1984, de George Orwell: distopia ou realidade próxima?

1984, clássico de George Orwell, conta a história de Winston, moço que vive em uma sociedade totalitária e tem, assim como todo o resto da população considerada “perigosa”, cada passo seu vigiado pelo governo. São diversas as reflexões que podem ser feitas através da leitura, mas, hoje, me reterei a uma delas.

Orwell fala sobre um conceito chamado duplipensamento. O duplipensamento seria, de uma forma simplificada, a coexistência de ideias contraditórias em nossa sociedade. Tais contradições seriam uma forma que as classes mais poderosas encontraram para a perpetuação da desigualdade. Seria, então, uma ferramenta para evitar mudanças, manter o regime, preservar seu poder.

Que tal recorrer ao próprio livro? “Duplipensamento significa a capacidade de abrigar na cabeça duas crenças contraditórias e acreditar em ambas. “Mas, oras! Esse conceito não se aplica ao aqui? Ao agora?”

Começando pela justiça, por exemplo. O poder judiciário – que, pela lógica, deveria fazer justiça – tem se mostrado, em diversas situações, injusto. O poder executivo, que deveria primar pela melhora da qualidade de vida dos cidadãos, tem contribuído, de forma sistemática, para a diminuição de nossos direitos. A polícia, que tem como dever a promoção de segurança, causa-nos, no mínimo, desconfiança. O cristianismo, que teve como um de seus messias um homem que pregava o amor, tem seguidores e mais seguidores que destilam ódio com orgulho. Guerreamos em prol da paz. Matamos em nome da paixão.

A contradição, base para a perpetuação da desigualdade, enraíza-se. Não faz parte do cotidiano só dos “grandes”. Nós, os “menores”, contribuímos também. Desaprovamos programas assistencialistas, entretanto, fazemos campanhas de arrecadação de roupas e alimentos para doação. Menosprezamos pessoas que têm bolsas nas faculdades privadas, mas damos um jeitinho para conseguir um desconto do governo para o curso de Direito ou de Medicina nessas mesmas faculdades privadas. Falamos demais sobre respeito e aceitação, mas somos os primeiros a julgar e a desrespeitar qualquer traço ou característica diferente em alguém. Queremos mudar, mas seguimos o mesmo roteiro diariamente.

“Esse estranho entrelaçamento de opostos – conhecimento com ignorância, cinismo com fanatismo – é um dos principais traços da sociedade oceânica.” Não estaríamos, nós, caminhando para um cenário parecido com o que o autor pinta?”

A razão, tão vangloriada na modernidade, parece estar sendo sistematicamente ignorada. Nossas falas não condizem com nossas ações, nosso discurso é totalmente vazio, não nos esforçamos para colocar em prática nossas ideias. Desprezamos nossas incoerências. Evitamos olhar para o horror de nossa hipocrisia. É mais confortável assim. E, assim, seguimos irracionais, ou talvez cegos demais, para enxergar nossas falácias diárias.

Talvez a sociedade em que Winston vivia não seja assim tão diferente da nossa. Pensemos. Matutemos. Mudemos. Acima de tudo, espalhemos mais bom-senso e coerência, para que não nos tornemos esse amontoado ignorante de incongruências.

Imagem de capa:  shutterstock/Michael Wende







Paraibana (Campinense) estudante de Psicologia que tem a cabeça nas nuvens, pés no chão e um fraco por causas perdidas.