Em terapia, a livre expressão dos pensamentos é uma maneira de trazer para a consciência informações e sentimentos que, no dia a dia, não são falados livremente.
Quando a pessoa é estimulada a falar o que lhe “dá na telha”, e SE AUTORIZA A FAZÊ-LO, ela tem a oportunidade de conhecer partes de si mesma que, no dia a dia, ficam escondidas sob o tapete das convenções sociais, do medo da rejeição, da culpa, ou mesmo sob uma “tradução possível” encontrada para encobrir um ódio original contra si mesma ou contra alguém que, em algum momento da sua vida (e de alguma forma nem mesmo consciente), a pessoa sentiu que lhe fez mal.
Falar, nesses casos, seria o exercício de tornar consciente aquilo que normalmente escondemos dos outros e de nós mesmos. Seria uma maneira de, como vimos na animação “Monstros SA”, abrir uma porta secreta que dá acesso a monstros que chegam de um local desconhecido, para que agora, em um local fora do sonho, nós possamos encontra-los em sua real dimensão. Na maioria das vezes, quando isso acontece, descobrimos que a origem daquilo que nos persegue toma uma dimensão completamente diferente do que poderíamos imaginar. Essa é a hora de puxamos uma cadeira, servimos um chá e nos permitirmos olhar para nossos medos, raivas, e sentimento de abandono. É hora de colocar as cartas na mesa e admitir sentimentos encobertos por mecanismos de defesa que, até então, utilizamos para sobreviver a eles.
Os mecanismos de defesa, entretanto, não são personagens do mau. Para quem não está familiarizado com esse termo explico que eles são “maneiras” que encontramos para não lidar com o que, até determinado momento, não fomos capazes de entender ou enfrentar claramente. Assim, ora eles aparecem em forma de esquecimento ou negação de uma ideia ou realidade, ora buscando culpados para atribuir nossas frustrações e achando que esses “culpados” são os responsáveis por TODOS OS NOSSOS PROBLEMAS, ora sentimos uma necessidade de nos tornarmos “modelo de comportamento” para sermos seguidos, podemos imitar coisas de outras pessoas porque ainda não sabemos bem como são as nossas (ou não gostamos do que vemos) e podemos tentar destruir conceitos e pessoas que nos assustam.
Assim, sabemos, que “todo excesso esconde uma falta”.
– e tem gente que passa o dia limpando a casa para tentar mostrar para si e para o mundo que são pessoas limpas (mas mesmo limpas fisicamente, talvez elas se sintas sujam por alguma outra razão emocional);
– e tem gente que tenta controlar a tudo e a todos para tornar palpável uma organização que, internamente, não existe. Nesses casos, o que pode acontecer é a pessoa ter um medo imenso do descontrole pessoal, de se desintegrar em sua própria bagunça e falta de compreensão interna;
– e tem gente que fala alto, agride, bate (coisas tão comuns nos tempos atuais), mas, na verdade, apenas aprenderam a usar dessas “armas” simbólicas e, muitas vezes reais (6 armas por pessoa, né!), para tentar se proteger. Nesses casos, costuma existir um medo devastador, constante e persecutório que mantém a pessoa pronta para atacar e destruir qualquer coisa que se aproxime. São pessoas que veem inimigos por todos lado. Os valentões, na maioria das vezes, sentem muito, muito medo. É tanto medo que acham que precisam destruir quem sentem que os ameaça.
E os exemplos não acabam….
– e aí também vemos aqueles que se dizem excessivamente religiosos, mas na verdade tentam usar da fé para mostrar para os outros que são bons, ou mesmo para tentar compensar imediatamente através do “poder divino” seus pecados cada vez mais frequentes (sentem-se pecadores porque não conseguem controlar seus pensamentos ou atos);
– e aí vemos pessoas que não param de escrever e ensinar sobre o que o outro deve dizer e como ele deve se relacionar, mas que não conseguem manter relações saudáveis. E esse processo deu a base para a criação de tantos gurus, mestres (tanto os místicos quanto os colecionadores de títulos acadêmicos) e coaches;
– e aí vemos pessoas que não saem da academia, falam de suas façanhas sexuais ou mesmo têm orgulho de fazer piadas sobre a falta de feminilidade das mulheres que usam “calcinha bege” quando, na verdade, são extremamente inseguras com a sua própria sexualidade;
– Outros, ainda, mentem para os outros e/ou para si mesmos, criam fantasias, mundos paralelos. Veem tudo, menos o obvio.
E poderiam ser escritas páginas e mais páginas com exemplos infinitos. Mas isso tudo, é importante dizer, são formas tortas, mas que permitem que a pessoa continue com sua vida do jeito que consegue.
E eu, e você, e o nosso vizinho usamos desses subterfúgios em diversos momentos de nossas vidas em maior ou menor escala.
Nos dias atuais, para finalizar, sugiro que se destine uma redobrada atenção a toda QUALQUER PESSOA que tenha em sua rotina DISCURSOS DE ÓDIO contra cultura, pessoas, partidos políticos diferentes, religiões, raças, mulheres, gays e assim por diante. Por exemplo, uma religião pode ser algo bom e agregar muito a pessoa e a comunidade, mas se ela prega a rejeição a outros credos e formas de vida, há que se ter atenção.
Assim, enquanto uma boa terapia pode ajudar a pessoa a acessar e remexer em seus porões com direito a poder falar sobre qualquer coisa dentro da proteção do consultório, lembre-se que, como tratamos em nosso Podcast dessa semana, em sociedade, a liberdade de expressão de uma pessoa só vai até o ponto em que não fere outra em qualquer de seus direitos fundamentais.
Em um mundo cheio de ódio, radicalismos e negacionismo é preciso atenção constante ao que é dito e ao que é ouvido.
Lembre-se: Há falas que libertam. Há falas que aprisionam.
Conheça seus monstros e converse com eles. Fuja de extremos. Não seja abraçado por monstros alheios.
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Imagem de capa meramente ilustrativa