Por Octavio Caruso
Amigos leitores, queridas leitoras, esses são apenas alguns dos meus filmes favoritos sobre assuntos relacionados à psicologia, em variadas vertentes.
Tentei evitar o lugar comum de listas similares, fiz questão de rever todos, no intuito de selecionar com mais clareza. Estão listados sem ordem de preferência.
O primeiro projeto da hoje conhecida como “Trilogia do Silêncio”, que prefiro chamar de “Trilogia da Fé”, mostra Ingmar Bergman em seu estado mais objetivo, mas, ainda assim, flertando com metáforas. Analisando os três filmes, podemos claramente perceber os questionamentos do cineasta com relação a uma divindade aparentemente muda, invisível em meio aos destroços da guerra, a natureza da fé trabalhada por um ateu. A trama simples utiliza o microcosmo de uma família que passa férias em uma paradisíaca ilha. Karin (Harriet Andersson) acaba de voltar de uma estadia forçada em um hospital psiquiátrico, ainda apresentando sinais de profundo desequilíbrio emocional. Seu marido, vivido por Max von Sydow, seu carente irmão mais novo (Lars Passgård) e seu pai, um homem tão imerso em sua ambição profissional literária, universo onde extravasa suas angústias, sem nunca ter coragem suficiente para resolvê-las, que foi incapaz de estabelecer uma relação de carinho com seus filhos. Um toque de gênio é Bergman torná-lo “Deus” para seu próprio filho, que, admirado, percebe ao final que finalmente conseguiu vê-lo/senti-lo. Após seu contato com a “aranha”, que a manipula e a frustra terrivelmente, a jovem esvazia seu copo de esperança. Bergman força essa reflexão em seu público, levando-o a ver que o conceito divino não se limita a um rígido padrão de ideias e condutas, facilmente manipulado pelas religiões mundanas com seus rituais vazios. Práticas que isolam/segregam o homem, ao invés de fazê-lo perceber-se como parte de um todo. Aquele que busca encontrar Deus, não deve fazê-lo em templos, mas, sim, no ato simples de sorrir para estranhos.
A primeira sequência do filme já expõe o leitmotiv que conduz a sensível trama. Enquanto os pais de Jerome escondem ritualisticamente em seus uniformes diários a ausência do calor que outrora havia em seu relacionamento, os pais de Ludovic se entregam à vida naturalmente e com real paixão, com o diretor de arte expondo claramente o contraste na paleta de cores que emolduram as cenas. O primeiro momento em que realmente vemos o menino, somos levados a sentir o mesmo choque que seus pais, pois ele está usando o vestido de princesa de sua irmã. Seu pai, temeroso pelo julgamento cruel da sociedade, limita sua corajosa atitude a uma brincadeira inconsequente. Sua mãe corre para fazê-lo retirar com água fria a maquiagem de seu rosto. No rosto da criança, a apatia dos que sofrem diariamente com a ignorância daqueles que deveriam ser mais inteligentes, por terem mais experiência de vida. Ludovic não sabe ainda que o ser humano é uma espécie muito pouco evoluída, escrava de crenças em seres imortais, anjos, demônios e feitos miraculosos, porém incapazes de simplesmente aceitar uma condição natural que compartilhamos com várias espécies (mais de 1.500, para ser mais exato) do reino animal: a homossexualidade. A religiosidade, sempre caracterizada pelo domínio do homem sobre a mulher, desde a lenda de Adão e Eva, vista como a causadora de todos os males, estabeleceu fortemente sua presença na sociedade, como uma triste mancha na História, formando gerações de machistas ignorantes e mulheres sexualmente reprimidas. A absurda noção do pecado, camuflando hipocritamente qualquer desejo sob um véu de pureza, que se rompe assim que o autoproclamado santo se tranca na solidão de seus pensamentos. A ilusão de que se alcança o divino pelo ato da castidade, ignorando que, caso exista, ele perceberia os instintos naturais que não se podem domar.
A bela fotografia de Charlotte Bruus Christensen auxilia ao emoldurar o cair das folhas de outono, inclusive como metáfora, simbolizando o crepúsculo de um homem oprimido, sendo complementada pela excelente interpretação de Mads Mikkelsen, que foge de sua zona de conforto, oferecendo um retrato humano e passional nesse excelente filme dirigido por Thomas Vinterberg. Nenhuma chance é dada a ele, pois todas as famílias da região agarram-se ao inconsciente coletivo do pavor, temendo que ele se aproxime de suas crianças. Lucas (Mads) é um homem bom, adorado por seu filho e seus alunos, incapaz de cometer atos tão cruéis. Somos levados então a um calvário pessoal, onde progressivamente todos os membros da comunidade passam a duvidar de sua inocência. A jovem Annika Wedderkopp (Klara) surpreende com uma excepcional atuação infantil, diferente da celebrada menina de “Indomável Sonhadora”, que apenas seguia instruções do diretor. Vinterberg nunca apela para o óbvio, enaltecendo mártires e pintando com tintas fortes os vilões, pois prefere mostrar todos como seres humanos falíveis e propensos a escolhas erradas. O leitmotiv da confiança é explorado até o brilhante desfecho, onde o roteiro ainda inclui uma poderosa crítica social e religiosa. O simples benefício da dúvida já seria o suficiente para auxiliar no processo angustiante em que o protagonista se vê vitimado, mas a mensagem que o filme aborda é cruel em sua veracidade: a sociedade, desde o início dos tempos, sempre esteve propensa ao apedrejamento coletivo, algo que requer menos argumentação que a árdua tarefa de tentar enxergar a flor no lodo.
O diretor Oliver Hirschbiegel adapta o romance de Mario Giordano e o transforma em uma experiência cinematográfica angustiante. Saber que se trata de uma história real, ajuda a fazer com que nossos olhos evitem piscar, enquanto somos sugados para dentro da trama. Uma equipe de cientistas convoca vinte homens de diferentes origens para uma experiência psicológica em troca de um prêmio em dinheiro. Os participantes são colocados em uma prisão e divididos aleatoriamente em dois grupos: oito deles fazem o papel de guardas e os outros doze, de internos. Os presos devem obedecer às regras impostas pelos colegas que representam figuras de autoridade. No início, a camaradagem reina no ambiente. Mas em pouco tempo, os falsos guardas mudam de comportamento e a violência, mesmo que proibida, preenche as lacunas. Os internos vão se tornando cada vez mais submissos e os guardas cada vez mais agressivos. Um estudo psicológico sobre o comportamento humano sem precedentes e uma obra que dificilmente irá sair de sua mente. Ao final da sessão fica muito claro que só conhecemos realmente uma pessoa após darmos poder a ela.
O título original do filme: “Cada um por si e Deus contra todos” exprime com exatidão a mensagem desta obra sensacional do alemão Werner Herzog. Ele utiliza a história real do jovem Kaspar Hauser, que durante grande parte de sua vida foi mantido em um cativeiro, sem nenhum contato com a civilização. Ele não sabia andar ou se comunicar, tampouco entendia que havia outros seres como ele. Como trocavam sua comida durante seu sono, ele acreditava que sua alimentação aparecia como que por mágica, sempre após ele fechar os olhos. Seu único companheiro era um pequeno cavalo de madeira. Sua vida muda quando um homem adentra sua prisão e o entrega de volta à sociedade, deixando-o de pé no meio de uma praça na cidade de Hamburgo. Munido apenas de uma carta e um livro de orações, o jovem vislumbra pela primeira vez o mundo. O diretor escolheu Bruno S. para viver o jovem. Ele havia passado sua vida inteira em instituições para doentes mentais e nunca havia atuado. Seus olhos sempre distantes e assustados, como se vissem o mundo pela primeira vez. O filme nos questiona sobre o que consideramos ser normal, dentro da estrutura de uma sociedade contraditória, que não sabe como reagir ao entrar em contato com um homem puro, sem cultura e regras a seguir. Os religiosos se revoltam, já que ele resiste à aceitação do mistério da fé. Ele desconhece a ideia de um Deus como força superior e debate questões de lógica com um professor. Somos brindados com várias cenas brilhantes e com uma história inesquecível. Meu filme favorito de Herzog e uma das melhores obras do cinema alemão.
Em sua genialidade, Woody Allen estrutura esse filme como um documentário sobre Leonard Zelig, um (literalmente) camaleão social da década de vinte. Sem nenhum esforço, ele é capaz de adotar características físicas e mentais de qualquer pessoa com quem se relacionar. Ao lado de franceses, ele conversa fluentemente em francês, com direito até ao clássico bigodinho fino. Mas o que realmente fascina no roteiro é a forma como o personagem se adapta socialmente, como quando discute jargões de medicina ao lado de doutores, com total conhecimento sobre a área. A crítica é certeira, mostrando como as pessoas se moldam, até o caráter, no intuito de agradar e serem aceitas. E, claro, dignitários com os mais diversos interesses passam a utilizar suas palavras como alegoria para suas atividades. Zelig acaba se tornando na sociedade uma espécie de “Chance”, o jardineiro interpretado por Peter Sellers em “Muito Além do Jardim”. Mia Farrow vive uma doce doutora que acredita que o fenômeno seja psicológico, uma manifestação de alguém que não consegue se expressar, levando o roteiro a abordar também o machismo da época, mostrando a reação agressiva dos médicos a essa nova hipótese. O processo de tratamento é tão eficiente, que ele passa a conseguir até discordar de outras opiniões, algo impensável em sua realidade de outrora. Quantas pessoas assim você conhece em sua vida?
Esse belíssimo filme conta a história real da professora, vivida por Anne Bancroft, que busca incessantemente mostrar as belezas do mundo a uma menina cega e surda, a jovem Helen Keller, uma atuação impressionante de Patty Duke, que já estava vivendo a personagem nos palcos, contracenando com Bancroft. Com muita persistência, ela consegue retirar a garota de uma realidade solitária e depressiva, levando-a a adaptar-se ao mundo, fazendo-a conseguir se expressar. Foi preciso pulso firme por parte de Anne, pois a família da jovem havia contribuído para que ela se colocasse em um pedestal, como revoltada vítima das circunstâncias, da qual foi retirada por intermédio de uma rígida disciplina amorosa. Ela sabia que seria difícil alcançar a alma daquela jovem, que estava perdida nas profundezas daquele enigma aparentemente impenetrável que os anos de escuridão e solidão haviam cruelmente forjado. A cena que motivou o texto dura por volta de oito minutos, sem diálogos ou trilha sonora, ocorrendo no primeiro momento em que as duas ficam sozinhas numa sala de jantar que se torna um intenso campo de batalha. Helen inicialmente busca atrair atenção se debatendo no chão, enquanto Anne calmamente continua almoçando. Minutos antes, ela havia percebido que a garota não conhecia limites, devorando os alimentos de todos os pratos como se fosse um animal enjaulado, sendo mimada pela piedade de sua família. A professora estava obstinada a não deixar a menina sair daquele ambiente sem aprender que devia comer apenas sentada à mesa e com talheres. A brutalidade da cena choca, fazendo com que a angústia progressivamente se torne mais insuportável, com agressões físicas de ambas as partes. Ao final, uma pequena grande vitória que é relatada pela professora à extasiada mãe: Helen come na mesa e com talheres, até dobrando seu guardanapo. Ainda havia um longo caminho pela frente, pois ela precisaria educar os verdadeiros deficientes da trama, os familiares da menina.
Em sua essência, um pesadelo Faustiano dos mais assustadores. Uma resposta corajosa para a eterna questão: o que você faria se lhe fosse ofertada uma segunda oportunidade na vida? É o que descobre o personagem vivido por John Randolph, quando é convidado a participar de um enigmático projeto. Já tendo passado dos cinquenta anos e dedicado toda sua vida ao trabalho exaustivo, possui uma oportunidade única de renascer com uma nova identidade. Com o auxílio de cirurgias plásticas, recebe sua jovialidade de volta e a liberdade para evitar cometer os mesmos erros. Rock Hudson interpreta o personagem após o renascimento, com uma entrega raras vezes experimentada pelo ator, acostumado na época ao conforto dos papéis de galã. Sua interpretação é auxiliada pela câmera instável de John Frankenheimer, fundamental para que nos envolvamos na atmosfera onírica da obra. O filme, como todos à frente de sua época, não fez sucesso em sua estreia. Chegou a ser vaiado em Cannes. Visto hoje, com sua fantástica abertura idealizada pelo genial Saul Bass, uma trilha perfeita de Jerry Goldsmith e uma fotografia impecável de James Wong Howe, se apresenta incrivelmente atual, tocando fundo no questionamento de como a sociedade é estruturada.
A trama dessa charmosa fábula antimilitarista parte de um conceito simples, instigando uma profunda reflexão que, a despeito da estética compreensivelmente datada, ainda ressoa implacavelmente atual. Durante a Primeira Guerra, o soldado Charles Plumpick, vivido por Alan Bates, um especialista em ornitologia, é enviado por engano a um vilarejo na França para desativar uma bomba deixada pelos alemães. Ao chegar, ele percebe que os moradores do local foram embora e que a cidade foi tomada pelos pacientes de um hospício. O dedo do diretor Philippe de Broca, que aparece em uma breve e hilária ponta como o soldado Adolf Hitler, estava obviamente apontado para os horrores da Guerra do Vietnã, mas o discurso proposto era mais abrangente. A ideia, trabalhada por Maurice Bessy e Daniel Boulanger, nasceu de uma notícia sobre o assassinato de cinquenta doentes mentais franceses por soldados alemães, em uma invasão a um hospital durante a Primeira Guerra. Eles tinham se vestido com o uniforme de soldados americanos mortos e foram andando pelo campo, quando os alemães os fuzilaram por engano. Os loucos de Broca, essencialmente sonhadores que se recusam a sentir medo, possuem uma compreensão mais profunda da vida, preferindo nobremente apreciar o momento em sua redoma de criatividade, enquanto aqueles considerados sãos, presos aos seus estúpidos rituais militares, estão dispostos a desperdiçarem futilmente suas vidas, acatando ordens que sequer entendem. É linda a cena que mostra os pacientes recuando ao alcançarem o portão principal, com a trilha sonora festiva de Georges Delerue dando lugar ao sepulcral silêncio, enquanto acenam melancolicamente para seu rei de copas, que parecia decidido a retornar ao mundo real. O personagem escuta ao longe o som das máquinas da guerra, sentindo internamente o conflito entre a genuína alegria e o companheirismo que havia sentido no reino dos loucos e os ilusórios conceitos de virtude e grandeza que o aguardavam do lado de fora.
Dica de livro: Cinema e Loucura – Conhecendo os Transtornos Mentais Através dos Filmes
Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.
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