Dizem que a arte imita a vida. Sendo assim, o cinema pode ser uma ótima forma de compreender a história, sobretudo, em nuances e sutilezas que por vezes escapam da nossa apreensão. Procurei criar uma lista heterogênea, buscando filmes que retratassem momentos históricos distintos. Como só são 10, alguns ficaram de fora, então, deixem nos comentários o filme (ou filmes) que para vocês não poderia(m) ter ficado de fora da lista. Sem mais delongas, vamos lá:
Um dos maiores clássicos da história do cinema, o filme que possui como recorte principal a família Corleone, na qual estão inclusos Don VitoCorleone (Marlon Brando) e Michael Corleone (Al Pacino), mostra todas as nuances da máfia italiana e ítalo-americana. Ao longo da série, conhecemos a rede complexa que forma a máfia, as disputas familiares, o jogo pelo poder, a corrupção envolvendo diversos setores, como a polícia, o sistema judicial e até mesmo a Igreja. É um filme que vai historicamente além do mundo da máfia, percorrendo a própria estrutura de formação do Sul da Itália, onde as “famílias” se desenvolveram em função do processo tardio de unificação italiana e da falta de intervenção do Estado; o processo de imigração europeu, no famoso discurso de que iriam “Fazer a América”; os anos dourados americanos, marcados pelo otimismo consumista; e até a eclosão da revolução nacionalista em Cuba no ano de 1959, demonstrando como a ilha era economicamente explorada pelos estadunidenses, inclusive, pela máfia. Enfim, a trilogia é um clássico imperdível para quem gosta de cinema e história.
Também dirigido por um dos maiores gênios da história do cinema, Francis Ford Coppola, o filme é narrado através dos olhos do capitão Benjamin Willard (Martin Sheen), que após voltar do Vietnã é convocado pelas Forças Especiais do Exército para uma secreta missão que tem como objetivo encontrar e matar o coronel Walter Kurtz (Marlon Brando) que, segundo as autoridades do exército, enlouqueceu e passou a agir de maneira absolutamente incompreensível na selva do Camboja. O percurso traçado pelo capitão Willard faz com que ele entre em contato com todos os horrores da guerra, fazendo-o refletir sobre a racionalidade teoricamente apresentada pela alta cúpula militar e a irracionalidade existente no campo de guerra. Discutindo o sentido daquela guerra e o modo como os americanos se portam nela, o filme aprofunda-se na discussão sobre a racionalidade, já que diante de tanta miséria produzida sem causa, como naquela guerra, consequentemente, coloca-se em xeque a nossa capacidade de raciocinar e a bondade presente no homem que contrasta com a irracionalidade, a sede pelo poder e a loucura que muitas vezes triunfa na natureza humana.
O drama histórico de Richard Attenborough, reconta a história de Mohandas Karamchand Gandhi (Ben Kingsley), um jovem advogado idealista que passa a questionar as condições de vida do seu povo na Índia, que era colônia britânica na época, e também toda miséria social, desigualdades e destruição produzidas pela imposição política, econômica e militar das grandes potências em relação às suas colônias no terceiro mundo, bem como a luta pela independência e pelo direito de autodeterminação desses povos. Com um enredo extremamente realista, o filme mostra todas as atrocidades e desumanidades promovidas pelo império britânico, ao mesmo tempo em que demonstra a força espiritual e comunicativa de um homem que derrotou um império apenas com a sua humanidade.
Escrito e dirigido por Oliver Stone, o filme mostra a chegada ao Vietnã do jovem e idealista Chris Taylor (Charlie Sheen), que abandona a faculdade para servir voluntariamente na guerra a fim de cumprir com a sua função patriótica e ajudar o país. No entanto, essa visão romântica pouco a pouco vai sendo desmoronada, para em seu lugar se estabelecer o realismo de uma guerra sem sentido travada na maioria por jovens que têm a sua juventude completamente destruída pelo horror da guerra. A obra é extremamente realista ao retratar os conflitos psicológicos que se estabelecem entre os personagens e de que modo a situação degradante da guerra pode trazer consequências irreparáveis para o que há de humano no ser.
Baseado no Clássico de Umberto Eco, o filme de Jean-Jacques Annaud se passa em um remoto mosteiro no norte da Itália, no ano de 1327. No mosteiro chegam William de Baskerville (Sean Connery), um monge franciscano, e Adso von Melk (Christian Slater), um noviço que acompanha o monge. Com a intenção de participar de um conclave para decidir se a Igreja deve doar parte de suas riquezas, William, sujeito extremamente erudito e racional, tem a sua atenção desviada pelos vários assassinatos que passam a ocorrer no mosteiro. Movido pela sua intelectualidade, William não acredita, como os outros monges, que os assassinatos sejam obra do Demônio, e, assim, começa uma investigação com a intenção de descobrir o real motivo das mortes. Totalmente instigante pelo seu mistério, a trama demonstra detalhes do período medievo, como a hipocrisia dos clérigos, pregando uma coisa e vivendo outra ou como está escrito em uma das capas do filme: acreditando em Deus e negociando com o Diabo; a demonização da mulher, caçadas como bruxas e jogadas na fogueira sem direito a defesa pela Inquisição, já que na visão medieval a mulher representava o pecado, pois alimentava os desejos do corpo; e o cerceamento do saber, em que restringia-se o acesso a muitos livros considerados subversivos, uma vez que instigavam o pensamento e levavam ao prazer, como o riso, por exemplo, considerado um pecado, porque deformava o rosto dos homens e os transformavam em uma caricatura do demônio, evidenciado toda a cultura da dor e do sofrimento difundida pela Igreja. Um filmaço e uma super aula sobre o período medieval.
A obra-prima de Steven Spielberg é um retrato perfeito de um dos momentos mais tristes da história humana, o holocausto judeu. A trama gira em torno de Oskar Schindler (Liam Neeson), um empresário com prestígios dentro do partido nazista que vê a oportunidade de enriquecer utilizando a “quase” escrava mão de obra judia na segunda guerra mundial. Esse projeto ganancioso, no entanto, gradativamente se transforma em um “empreendimento” que visa salvar judeus da morte. Mesclando momentos de maior tensão e violência com momentos mais “leves” em que os membros do partido nazista se divertiam, o filme demonstra-se balanceado e mostra ainda mais a crueldade daquelas pessoas, que durante o dia matavam pessoas como se fossem insetos e à noite se divertiam como se nada tivesse acontecido. Tenso e ao mesmo tempo sensível, o longa consegue transmitir todas as emoções que permearam o momento retratado, além de contar com ótimas atuações e uma fotografia belíssima que ajuda a compor o ritmo e a sensibilidade da obra.
Um dos grandes filmes do bom Ridley Scott, a trama narra a história do general Maximus (Russell Crowe), que após ser escolhido pelo imperador Marcus Aurelius (Richard Harris) para assumir a coroa, é alvo da inveja, ira e ganância de Commodus (Joaquin Phoenix), filho do imperador que almeja se tornar o novo senhor de Roma. Desse modo, Maximus foge e se esconde sob a identidade de um escravo e gladiador do Império Romano. Além de possuir um grande valor de entretenimento, o filme mostra toda a loucura, obsessão, corrupção e crueldade que cerca o poder, além, obviamente, de expor brilhantemente a maneira como os espetáculos dos gladiadores eram utilizados como forma de controle social, a fim de diminuir as tensões políticas e manter a plebe controlada, fruto, portanto, das “panis et circenses” ou política do pão e circo, manobras paternalistas que permeiam a prática política até os dias de hoje.
A mãe de Alexander (Daniel Brühl), fiel devota do socialismo na antiga Alemanha Oriental, tem um ataque cardíaco ao ver o filho em uma passeata contra o sistema vigente. Quando ela acorda do coma, após a queda do muro de Berlim, o médico aconselha a Alexander que ela evite emoções fortes, pois outro ataque tão cedo seria fatal. Com o peso na consciência pelo estado atual de sua mãe, Alex faz de tudo para que ela continue vivendo em uma ilusória Alemanha socialista, mudando embalagens de produtos industrializados e até mesmo inventando documentários televisivos para preencher as brechas do dia-a-dia do recente capitalismo no país. O filme do diretor Wolfgang Becker é extremamente inventivo ao criar uma realidade dentro da realidade, demonstrando as modificações decorrentes da queda do muro de Berlim, do fim do Socialismo e, consequentemente, do encontro de mundos ideologicamente distintos, marcando a nova ordem mundial e a supremacia do estilo de vida capitalista no mundo que se estabelecia.
Ambientado durante a crise de 1929 e baseado em uma história real, o filme nos apresenta a Jim Braddock (Russell Crowe), um sujeito considerado uma promessa, mas que se aposentou prematuramente em função de algumas derrotas consecutivas. Para sustentar a família, Jim vive de bicos esporádicos, até que repentinamente consegue retornar aos ringues e em uma escalada surpreendente chega a disputa pelo cinturão da categoria. Mesmo sendo uma história clichê de boxe, o filme possui originalidade e se sustenta na boa atuação de Crowe. No entanto, o grande diferencial resulta na historicidade do longa, que consegue retratar de forma muito precisa todas as problemáticas do período, em que era dificultoso manter até mesmo as necessidades básicas, explicando o motivo da ascensão de Jim reacender a esperança que se apagara durante o período escuro.
BÔNUS TRACK:
A obra conta a história de Daniel Blake (Dave Johns), um jovem senhor, que após sofrer um ataque cardíaco é proibido pelo seu médico de voltar a trabalhar. A partir de então, Dan passa a percorrer um caminho longo, confuso, extremamente burocrático e desumano que o levará até o seguro desemprego. Nesse percurso, ele conhece Katie (HayleySquires), mãe solteira de duas crianças, que recém-chegada na cidade, não possui condições financeiras para se manter. Os dois passam a desenvolver uma amizade sincera ao mesmo tempo em que buscam junto ao Estado o reconhecimento dos seus direitos. Dirigido pelo grande Ken Loach, o filme traz o panorama do que não é ser um consumidor na sociedade contemporânea. Isto é, de não ser visto e tratado com humanidade por todos os setores, inclusive, o Estado, que deveria garantir os seus direitos e não tornar quase impossível esse acesso em função da vulnerabilidade social do indivíduo. Forte e necessário, o filme é imprescindível para entender o que é um sujeito pobre no que eu chamo de Estado Democrático do Dinheiro.
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