Por MARK MANSON
(Tradução autorizada do artigo original, escrito por Mark Manson em seu site. Se você quer acompanhar os novos artigos em língua inglesa, clique aqui e assine a newsletter de Mark)
Sejamos honestos: nosso sistema educacional é uma m*.
Por exemplo, tudo o que aprendi de importante em História, durante o ensino médio, posso achar na Wikipedia e aprender em algumas semanas apenas. E muito do conhecimento científico básico que você sempre quis ter é explicado de um jeito incrível em vídeos no Youtube. E, para coroar tudo isso, você tem o mercado de trabalho mais instável dos últimos cem anos, uma tecnologia que se desenvolve tão rapidamente que metade do trabalho será feito por robôs na próxima década, disciplinas escolares que alguns dizem ser agora totalmente inúteis e novas formas de produzir são inventadas praticamente a cada seis meses.
E ainda assim estamos empurrando para as crianças o mesmo currículo escolar que nossos avós tiveram.
É um clichê dizer neste momento que as coisas mais importantes que você aprende na vida não são ensinadas na escola. Mas sei disso por minha vida, porque as coisas mais importantes eu tive de aprender por mim mesmo e enquanto adulto.
Mas por que essas coisas não podem ser ensinadas na escola? Pense bem, se eu tive que gastar seis meses da minha vida aprendendo coisas sobre Frei Caneca e Pintores Renascentistas, por que eu não posso gastar seis meses aprendendo como poupar para a aposentadoria e o que é consentimento sexual? Por que ninguém me disse que, quando eu virasse adulto, uma grande parte do mercado de trabalho seria afetada pela tecnologia ou seria terceirizada para os asiáticos?
Pode me chamar de amargo. Ou talvez de mais um dessa nova geração de descontentes. Mas, sério, onde estavam essas disciplinas na grade curricular? Sabe, essas disciplinas sobre coisas que você realmente precisa saber? [1]
Claro, quando eu dominar o mundo (o que vai rolar um dia desses aí, só estou esperando umas ligações), a gente não vai ter esse tipo de problema. Eu vou elaborar uma grade curricular que inclua o mais perfeito conhecimento sobre a vida, para ser transmitido a toda a população. E vocês todos vão me agradecer e prestar tributos em leite e mel e virgens sensuais e talvez mesmo sacrifiquem uma cabra ou duas em meu nome (desculpa, veganos).
Mas, antes que eu me deixe levar pela fantasia, vamos ser diretos. Quais são as disciplinas que deveríamos ter no ensino médio, mas não temos? Essas são as cinco mais importantes para mim.
O currículo incluiria: cartões de crédito e taxas de juro e investimentos e aposentadoria e que eu deveria investir uns duzentos a partir dos 18 anos pois quando chegasse aos 50 seria tipo um biliomilhardário.
Sério gente, os juros compostos dominam a merda do planeta inteiro. Então como é que eu não sabia nada disso até meus 24?
Por que é importante: porque 43% por cento das famílias brasileiras estão endividadas; porque 7 entre cada 10 pessoas não tem o hábito de guardar dinheiro; porque esse vídeo existe:
Nota: se você escolheria a barra de chocolate ao invés da barra de prata, e não entende como essa é uma péssima decisão, encontre-me nas notas de rodapé. Precisamos conversar, agora. [2]
Se administrar seu próprio dinheiro fosse uma escola, a maioria da população estaria conduzindo o ônibus escolar ao invés de ir às aulas, e dirigindo mal, e desistindo completamente de até fazer isso.
A ignorância na gestão financeira tornou-se atualmente um enorme problema. Pois se você tem uma sociedade cheia de pessoas comprando um monte de porcarias pelas quais não podem pagar, aposentando-se sem poupança e adoecendo sem conseguir pagar um bom plano de saúde – bem, isso ferra a todos de uma forma extraordinária, como está ferrando neste exato momento.
O currículo incluiria: como expressar sentimentos sem culpa ou julgamentos recíprocos; como identificar um comportamento manipulador e livrar-se dele; como estabelecer limites e evitar comportamentos abusivos; como ter conversas honestas sobre sexualidade e como ela está relacionada (ou não) com o amor; como mergulhar em um relacionamento e como isso é vivenciado diferentemente para mulheres e homens. Basicamente tudo aquilo que a maioria aprende apenas depois de passar por uma boa sequência de dolorosos fins de relacionamentos.
Por que é importante?: porque quando você está na cama morrendo de câncer em estado terminal, você não vai estar pensando em como Napoleão subestimou a Rússia ou como a Restauração Meiji mudou completamente a geopolítica na Ásia ou como as regras da química orgânica estão fazendo seu corpo envelhecer.
Você estará pensando naqueles que amou em sua vida e naqueles que perdeu.
Muitas coisas constroem uma vida feliz, mas poucas têm tanta influência e impacto na felicidade quanto os nossos relacionamentos [3]. Aprender a como não tropeçar neles feito um bêbado desastrado e exercitar algum controle consciente na forma como transmitimos nossas emoções e criamos intimidade é possivelmente a habilidade mais transformadora de uma vida humana.
Pois não estamos falando o suficiente sobre como se casar e manter uma vida sexual excitante. Trata-se de falar sobre relacionamentos com R maiúsculo: como ser um bom amigo, como não tratar a sua família como se fosse merda de cachorro, como lidar com conflitos no trabalho, como assumir a responsabilidade por suas emoções e problemas e neuroses sem arrastar o resto do mundo fossa abaixo junto com você.
Como humanos, somos animais fundamentalmente sociais. Não existimos no vácuo, não conseguimos. Nossos laços sociais são tecido com o qual confeccionamos nossa vida. A questão é: esse tecido é uma ceda suave ou um poliéster ordinário?
O currículo incluiria: esta pergunta:
“Se todos os que dirigem caminhões são caminhoneiros, e todos os caminhoneiros são motoristas, então todos os motoristas dirigem caminhões?”
A resposta, claro, é “Falso”. [4]
Questões como essa sempre são chatas quando aparecem em testes padronizados. Mas nossa habilidade de resolvê-las tem uma grande repercussão em nossas crenças e em como conduzimos nossas vidas. Por exemplo, seguindo a mesma progressão lógica equivocada que apresentamos acima, temos as seguintes conclusões:
“Cíntia cria conflitos no ambiente de trabalho. Cíntia é uma mulher. Portanto mulheres criam conflitos no trabalho”. [5]
ou
“A maioria dos criminosos é pobre. A maioria dos pobres ganha bolsa família. Logo a maior parte do bolsa família é recebida por criminosos.”
Essas afirmações são falsas, e ainda assim você vê gente afirmando coisas do tipo como se fossem fatos ou apresentando-as em discussões como se fossem argumentos válidos, de modo que se tornam o fundamento de vieses de raciocínio e preconceitos de muita gente.
Dia desses eu li aquele que é possivelmente o artigo mais idiota que vi em meses. Ele tentava fundamentar que a objetificação das mulheres é errada, mas a objetificação sexual dos homens não. Por quê? Porque os homens não são estuprados tão frequentemente quanto as mulheres. Isso é o queijo suíço dos buracos lógicos e das falácias.
Por que é importante? A questão é que somos vítimas dessas falácias lógicas o tempo todo. E, em geral, de modos sutis que passam desapercebidos por nós. E frequentemente essas falácias dizem respeito a decisões importantes e a crenças que têm consequências marcantes em nossas vidas. Elas são manipuladas em campanhas eleitorais (X é bom em fazer dinheiro; o governo precisa de dinheiro; portanto X será bom para o governo), temas relativos a direitos civis, decisões morais e éticas (José mentiu para mim, portanto tenho direito de mentir para José), conflitos pessoais e por aí vai.
Essas falácias lógicas infiltram nossas vidas fazendo com que tomemos decisões estúpidas. E são decisões estúpidas sobre nossa saúde, nossos relacionamentos, nossa carreira e basicamente sobre tudo o mais.
O problema é que na escola raramente aprendemos como pensar direito ou resolver problemas adequadamente. Ao invés disso, aprendemos a como copiar ou memorizar as coisas – e logo depois esquecemos tudo [9]. Isso mal nos prepara para a complexidade da vida adulta, principalmente para a vida adulta do século 21, que é incrivelmente complexa. Eu suspeito que talvez o retrocesso intelectual que estamos atualmente vendo nos movimentos religiosos fundamentalistas e em outras manifestações intelectualmente miseráveis vêm dessa completa falta de preparo para o complicado mundo pós-moderno.
O currículo incluiria: sei o que você está pensando agora: “como você espera ensinar a autoconsciência?” Mas sério, gente, isso pode ser ensinado e praticado como qualquer outra coisa [6].
Autoconsciência é a habilidade de pensar sobre as coisas que você pensa. É a capacidade de ter sentimentos sobre seus sentimentos. Ter opiniões sobre as suas opiniões.
Por exemplo, eu posso pensar algo como “Odeio todas as pessoas chamadas Antônio, pessoas chamada antônio são más”. Esse é um clássico exemplo de intolerância, uma simples canalização de ódio orientada por um estereótipo superficial. E se você não tem autoconsciência, você vai levar esse preconceito a sério.
Mas se alguém é autoconsciente, essa pessoa irá capturar esse pensamento e questioná-lo. “Por que odeio pessoas que se chamam Antônio? Talvez porque meu ex-namorado tinha esse nome? Talvez porque meu pai se chame Antônio? Estou talvez direcionando meu ódio pelos Antônios da minha vida para todos os Antônios do mundo? Eu fico envergonhada de como sou enraivecida. Eu devia procurar um psicólogo.”
Isso sou eu pensando sobre meus pensamentos. Sou eu tendo sentimentos sobre meus sentimentos. Sou eu tendo opiniões sobre minhas opiniões. Isso é autoconsciência. E a maior parte das pessoas passa a maior parte de suas vidas com muito pouca autoconsciência.
Mas isso pode ser ensinado, como tudo o mais, por meio da prática. Basicamente tudo que exige que você pense sobre aquilo que está pensando estimula o desenvolvimento da autoconsciência. Isso pode ser feito através da meditação, da terapia, de um diário ou apenas tendo ao seu lado alguém muito íntimo que aponte seus vieses e preconceitos com consistência.
Por que é importante: pesquisas demonstram que um elevado grau de autoconsciência traz benefícios, bem, para quase todos os aspectos das nossas vidas. Pessoas que desenvolvem habilidades metacognitivas planejam melhor, são mais disciplinadas, mais focadas, mais atentas às suas emoções, são melhores tomadoras de decisões e mais capazes de antecipar problemas em potencial [7].
Em tudo o que fazemos na vida, só tem uma coisa que fica conosco do início ao fim: nossa mente. Ela é o grande filtro. Tudo o que fazemos e tudo o que acontece conosco é filtrado pela nossa mente e pelos nossos pensamentos. Portanto, precisamos investir tempo e energia para compreendermos ao máximo como funciona a nossa mente, pois isso afeta tudo o mais.
Talvez você seja precipitado em se irritar ou julgar as pessoas. Talvez você seja despreocupado demais com as coisas. Talvez você sofra de ansiedade de tantas formas que isso esteja atrasando a sua vida. Talvez você seja impulsivo e um especialista em se autorrecriminar.
Seja o que for, precisamos identificar nossas tendências e daí aprender como monitorá-las, para a seguir controlá-las.
O Currículo incluiria: porque quase tudo em que acreditamos está provavelmente errado de uma ou outra forma; porque nossas memórias não são confiáveis; como áreas tão aparentemente sólidas quanto matemática e física estão cheias de incertezas [8]; como somos péssimos juízes sobre o que nos fez felizes/infelizes no passado e o que nos fará felizes/infelizes no futuro [9]; como os eventos mais importantes na história sempre são aqueles menos previsíveis [10]; como são as convicções e a rigidez nas crenças que nos conduzem à violência, e não ao oposto[11]; como muito do que nos é transmitido como suposto conhecimento científico hoje é baseado em pesquisas que repetidamente falharam ou foram incapazes de ser repetidas [12]; e por aí vai.
Por que é importante: muitas das coisas boas da vida surgem da falta de certeza ou do estado de desconhecimento. A incerteza é o que nos leva a ser curiosos, a aprender, a testar novas ideias, a comunicar nossas intenções aos outros. É o que nos mantém humildes. A incerteza nos ajuda a aceitar o que quer que nos ocorra. Ela nos permite enxergar os outros sem julgamentos injustos e precipitados. Muito do que é ruim na vida vem de certezas: complacência, arrogância, fanatismo e preconceitos. As pessoas não se reúnem e criam cultos religiosos e depois tomam veneno num sacrifício coletivo porque têm incertezas sobre a vida. Elas fazem isso porque têm certezas. As pessoas não caem em depressão, falam obsessivamente de seus exes ou entram em uma escola dando tiros porque têm incertezas a respeito de si mesmas – elas estão certas em relação às suas crenças.
Elas estão convictas cobre uma crença que, como quase todas as outras crenças, está provavelmente errada.
O ceticismo cultiva a habilidade de abrir-se a alternativas, de conter o julgamento, de questionar e desafiar a si mesmo a tornar-se uma pessoa melhor.
Você não tem certeza se a sua colega odeia você ou não. Você na verdade não sabe se seu chefe é mesmo um idiota ou só muito incompetente em se comunicar. Talvez a esposa dele tenha câncer ou algo assim, e ele fique chorando a noite toda sem dormir. Talvez você é que seja o idiota mas não se dá conta disso.
Você não sabe na verdade se o casamento gay irá arruinar a família tradicional, ou se mulheres e homens são mesmo tão diferentes assim. Você não tem certeza se esse novo emprego fará você mesmo feliz, se o casamento irá resolver os problemas de seu namoro (espero que não) ou se seu filho merece ou não aquelas notas boas (ele pode estar colando).
A vida é feita de incertezas. Nossas certezas são apenas estratégias para evitar a insegurança da vida, para evitar que nos adaptemos e sigamos o fluxo das mudanças. A educação e o aprendizado não terminam quando fechamos os livros e os diplomas são entregues. O aprendizado só termina quando a vida termina.
1. Sempre que critico o sistema educacional recebo emails de professores irritados. Só quero deixar claro que não estou criticando os professores ou o trabalho que fazem. Há excelentes professores e há péssimos professores. Mas ambos submergem no mesmo sistema ineficiente. E estou certo de que muitos deles estão tão incomodados com esse currículo antiquado como nós estamos. ↵
2. Olá. Deixe-me adivinhar: você está com problemas com dinheiro neste momento? Tem muitas TVs de tela plana cujas prestações estão difíceis de pagar? Tem um carro que não é para seu bolso, mas você não consegue abdicar dele? Bom, a boa notícia é que as coisas podem melhorar. As más notícias é que você é um péssimo administrador do seu dinheiro. Não é algo legal. Você não sabe o quanto vale uma parra de prata de dez onças, certo? Ok, veja, eu não vou te zoar. Você precisa de ajuda, por isso procure alguns bons livros de gestão financeira pessoal, faça um favor a si mesmo. ↵
3. Vaillant, G. E. (2012). Triumphs of Experience: The Men of the Harvard Grant Study. Cambridge, Mass: Belknap Press. ↵
4. A forma como abordamos essas questões lógicas é sempre substituí-las por algo mais tangível, com: “Todos os Esquimós são canadenses. Todos os canadenses são norte-americanos. Portanto todos os norte-americanos são esquimós”. Um percentual surpreendentemente grande de estudantes erram essa questão. ↵
5. Adoro esse exemplo porque ele pode ser interpretado tanto como misógeno como misândrico. Um machista diria “sim, Cíntia começa todos os conflitos porque é mulher”. Feministas radicais diriam “Sim, os homens brigam com a Cíntia porque ela é uma mulher”. Ambas as conclusões são logicamente incorretas (e preconceituosas). ↵
6. Em jargão psicológico, autoconsciência é chamado de metacognição. ↵
7. Schraw, G. (1998). Promoting general metacognitive awareness. Instructional Science, 26(1-2), 113–125. ↵
8. O Teorema da Incompletude de Godel mostra que há limitações inerentes em qualquer sistema axiomático da matemática. O Princípio da Incerteza mostra que, em nível subatômico, a localização e a velocidade não podem ser medidas com precisão ao mesmo tempo. ↵
9. Leia Stumbling On Happiness, de Daniel Gilbert. ↵
10. Leia The Black Swan de Nassim Taleb. ↵
11. Leia Evil: Inside Human Violence and Cruelty de Roy Baumeister. ↵
12. The New Yorker. The Truth Wears Off. ↵
Sou autor, blogueiro e intérprete. Escrevo conselhos de vida pouco convencionais. Pense nisso como uma auto-ajuda para pessoas que odeiam auto-ajuda. Encontro felicidade na luta. Conquisto o medo através da rendição. Tenho mais possuindo menos. Alguns dizem que sou idiota. Outros dizem que salvei suas vidas. Leia e decida por si mesmo.
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