Por Claudia Antunes
O dia estava ensolarado, como se esperava do mês de dezembro. Aos poucos, o Jardim de Alah, parque divisório entre Ipanema e Leblon, pontilhava-se de cores e cantos vindos dos bairros adjacentes e longínquos, para homenagear o ex-beatle John Lennon, assassinado brutalmente na noite anterior com cinco tiros disparados, sendo quatro à queima-roupa. Seu algoz fora um um delinquente que 33 anos depois ainda tem diagnósticos diversos, passando pela esquizofrenia paranóide até testa de ferro da CIA.
John estava em fase criativa e voltava aos estúdios, depois de cinco anos em casa, no ferrenho e dedicado papel de pai de Sean, seu filho com Yoko Ono. Estava visualmente satisfeito consigo mesmo, uma vez que perdera integralmente sua silhueta rechonchuda de outrora, às custas de alimentação vegetariana e japonesa. Sua conta bancária fora quintuplicada, através de investimentos em áreas diversas, envolvendo até a pecuária leiteira. Ele não mexeu um dedo para assinar um cheque. Filha de banqueiros, Yoko estava à frente dos negócios da família, gerenciando a passos largos o patrimônio dos Ono Lennon.
Sean teve tudo e muito mais do que Julian, filho primogênito de Lennon com a professora Cynthia Powell. John sempre alegou imaturidade para a paternidade não planejada, justamente quando os Beatles estouravam no mundo e nascia a beatlemania, movimento histórico e histérico que contaminou o planeta. Julian era uma criança adorável, que motivou Paul McCartney a escrever ‘Hey Jude’, com carga emocional meiga, porém, consistente.
Mas voltemos a NYC, onde a família composta por três membros habitava o Edifício Dakota, uma construção antiga e já conhecida pelas filmagens de ‘O bebê de Rosemary’, clássico do cineasta Roman Polansky.
O álbum que levaria John Lennon de volta ao mundo musical do qual ele declinara por livre e espontânea vontade fora lançado em novembro. ‘Double Fantasy’ estampava um beijo fraterno e apaixonado, mostrando John Lennon sem os habituais óculos e Yoko usando um par de brincos e colar que não eram bijuterias. O casal rompera com a imagem do LP anterior, onde trajavam roupas compridas e mantinham um certo ar de rebeldia.
John sentiu vontade de ir em casa para dar um beijo em Sean. Passara parte do dia nos estúdios de gravação. Firme como uma rocha, Mark Chapman esperava sua vítima para a derrocada final. Obcecado como qualquer louco, aproximou-se de John e calou a voz e as esperanças de um mundo que ainda acreditava na possibilidade da paz e do diálogo franco de Lennon.
Claudia Antunes é carioca, jornalista e já trabalhou em jornais como Jornal da Tarde (SP), O Estado de S. Paulo, Jornal do Commercio e Tribuna da Imprensa e nas Revistas Manchete, Fatos & Fotos e Visão (atual Isto É). Jardim Botânico do Rio de Janeiro e INEA.
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