamento vitimista e culpabilizador no qual o embuste fará uma lista de “injustiças”, na sua maior parte imaginárias, que você cometeu contra ele e arruinou sua vida. A culpa da desgraça do casal será sua e se o alvo não estiver muito convicto de que não cometeu aqueles erros e injustiças, se sentirá culpado e voltará a submeter-se às regras do abusador.
3. DECLARAÇÕES DE AMOR E FASE DE IDEALIZAÇÃO
Se o alvo está esperto o bastante para não assumir culpas que sabe não serem suas, será surpreendido por algo muito mais difícil de resistir. De repente todos aqueles lindos comportamentos do início, a atenção, as flores, os presentes, as surpresas, as viagens, o casamento que nunca saiu e tudo aquilo que sempre sonhou que fizesse, o embuste apaixonado passará a fazer. Ele mudou; é tudo o que o alvo sempre quis. Ele descobriu finalmente que você é o amor da vida dele, que ele não soube valorizar, mas que agora tudo será diferente. Essa lua de mel tem fim imediatamente após sua decisão de dar uma segunda chance.
4. MEA CULPA E PROMESSA DE “SE TRATAR”.
Quando as técnicas anteriores não surtem efeito, entrará em ação o embuste arrependido que assumirá uma parte da culpa (nunca toda) e concordará que teve aqueles comportamentos apenas porque precisa de ajuda. Justificará colocando a culpa em alguém, em sua baixa autoestima ou no seu “medo de se entregar”. Prometerá fazer terapia, o que raramente passará de uma ou duas sessões, somente o bastante para que o alvo baixe a guarda acreditando que realmente o embuste arrependido deseja uma mudança. Nessa técnica também, apenas para se certificar de não perder o alvo de vista, costumam propor terapia de casal que, em pouco tempo, se mostra ineficaz. Enquanto para casais saudáveis com problemas pontuais pode ser a tábua de salvação, terapia de casal com embustes narcisistas é um desperdício de tempo, dinheiro e energia.
5. ABORDAGEM AMIGA/NADA ACONTECEU
Então o alvo, que já está calejado, decide que não acredita mais nessas juras de amor e fica firme no propósito de tocar sua vida sem o embuste narcisista. Como lhe é típico, tentará uma abordagem de amigo, puxando assuntos do dia-a-dia ou fingindo-se preocupado com seu alvo, tentando a todo custo fazer-se presente, afirmando “respeitar” sua deicisão de por um fim. Pode até parecer sincero, mas atenção, aqui tem uma bandeira vermelha: se ele realmente respeitasse sua decisão, daria espaço ao seu alvo que deseja se desconectar. Saberia que talvez aquele não seja o melhor momento para ser “amigo”. Mas ele não respeita e se faz presente exatamente para que seu alvo não tenha tempo de se desconectar e, passada a raiva, volte como se nada tivesse acontecido.
6. A FILA ANDOU/NOVO ALVO
Num dia o alvo estava recebendo mensagens e juras de amor e súplicas por uma segunda chance e no outro lá está o embuste apaixonado ostentando um novo alvo nas redes sociais, se fazendo presente em lugares onde sabe que a informção chegará até você. Parecerá que está feliz e vivendo um linda história de amor, mas não raro continuará a fazer investidas para sugar sua antiga vítima de volta. Essa é uma técnica que costuma confundir muito os alvos desses embustes Don Juan, pois acreditam que deram espaço para outra pessoa e abriram mão de sua “felicidade”. Sentem ciúmes e dor, acreditando que perderam algo e que foram os culpados pelo término, afinal, o embuste “parece muito feliz ao lado da outra pessoa”. Essa é uma manobra perigosa que pode sugar o alvo de volta muitas vezes para compor com o novo alvo um triângulo amoroso do qual o embuste vampirão se alimentará e imporá suas novas regras. Esfrie a cabeça, ele não está feliz com ninguém, está apenas usando uma outra pessoa para atingir você e também para garantir alimento, já que não suportam a solidão.
7. ACUSAÇÕES E AGRESSÃO VERBAL
Não adianta, o alvo está mesmo decidido a ir adiante sem aquela relação que já lhe fez tão mal. O embuste incansável já tentou de tudo e nada funcionou. Ele está transtornado e sua fúria narcísica foi acessa. Ele se sente humilhado e vítima de sua frieza. Aqui começam as agressões verbais de uma violência jamais experimentada antes, sem máscaras, nua e crua, sob medida para fazer o alvo se sentir com 2 centímetros de altura. Haverá nessa fase também acusações de traições de todo tipo. O alvo será de ter atrapalhado sua vidae seus sonhos, de ter tido amantes, terá suas preferências sexuais colocadas e check, será acusado de ter vícios que nunca teve, entre outras agressões verbais que objetivam uma única coisa: causar dor, desespero e desestabilização emocional, afinal, para embustes narcisistas, atenção, seja boa ou ruim, é alimento vital e sua reação às agressões lhe será nada mais que alimento.
8. DIFAMAÇÃO E RECRUTAMENTO
Paralelamente iniciará uma campanha de difamanção entre seus amigos, familiares e muitas vezes, colegas de trabalho. Seu objetivo aqui é manchar seu nome, colocar pessoas contra você , modificando o modo que as pessoas o veem. Nessa fase há o “recrutamento” de possibilitadores, macacos voadores e puxa-sacos que o ajudarão destruir sua presa. Não raro, pessoas perdem o emprego como resultado dessa difamação.
9. PERSEGUIÇÃO E AMEAÇAS
Quando o embuste inconformado chega a esse ponto ele pode ficar perigoso. Passa a perseguir por todos os lados. Bloqueado, entra em contato através de outros números e perfis falsos. Invade residências, surge no ambiente de trabalho ou escola, pratica stalking de todas as formas, tentando amizade com seus amigos e familiares ou surgindo em lugares que você costuma frequentar, tenta se fazer presente; A isto, podem agregar ameaças seja revelar segredos ou intimidades, matar o alvo ou pessoas/animais ligados a ele, seja de se matar, numa tentativa derradeira de despertar a preocupação do alvo que correria em seu socorro. Nessa fase, é importante informar o máximo de pessoas possível do que está acontecendo e evitar o confronto ou os convites para “ter uma última conversa”. Se possível, lavre boletins de ocorrência e se necessário, busque medidas protetivas.
10. AGRESSÃO FÍSICA E MORTE
Apesar de não ser um comportamento presente na maioria dos abusadores emocionais, que normalmente agem no silêncio e na surdina, levando suas vítimas a experimentar dores emocionais inimagináveis sem jamais tocar-lhes um dedo, todo embuste emocionalmente violento tem potencial para machucar, portanto, subestimá-los é um erro. São capazes de coisas inenarráveis tais como multilar, atear fogo e outras substâncias voltadas a desfigurar o alvo que ousou dispensá-lo, além dos espancamentos que deixam cicatrizes, ossos e dentes quebrados. Em casos mais extremos, apoiados no mantra “não fica comigo, não fica com mais ninguém”, ceifam a vida de suas vítimas como quem quebra um copo de R$1,99.
Assim, se você rompeu e se identifica com alguma dessas fases, esforce-se para não entrar no ciclo de idas e vindas, rompendo com decisão e coragem, de modo a poder realmente retomar sua vida de forma saudável, sabendo que à medida que esses ciclos se reiniciam, os níveis de violência aumentam e seu limite do tolerável se expande, trazendo você cada vez mais perto do item 10. Acredite, você não quer e não precisa chegar até aqui.
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Obs. Este texto é parte de um livro em fase de finalização. Você pode compartilhar livremente, mas só pode ser reproduzido indicando-se a autora (Lucy Rocha) e a fonte https://www.facebook.com/
*O termo “hoovering” vem da palavra Hoover, marca famosa de aspirador de pó em vários países, que descreve os comportamentos que abusadores emocionais têm para “sugar” ou “aspirar” suas vítimas para dentro da relação após uma ruptura.