No último dia 23 de outubro de 2020 estreiou na plataforma de streaming “Netflix” a minissérie de 7 episódios: “O Gambito da Rainha”. Nem preciso falar que a série já está no TOP 10 da plataforma, né.
A série é uma adaptação do romance homônimo de Walter Tevis, lançado em 1983. O Livro ainda não está disponível com tradução para o português.
Categorizada como drama, a minissérie foi desenvolvida por Scott Frank e Allan Scott.
Abaixo, separei 6 aspectos relevantes para publicar para vocês aqui na CONTI outra. Enquanto eu os listei, preocupei-me em não oferecer nenhum spoiler que pudesse atrapalhar a sua experiência (e aviso sobre o tópico que realmente possui spolers). Contudo, se você quiser ver a série sem absolutamente nenhuma influência conceitual, sugero que guarde o texto e o leia depois que assistir tudinho.
A história se passa nos anos 1950 quando a menina de 9 anos, Beth Harmon, interpretada por Isla Johnson na infância e por Anya Taylor-Joy da adolescência, torna-se órfã e é dirigida a um orfanato em Kentucky, no sudoeste dos EUA . Dentro a instituição acompanhamos a luta pela adaptação da criança, seu luto, construção de pequenos vínculos, introdução ao vício em tranquilizantes, com pílulas que eram fornecidas pela própria instituição e, o mais marcante na vida da protagonista: a descoberta do xadrez em um dia qualquer, quando levava os apagadores para bater o pó no porão do orfanato.
Em suma, vemos uma história de amadurecimento e acompanhamos aspectos que mostram o preço da sua genialidade, segundo a própria descrição oficial da série. Dentro do enredo acompanhamos questões sociais relevantes ligadas a institucionalização de crianças e da própria medicação fornecida pelo estado, mencionada há pouco.
Acompanhamos ainda, ao fundo, questões políticas da época, quando ainda “reinava” a Guerra Fria. Vemos questões sociais, como o racismo (apresentadas sutilmente pela colega de quarto de Beth, Jolene (Moses Ingram), que deixa todo mundo com gostinho de quero mais toda vez que aparece), e a história da pequena Elisabeth que, gradativamente, ganha espaço em um mundo considerado masculino, como é o caso do xadrez, trabalhando também questões ligadas ao lugar da mulher na sociedade. Isso, não podemos nos esquecer, mesclando de forma ímpar aspectos do mundo real e imaginário da protagonista.
Para quem não sabe, o Rotten Tomatoes é um site americado que reúne críticas de cinema e televisão. Logo, é também um local de referência para que consultemos as críticas de quem já vi uma série e/ou filme e a avaliou previamente.
O bacana em “O Gambito da Rainha” foi que ela recebeu rapidamente um número elevada de classificações positivas e, em poucos dias, já tinha 100% de aprovação e já está cotada por quem entende da coisa como a possível melhor minissérie de 2020.
Algumas coisas demoram, passam por grandes mudanças e percalços, mas parece que tem que acontecer. Pois foi exatamente isso que ocorreu com o Gambito da Rainha que, idealizada inicialmente para ser um filme, há cerca de 30 anos nasceu na mente de seu co-criador Allan Scott, quando o mesmo adquiriu seus direitos de produção. Alla Scott trabalhou com 5 diretores diferentes, inclusive, no final dessa saga, com Heath Ledger que, além da direção também deveria estrelar ao lado de Ellen Page, que era a protagonista escalada para o longa que nunca aconteceu porque Ledger faleceu em 2008 quando o projeto parou. Em 2018, o projeto foi retomado e virou uma minissérie. E o resultado é o que temos agora. Era um tesouro maturando o seu momento.
A trama cativa e emociona do início ao fim. Não há como não nos sensibilizarmos com o abandono que a pequena Beth vivia tanto antes quando após a sua institucionalização. A minissérie possui arcos que permitem que nos mantenhamos entretidos, envolvidos e fascinados com seus aspectos emocionais. O enredo apresenta diversos flashies da patologia de sua mãe biológica e, posteriormente, da mãe adotiva que fazem com que quase sintamos em nossa própria pele a dor de quem utiliza-se de álcool e medicações para sobreviver a uma vida infeliz. Somos colocados frente a frente com a sensação de invencibilidade e posterior apatia e falta de sentido que andam juntos com a dependência química.
Somos ainda, arrebatados, pelo sucesso gradativo de meteórico da protagonistas e com a emoção de cada partida que acontece nos locais mais variados, seja em um ginásio de escola, em um hotel de Luxo em Paris ou mesmo cercada pela polícia secreta em Berlim.
Ah, e é importante ressaltar, as jogadas que aparecem no filme são todas reais e “O Gambito da Rainha” é o nome da jogada que se tornará marcante na ascenção profissional de Beth Harmon como enxadrista profissional, por isso ganhou até lugar como nome da série que nos chama a atenção logo de cara.
As tonalidades utilizadas, os cenários minuciosamente escolhidos para retratar com excelência os ambientes das décadas de 50 e 60, a fotografia minuciosa. Vemos claramente como a industrialização acontecia fortemente, o papel da mulher na sociedade em casa e esperando o marido voltar, as cenas de sua mãe adotiva passando aspirador na casa e assim por diante. Tudo, na mais perfeita ambientação.
A série trabalha o abandono nas mais diversas formas. Vemos o luto concreto da perda da mãe, que dá inicio ao enredo de forma mais clara, quando Beth é institucionalizada. Segue-se daí o luto por toda uma vida pregressa e a adaptação a vida de vínculos superficiais de uma instituição. Vemos como Beth sobrevive utilizando-se de uma vida isolada, vemos a fuga pela medicação e, posteriormente, na obsessão pelo xadrez que é apresentado por um dos seus maiores amigos, um zelador chamado Shaibel (Bill Camp) que certamente a amava, mas que não conseguia demonstrar o seu afeto porque era calado um tanto antissocial.
Tudo isso fez com que Beth criasse uma couraça emocional que, para um observador mais leigo na compreensão da psicologia humana, poderia parecer uma postura arrogante, mas que na verdade nada mais era do que um escudo emocional que permitia que sobrevivesse e seguisse, ora com distanciamento emocional, ora entorpecida por tranquilizantes e pelo álcool. Vencer, certamente, era um momento de energia e desafio intelectual, mas também era um momento de provar para si mesma que ela tinha valor.
No meio dos enxadristas Beth também encontrou um ambiente em que sua genialidade- fato que também afasta uma pessoa dentre as outras- encontrasse pessoas semelhantes e que, através do jogo, podiam se comunicar de forma mais igual. Afinal, lá ela era ela mesma. Lá ela era compreendida e adorada e, ao contrário de uma vida de abandono, lá ela era amada e admirada. No figurino da Sra Harmon, que comentaremos no item abaixo, nós também vemos como ela cresce em sua independência como pessoa.
Durante a sua entrada na instituição é tirada dela a roupa com o nome bordado pela mãe, uma cena cruel em que a diretora da instituição lhe fornece uma vestimenta cinza e sem vida e diz que sua roupa atual será queimada. Tudo isso numa possível metáfora de que toda e qualquer individualidade seria também queimada com a entrada na instituição.
Na instituição Beth não podia opinar sobre o que vestia. Logo que foi adotada, sua mae adotiva comprou roupas novas para ela, mas ela também não pode escolher. Eram roupas fora de moda e provenientes de uma promoção. Essa compra, entretanto, refletiu significativamente sobre a maneira como suas novas colegas de escola a viam e gerou cenas de humilhação e rejeição. Nesse momento, Beth percebeu-se “inadequada” e não incluída.
Entretando, assim que ela conseguiu dinheiro após conquistar os primeiros prêmios, ela pode comprar as roupas que queria.
Assim, o uso das roupas, desde que ela pode fazer a primeira escolha do que vestir até, posteriormente, quando tornou-se praticamente um ícone fashion, mostra como Beth crescia como mulher.
Na metáfora das roupas percebemos que, quanto mais bela e independente ela se sentisse por dentro, mais incríveis e elegantes se tornassem também as suas roupas. Nesse ponto, claro, também aparece um ponto de dependência da protagonista quando ela disse que não tinha dinheiro para um torneio porque tinha comprado vestidos demais, mas mesmo assim esse aspecto não invalida a sua construção emocional que segue em um contínuo positivo, apesar de suas quedas.
A série mostra que uma mulher inteligente também pode ser feminina e glamorosa, quebrando o esteriótico da nerd desajeitada e mal vestida. Beth mostra que pode ser independente em uma sociedade e em um segmento profissional machista e mesmo assim vencer e ser feliz.
Beth segue apesar de seus traumas e da dependência química mostrando que é possível sobreviver a ambas as coisas.
Em outros momentos ela mostra que existe amor, mesmo sem palavras claras e grandes demonstrações, como acontece com seu amor pelo zelador, que foi um amor que aconteceu através das entrelinhas e de um tabuleiro.
Ela mostra, ainda, que ser humano é ser falho, apesar de sua genialidade.
E nós assistimos a tudo isso orgulhosos dela.
Depois desses pontos, há como não adorar “O Gambito da Rainha”?
Espero que vejam, revejam e indiquem essa experiência.
Abaixo, segue o trailer
Todas as imagens: reprodução-divulgação
Uma cena inusitada e carregada de simbolismo marcou o Cemitério da Saudade, em Sumaré (SP),…
Na charmosa cidade de Lucerna, às margens do Lago dos Quatro Cantões, encontra-se a histórica…
Jeniffer Castro, bancária que ganhou notoriedade após se recusar a trocar seu assento na janela…
A mais ousada e provocante das séries japonesas disponíveis na Netflix talvez ainda não tenha…
Muitas vezes, a sensação de estagnação, aquela percepção de que não estamos progredindo em nossas…
Com as temperaturas em alta, encontrar formas econômicas e eficientes de aliviar o calor é…