O cinema, como qualquer arte, é capaz de nos fazer imergir em questões que passam despercebidas na vida cotidiana. Dessa forma, muitos filmes trazem à tona problemáticas sociais, as quais, embora imprescindíveis de discussão, acabam sendo deixadas de lado por ignorância e/ou preguiça. Esta lista conta com filmes que nos remetem a problemas da nossa sociedade e, portanto, indispensáveis para quem quer entender a confusão do mundo contemporâneo.
TAXI DRIVER (1976)
Taxi Driver, talvez a maior obra-prima do gênio Martin Scorsese, nos apresenta TravisBickle (em uma atuação espetacular de Robert De Niro) um jovem que aparentemente serviu no Vietnã e não consegue se enquadrar na sociedade. Sofrendo de insônia, ele decide arrumar um emprego de motorista de táxi, a fim de que possa, ao menos, lidar de maneira menos desgastante com o seu problema. O filme proporciona uma abordagem pós-moderna acerca da solidão e da degradação da vida na sociedade contemporânea, apresentando problemas como a depressão, a paranoia, a insônia, a exclusão social, o preconceito e a fragilidade existencial. Fazendo um mergulho profundo na degradação da mente de um homem perturbado com o mundo, o que é acentuado pela trilha sonora de Bernard Herrmann, Taxi Driver é um filme imprescindível para se analisar a vida urbana pós-moderna, o que pode ser complementado por uma boa leitura de Bauman.
TRAINSPOTTING (1996)
Baseado na obra homônima do escritor escocês Irvine Welsh, o filme aborda de maneira inteligente e bem-humorada uma das questões mais importantes da filosofia e da sociedade contemporânea, qual seja, o vazio existencial e o mal-estar que este provoca. Essa discussão é transmitida por meio da vida de jovens que vivem no subúrbio de Edimburgo, na Escócia. Esses jovens vivem vidas banais em que a única preocupação que possuem é se drogar, sobretudo, com heroína. Desse modo, eles procuram se anestesiar diante da angústia que viver traz. Buscam através do gozo permitido pelo uso perene das drogas dar sentido às suas existências, ainda que não haja uma resposta propriamente dita. Com um roteiro muito inteligente e uma direção inventiva que vai do trágico ao cômico, passando muito bem as emoções das situações e dos personagens, o longa de Danny Boyle traz reflexões importantes à luz da sociologia, fazendo críticas ao consumismo, à ditadura da felicidade e à alienação medicamentosa.
O SHOW DE TRUMAN (1998)
Dialogando com os pensamentos filosóficos de Michel de Certeau, Guy Debord e Jean Baudrillard, o filme de Peter Weir apresenta e crítica a sociedade do espetáculo que nos configura atualmente. Por meio da trama Weir demonstra a forma como a mídia tenta nos controlar e padronizar, a fim de que sejamos apenas reprodutores da realidade construída por eles. A obra cinematográfica expõe com brilhantismo o conceito de hiper-realidade de Baudrillard (tendo, inclusive, agradado mais ao filósofo do que Matrix) e a sociedade do espetáculo de Debord, em que as pessoas não passam de meras representações, em geral, seguindo os ditames da mídia. É um filme imprescindível para entender a sociedade vigiada que vivemos, além de contar com uma ótima atuação de Jim Carrey.
A OUTRA HISTÓRIA AMERICANA (1998)
A cegueira através do ódio é transmitida na obra do diretor Tony Kaye. A trama gira em torno da vida dos irmãos Derek (Edward Norton) e Danny (Edward Furlong) que influenciados pelas ideias racistas do pai se envolvem com uma gangue de skinheads após a morte deste. Construído por meio de flashbacks não lineares, o filme nos mostra como ideias podem ganhar vida e a consequência de dar vazão a ideias destrutivas marcadas pelo ódio. Com ótimas atuações, sobretudo de Norton, é um filme imprescindível para avaliarmos a sociedade contemporânea e as formas de preconceito velado que se escondem nela, as quais vêm à tona, sobretudo, em momentos de crise.
MATRIX (1999)
Criado pelas irmãs Wachowski, o filme cheio de efeitos especiais, revolucionou o cinema na virada dos anos 2000. A trama gira em torno de Thomas Anderson (Keanu Reeves), um programador de computadores solitário que vive atormentado por constantes pesadelos, nos quais se encontra conectado por cabos a uma imensa rede de computadores contra a sua vontade. Com a ciclicidade dos seus pesadelos, Anderson começa a duvidar da sua realidade, até que encontra Morpheus (Laurence Fishburne) e Trinity (Carrie-Anne Moss), tomando conhecimento de que vive na Matrix, uma realidade construída pelo sistema de computadores que domina o mundo e de que é Neo, o messias capaz de salvá-los do domínio da Matrix. Bebendo de fontes filosóficas como Platão e Jean Baudrillard, o filme das Wachowski questiona o estado de dominação em que vivemos e como estamos submetidos a realidades construídas pela perspectiva do status quo, sobretudo, em relação aos valores que atribuímos por meio da publicidade e do consumo. É uma obra que requer atenção e vai muito além das cenas de ação, proporcionando reflexões pontuais sob o estado de dominação e condicionamento que nos encontramos.
BELEZA AMERICANA (1999)
O filme de Sam Mendes derruba todas as cortinas e escancara a realidade da classe média americana, demonstrando a vida de aparências que levam. Através da vida de Lester Burnham (Kevin Spacey), um homem de meia idade frustrado e infeliz, conhecemos a realidade de uma sociedade que esconde a infelicidade de vidas vazias atrás de máscaras de felicidade e sucesso. A obra demonstra a decadência de uma sociedade (não apenas a americana) que não valoriza o real e busca se organizar a partir do status, agarrando-se aos padrões sem qualquer senso crítico. É um filme denso e profundo, com ótimas atuações, sobretudo, de Spacey e Annette Bening que vive a esposa de Lester, Carolyn Burnham, o qual traz à tona a prisão de aparências que vivemos.
CLUBE DA LUTA (1999)
Crítica ácida ao hedonismo da sociedade de consumo, o filme do talentoso e surpreendente David Fincher, através de uma trama bem construída demonstra a vida mesquinha, fútil e vazia determinada pela sociedade de consumo, a maneira como nós voluntariamente a aceitamos e as consequências que essa prisão produz na vida de um indivíduo (Edward Norton), que de tão despersonalizado e robotizado, sequer tem um nome. Além desses fatores, que por si só seriam suficientes para um grande filme, a obra traz grandes atuações (talvez a melhor de Pitt) e um dos finais mais surpreendentes do cinema.
FILHOS DAS ESPERANÇA (2006)
O futuro distópico criado pelo diretor mexicano Alfonso Cuarón é apontado por muitos como a melhor ficção científica do século XXI. A obra é adaptada do livro da escritora britânica P.D. James e se passa no ano 2027 em um mundo marcado por poluição, super urbanização, terrorismo, guerras civis, isto é, extremo caos. Além disso, há 18 anos as mulheres inexplicavelmente se tornaram inférteis, aumentando o medo e a falta de perspectiva. Diante do caos instalado, o único governo que se mantém de pé é o britânico, que governa de forma autoritária, sobretudo, em relação aos estrangeiros que fogem dos seus locais de origem e tentam entrar no país. Com esse contexto, o filme aproxima-se muito da realidade, principalmente, no que tange à crise dos refugiados que atravessamos, mostrando de forma crua e dura essa realidade. No meio desse turbilhão, encontramos Theo, um burocrata sem qualquer fé na humanidade que, após ser contactado por Julian (Julianne Moore), líder de um movimento contrário ao governo, tem a missão de proteger uma mulher “fúgi” (refugiada) grávida, levando-a para um local seguro onde possa ter seu bebê sem a interferência de entidades que possam se aproveitar da situação. Com ótimas atuações, um roteiro muito bem construído e uma fotografia (EmannuelLubezki) que reforça o estado caótico daquela sociedade, Filhos da Esperança é um filme triste, mas ao mesmo tempo assustadoramente profético e, portanto, imperdível.
EXPRESSO DO AMANHÃ (2013)
Baseado em uma HQ francesa, o filme do diretor sul-coreano BongJoon-Ho, se passa em um futuro não tão distante em que, após uma tentativa malsucedida de impedir o aquecimento global, o mundo é tomado por uma nova era do gelo. Os únicos sobreviventes desse novo ambiente estão a bordo de um grande trem em movimento. Essa nova sociedade é marcada por uma forte estratificação social, em que os pobres ficam na parte de trás vivendo em condições sub-humanas, e os mais ricos se localizam no resto do trem vivendo de modo confortável. Cansado dessa situação, Curtis (Chris Evans) decide liderar uma revolução que pretende derrubar a ordem estabelecida, no entanto, terão que enfrentar todo o poder de fogo de que dispõe a elite do trem. Trabalhando temáticas como a luta de classes (o motor da história), desigualdade social, exploração das classes dominantes, autoritarismo e discussões sobre a aplicação do positivismo na manutenção do status quo, Expresso do Amanhã é um filme que demonstra a crueldade e o egoísmo do ser humano. O roteiro bem elaborado garante uma trama bem desenvolvida e reflexões sociais que não devem passar despercebidas.
ELA (2013)
O filme se passa em um futuro próximo na cidade de Los Angeles e acompanha a vida de Theodore Twombly (Joaquin Phoenix), um indivíduo meio tímido e emotivo que trabalha escrevendo cartas pessoais para outras pessoas. Se sentido solitário após o seu divórcio, Theodore passa a desenvolver uma relação com Samantha (Scarlett Johansson), um sistema operacional. O longa do talentoso Spike Jonze trabalha de forma profunda as relações humanas contemporâneas em um prisma que se aproxima muito da ideia de “Amor Líquido” de Bauman, em que se busca apenas o prazer por meio de relações superficiais, sem os problemas que qualquer relacionamento com mais profundidade produz. Com uma bela fotografia e uma grande atuação de Phoenix, Ela é um filme imprescindível para analisar as relações líquidas e as ilhas afetivas que nos formam contemporaneamente.
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