Por Dan*
Talvez seja difícil de acreditar que o olfato extremamente apurado de uma pessoa possa ser a base para que se façam testes para o diagnóstico da doença de Parkinson, ou que a base de grande parte do que sabemos sobre esta doença seja baseado num toxicodependente que tome heroína sintética. Mas por vezes a vida real é bem mais estranha que a ficção, e no que toca ao Parkinson e pesquisas relacionadas com a mesma, esse ditado é bem verdade. Neste artigo espreitamos quatro factos pouco conhecidos em relação ao Parkinson, a importância que tiveram e a forma como esses factos continuam a moldar as pesquisas realizadas em torno desta doença.
A tulipa vermelha é o símbolo do mal de Parkinson, mas nem por isso é a flor que emana o cheiro. Uma história um tanto curiosa ficou famosa, quando uma cidadã britânica chamada Joy Milne ficou conhecida como A Mulher Que Consegue Cheirar O Parkinson. Les, o falecido marido de Joy, foi diagnosticado como portador de Parkinson aos 45 – dez anos depois de Joy ter notado algumas diferenças no cheiro do marido. Apesar de não ter como fazer a ligação entre o cheiro e a doença na altura, ela acabaria por reparar no mesmo “odor almiscarado” alguns anos mais tarde quando estava com outros portadores da Parkinson num grupo de apoio à mesma.
Joy viria a testar as suas capacidades num ambiente controlado ao cheirar amostras de 12 t-shirts preparadas pelo Dr. Tilo Kunath da Universidade de Edimburgo – das quais, seis tinham sido usadas por pacientes de Parkinson, e outras seis por pessoas sem a síndrome. Ela acabou por acertar em 11 dos 12 casos. O seu único “erro” foi identificar uma das t-shirts como sendo de um portador do mal de Parkinson, quando na verdade não lhe tinha sido diagnosticada a condição. Até então. Isto porque 8 meses depois, foi diagnosticada Parkinson a esta mesma pessoa – a escocesa Joy tinha identificado a doença antes dos médicos, usando somente o seu olfato.
A incrível capacidade de Joy é mais do que simplesmente uma história interessante. Esta levou cientistas a acreditar que pode haver uma estrutura molecular por trás da mudança de odor corporal – e identificá-la poderia significar uma forma rápida, fácil e barata de testar o Parkinson. Atualmente, não há nenhum teste e o diagnóstico é meramente baseado em sintomas.
Tendo em conta que Joy identificou a mudança no cheiro do seu marido muitos anos antes dos típicos sintomas se desenvolverem, é lógico que este seja um dos primeiros efeitos da doença Parkinsoniana. Como tal, o teste pode ser muito importante na detecção precoce do Parkinson. Apesar de ainda não haver cura para a doença de Parkinson, os sintomas podem ser aliviados com medicamentos. Quanto mais cedo o diagnóstico ocorrer, maior a eficácia da medicação retardando a progressão da doença antes que esta afete a qualidade de vida dos pacientes.
Apesar deste teste ainda ser uma realidade algo distante, as pesquisas efetuadas até à data já identificaram 10 moléculas diferentes naqueles que vivem com o Parkinson. Caso estes resultados encorajadores continuem, o sentido olfativo duma senhora pode, em última instância, afetar a vida de milhões de pessoas durante as próximas décadas.
O que causa o mal de Parkinson? É uma questão que, apesar das várias pesquisas, ainda está por ser respondida com certeza. Alguns genes foram identificados, como explica este fantástico artigo (só disponível em inglês) do Instituto Nacional de Investigação do Genoma Humano. No entanto, há fatores ambientais que parecem contribuir significativamente para a probabilidade da doença vir a ser desenvolvida. Poder-se-ia dizer que os genes são a munição e o ambiente é o factor que prime o gatilho.
Uma demonstração clara deste fenómeno é o facto de agricultores – assim como pessoas que vivam nas proximidades de zonas rurais – correrem um maior risco de vir a desenvolver o Parkinson. Por quê? Pesticidas.
Os pesticidas há muito que vêm sendo ligados à doença de Parkinson, e parecem haver cada vez mais provas disso mesmo. Uma pesquisa da Universidade da Califórnia (disponível em inglês) mostrou que há três pesticidas (chamados ziram, maneb e paraquat) que aumentam o risco do desenvolvimento da doença. As provas também sugerem que cada um destes pesticidas atua de maneira diferente e que, por isso, se alguém estiver exposto aos três, o risco dessa pessoa desenvolver Parkinson triplica.
Uma das preocupações acerca do uso de pesticidas são os poços artesianos. Isto porque estes poços de água privados são muitas vezes ilegais e a sua fiscalização é complicada de ser efetuada. Os casos variam bastante, mas na sua maioria, os poços artesianos fornecem água potável nas áreas rurais e quintas e, por isso mesmo, podem estar contaminadas com pesticidas.
No ano passado, um relatório de especialistas em alimentação e poluição das Nações Unidas alertou para a necessidade de eliminar a mito que os pesticidas são necessários para alimentar a crescente populacional, como relata este artigo da Agência Brasil. Além disso, outro relatório publicado numa revista científica mostrou que quase todos os produtores podiam reduzir a quantidade de pesticidas usados sem que isso significasse alguma perda financeira.
É, sem dúvida, um tema bastante debatido por estes dias, e o uso industial de pesticidas não vai mudar do dia para a noite. As pesquisas efetuadas até agora podem servir como base para formar a opinião pública e criar legislação um pouco por todo o mundo. O objetivo é claro: assegurar que a produção de comida é adequado tentando, ao mesmo tempo, proteger aqueles que vivem em áreas rurais de potencialmente desenvolverem doenças como o Parkinson.
Muitas das pesquisas mais recentes sobre a síndrome de Parkinson surgiram das observações clínicas feitas a um paciente em 1982, chamado George Carillo, que desenvolveu sintomas de Parkinson de repente. O caso espantou os médicos do Centro Médico do Vale de Santa Clara na Califórnia, mas demorou apenas algumas semanas a ser resolvido. O Dr. William J. Langston viria a descrever o paciente como “um exemplo típico da doença de Parkinson antes da levodopa existir”.
Veio-se a concluir que Carillo tinha consumido uma droga comumente designada como heroína sintética, e que uma parte da qual havia sido contaminada por um químico chamado MPTP. Carillo e a sua namorada consumiram a droga durante vários dias, levando ao aparecimento repentino de sintomas bastante parecidos com os do Parkinson. “Ele estava claramente acordado, mas não tinha qualquer movimento espontâneo e quando o seu braço se levantava involuntariamente, ficava nessa posição durante longos períodos de tempo,” recorda o Dr. Langston. Ele conseguiu tratar os seis jovens que tinham consumido a mesma droga, recorrendo à levodopa. Todos eles responderam ao tratamento da mesma maneira que os pacientes com Parkinson, tendo até desenvolvido discinesia de forma similar.
O que se seguiu viria não só a marcar a carreira do Dr. Langston, mas também foi capa de jornal e despoletou uma série de pesquisas sobre as similaridades nos mecanismos da MPTP e do mal de Parkinson – tendo havido entre 5 e 7 mil publicações acerca da MPTP. Foi descoberto que a MPTP, quando no cérebro, é convertida numa molécula tóxica chamada MPP+, e é essa a molécula que causa os sintomas de Parkinson. De forma mais científica, a transformação foi causada por uma enzima chamada ACE-B, pelo que as drogas inibidoras de ACE podem prevenir os sintomas. Este é só um de muitos exemplos que ajudaram a mudar o tratamento do Parkinson.
Isto é só uma amostra da história – se a quiser ler na íntegra, pode fazê-lo aqui ou num livro escrito pelo Dr. Langston com um jornalista (Jon Palfreman), O Caso dos Viciados Congelados.
Basicamente, a descoberta de que a MPTP causa sintomas muito parecidos aos do Parkinson abriu todo um novo campo de investigação acerca desta condição. Anteriormente, as investigações eram eram tudo menos fáceis, já que a doença afeta somente humanos e não havia nenhum modelo de laboratório que pudesse ser estudado. Como resultado das observações laboratoriais de MPTP, os cientistas são agora capazes de realizar pesquisas sobre como novas drogas podem ajudar pessoas qu vivem com Parkinson. Uma área de investigação que se prolonga pelos dias de hoje, dando esperança àqueles que vivem com Parkinson ou qualquer outra doença degenerativa do cérebro, como no caso do Alzheimer.
O Parkinson é frequentemente associado a pessoas com mais idade – e, em geral, essa é uma suposição correta. A maioria das pessoas diagnosticadas têm idades superiores a 60 anos e o risco de contrair a doença aumenta exponencialmente com a idade. No entanto, cerca de 5 a 10% de todos os casos de Parkinson são diagnosticados entre os 21 e os 45 anos, podendo ser uma doença de início precoce. O caso mais famoso trata-se muito provavelmente do ator Michael J. Fox, diagnosticado aos 20 anos. Desde a sua fundação no ano 2000, a Fundação Michael J. Fox conseguiu recolher e financiar mais de 750 milhões de dólares para a investigação da doença de Parkinson.
Existem muito poucos casos de pessoas que tenham manifestado sintomas da doença antes dos 21 anos, no chamado Parkinson juvenil. Este foi descrito pela primeira vez por um neurologista francês, o Dr. Henri Huchard, que observou sintomas típicos do mal de Parkinson num rapaz com treze anos. Em 2016, uma criança de 2 anos em New Brunswich (no Canadá) foi diagnosticado com Parkinson, talvez o caso reconhecido mais cedo numa criança.
Uma das grandes suspeitas é a de que o fator genético é o maior responsável pelos casos infanto-juvenis. Reutilizando a frase mencionada anteriormente, parece que, nos jovens, a Parkinson só precisa mesmo de um ligeiro toque no gatilho para que este faça disparar a doença.
Não só há diferenças na forma como a doença se desenvolve, mas há também diferenças clínicas e patológicas entre as formas do Parkinson que atingem os jovens e a forma mais comum, que é aquela que mais tarde afeta os adultos e idosos. Por isso, aqueles que contraem a doença numa idade mais jovem, têm um desenvolvimento lento e experienciam sintomas diferentes.
Por exemplo, dificuldades a caminhar e caídas são menos comuns, mas sintomas como a distonia são mais comuns. Também é mais provável que aqueles que desenvolvem Parkinson mais cedo venham a experienciar flutuações motoras e discinesia, que são efeitos-secundários frequentes naqueles que fazem tratamento com levodopa – uma das medicações mais usadas para o Parkinson – há mais tempo.
Pesquisas apontam que o Parkinson de início precoce ajuda a melhorar o entendimento do papel genético no desenvolvimento da doença e pode ajudar a identificar genes individuais que estão ligados à condição. Alguns genes, como o Park1, Park2 ou Pink1 foram identificados, apesar de algumas perguntas subsistirem, a formação genética daqueles com Parkinson de início precoce pode ser a chave para desvendar vários mistérios acerca da doença de Parkinson.
Uma mulher com um olfato extremamente apurado, agricultores, toxicodependentes e Michael J. Fox. Cada um de maneira diferente, ajudaram a moldar décadas de pesquisas sobre a doença de Parkinson, e continuarão a fazê-lo com o avanço das investigações pela cura.
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Sobre o autor.
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Artigo publicado originalmente em MyTherapy e reproduzido na CONTI outra com autorização.
Imagem de capa: Ocskay Mark/
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