Por Lara Vascouto
Ao invés de almejar uma posição no topo da pirâmide social, melhor seria se a pirâmide nem existisse. Aqui estão alguns motivos.
Recentemente, eu e meu marido largamos nossos empregos em São Paulo e viemos morar em uma cidade pequena, no litoral. A motivação por trás dessa mudança foi a percepção de que vivíamos uma vida que drenava toda a nossa vitalidade e energia por coisas que não eram importantes para nós: status, prestígio, dinheiro. Reconheço que dinheiro é importante, mas muito dinheiro só é importante se você quer manter um determinado estilo de vida. Felizmente, esse não era o nosso caso e, com esse pensamento, trocamos salários exuberantes por salários que pagam o suficiente apenas para quitar as contas no fim do mês, mas que em contrapartida hoje nos permite olhar o mar todos os dias, chegar em casa cedo e ter energia e disposição para o que consideramos realmente importante.
Há alguns dias, meu marido me mostrou um artigo que continha a clássica pirâmide de distribuição de renda no Brasil. Rindo, ele apontou que ao deixar os nossos empregos em São Paulo nós rolamos triunfalmente pirâmide abaixo, deixando para trás o grupo dos 4% mais ricos para aterrissar com graça e estilo entre os 66% mais pobres do nosso país.
Nós levamos na esportiva, porque nossa convicção no estilo de vida que escolhemos permanece intacta e inalterada. Mas o gráfico me fez pensar na enorme desigualdade que enfrentamos no Brasil e em como grande parte das pessoas define o próprio valor com base nessa pirâmide. E isso, por sua vez, me levou ao questionamento: será que as pessoas trabalhariam tanto e se sacrificariam tanto se o nosso mundo não fosse tão desigual? Será que as pessoas não seriam mais felizes, saudáveis, solidárias, generosas em um mundo sem desigualdade onde elas não fossem encaixadas o tempo todo dentro de uma pirâmide que descaradamente determina quem venceu e quem ganhou? Uma infinidade de estudos dizem que sim e nos mostram que os efeitos da desigualdade são tão corrosivos que alteram a índole das pessoas chegando a moldar sociedades inteiras. Entenda:
Todo mundo riu do “rei do camarote”, mas no fundo, a busca por status é mais importante para nós que vivemos em um país extremamente desigual do que gostaríamos de admitir. Um dos principais efeitos da desigualdade é a intensificação de questões relacionadas a sentimentos de superioridade e inferioridade. Esses sentimentos acabam gerando um fenômeno conhecido como ansiedade por status, isto é, ansiedade relacionada à imagem que esperamos que os outros tenham de nós. Ao contrário do que você possa pensar,
Estudos revelam que os índices de doenças psiquiátricas em países com altos níveis de desigualdade são três vezes maiores do que aqueles em países com pouca desigualdade.
Esse tipo de ansiedade não se restringe aos grupos da base da pirâmide, mas permeia toda ela, independente da sua posição. Isso significa que mesmo o mais rico indivíduo no nosso país pode sofrer de estresse se achar que não está levando um estilo de vida apropriado à sua posição social.
O resultado disso é uma sociedade doente, literalmente. A ansiedade por status leva a problemas sérios de saúde, como depressão, ataques de pânico, hipertensão, e muitos outros. Estudos revelam que os índices de doenças psiquiátricas em países com altos níveis de desigualdade são três vezes maiores do que aqueles em países com pouca desigualdade. Além disso, a desigualdade aumenta a competição entre as pessoas e faz com que elas trabalhem muito mais para chegar à posição social que desejam. Muitas vezes, isso significa maiores níveis de stress, menor imunidade, pior qualidade de sono, alimentação e até riscos relacionados à segurança no trabalho.
O pior é que, apesar de a sua posição social depender amplamente de fatores fora do seu controle (como a família em que você nasceu e a escola em que estudou), nós acreditamos realmente que quem está no topo fez por merecer, assim como quem está na base. Isso faz com que a ansiedade se torne muito maior, porque teoricamente você tem tudo o que precisa para vencer na vida. Só depende de você, certo? Então, se você está aí chafurdando na lama, a culpa é toda sua. Esse pensamento traduz muito bem outro efeito extremamente nocivo da desigualdade. Basicamente, em sociedade com altos índices de desigualdade.
Devido ao fato de a desigualdade criar um alto nível de competição por status, as pessoas sentem que têm que cuidar de si mesmas e passam a desconfiar de tudo e de todos. Basicamente, em sociedades desiguais, as distâncias entre as classes sociais são tão grandes que você passa a acreditar que as pessoas que não estão na mesma posição que você são diferentes. Isso faz com que os níveis de confiança entre os cidadãos sejam muito menores e o senso de comunidade quase inexistente. Traduzindo: em sociedades desiguais, as pessoas se ajudam menos, participam menos politicamente e cooperam menos para o bem estar coletivo.
Recentemente, um estudo da Universidade da California, em Berkeley, causou polêmica ao concluir que pessoas ricas têm maior propensão a quebrar as regras, trapacear para conseguir o que querem e desrespeitar os outros em geral. Isso se dá em grande parte porque pessoas ricas se sentem superiores e merecedoras do seu sucesso – como se tivessem chegado no topo da pirâmide sem a ajuda de ninguém. Claro que muito raramente esse é o caso. Mas em sociedades desiguais esse sentimento é aceito por todos. E é por isso que nós admiramos a imagem do brasileiro batalhador, que abre mão de tudo – saúde, tempo com a família, lazer – para conseguir subir um pouquinho a pirâmide. Deveríamos sentir vergonha do fato de a maioria das pessoas ter de abrir mão de tanta coisa para ter o mínimo. Como podemos não sentir um incômodo ao observar o indivíduo que, entre os dois empregos e o estudo, tem só 4 horas por dia para dormir? Nós aplaudimos esses casos sem parar para pensar no absurdo que isso representa. Ainda mais porque, apesar de todos esses esforços, é muito provável que esse cara não consiga chegar muito longe na pirâmide. Isso porque, em sociedades desiguais…
Estudos mostram que quanto maior a desigualdade em um país, menor o índice de mobilidade social. E não é muito difícil entender o porquê. Obviamente, se você nasceu no sertão nordestino em uma família que depende de algumas cabeças de gado para sobreviver, provavelmente não vai conseguir estudar o mesmo tanto, nem vai encontrar as mesmas oportunidades que o cara que nasceu em uma família abastada no Rio de Janeiro. Aliás, é muito provável que você siga os passos dos seus pais e se torne um adulto que depende de algumas cabeças de gado para sobreviver. Estudos indicam que, em países desiguais, a família em que você nasceu determina até 50% do seu salário quando adulto. Já em países com menores índices de desigualdade, esse número cai para 20%.
Além da família, muitos outros fatores impedem que uma pessoa da base da pirâmide consiga subir. Educação primária insuficiente; o ambiente onde você cresceu; a sua aparência; o bebê que você vai ter ainda adolescente; os contatos que você não tem; as dívidas que você vai fazer para manter a imagem necessária para conseguir um bom emprego; as doenças que você vai desenvolver por tentar manter 2 empregos e uma faculdade à noite – tudo isso influencia o seu sucesso e contribui para que a escalada da pirâmide se torne quase que paralisante. É como dar um passo para frente e dois para trás. Consequentemente, a falta de mobilidade social mantém e reforça a desigualdade.
Com tudo isso em mente, fica claro que a desigualdade é provavelmente um dos problemas mais urgentes da nossa sociedade. O caminho para uma sociedade menos desigual pode variar. O Japão, por exemplo, alcançou um baixíssimo índice de desigualdade fazendo com que o nível de renda entre as diversas funções dentro das empresas não fosse tão discrepante. Já os países nórdicos preferem igualar o nível de renda da população através de pesados impostos. Claro que nada disso adianta se as necessidades básicas da população não forem atendidas – e por necessidades básicas quero dizer comida, saúde, habitação, saneamento básico, energia elétrica, educação, coisas assim. Infelizmente, não parece que chegaremos lá tão cedo. Será que a desigualdade já conseguiu nos transformar permanentemente em monstrinhos egoístas e individualistas que só pensam no próprio umbigo?
Nota da CONTIoutra: Nó de Oito é uma página parceira e o texto acima foi publicado com a autorização da autora.
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