Por Elisabeth Perestrelo
Acto I
Enviei-te uma carta, pai.
António.
Acto II
Vila Nova de Milfontes, 16 de Maio de 2009.
Pai,
À hora em que te escrevo, não sei se morarás ainda na nossa casa (que digo!, na tua casa), não sei se chegarás a ler esta carta, não sei se serás ainda vivo…
Foi há tanto tempo, pai. Saberás que já se passaram 17 anos, dois meses e sete dias? Saberás, pai, que guardo intactas as últimas palavras que me lançaste naquele dia? Saberás que ainda te oiço dizer, enquanto nos fechavas a porta, a mim e à mãe, «…e tu não me apareças mais cá. A tua mãe que te ature. Foi ela que te quis; ela que te ature». Eu tinha 9 anos, pai. E, na altura, não percebi o que quiseste dizer com esse não querer, mas senti-o.
Não apareci, pai. Não mais perguntei por ti à mãe. Não mais falámos de ti. Foste para nós, desde esse dia, um fantasma. Uma mancha no tempo. Indelével mas impronunciável. Mas hoje, pai, pronunciámos o teu nome: Salvador. Foi a mãe quem primeiro o disse. E eu repeti-o baixinho, como para me lembrar de que esse era o teu nome.
A mãe casou hoje, pai. Estava linda. Pintou o cabelo de loiro e foi aliás por isso que falou de ti. Disse: «O Salvador não gostava de loiras…» e sorriu.
Agora a noite chegou, pai. Estou sozinho na sala, a Mariana está na varanda na conversa com a vizinha… A Mariana é a minha namorada, pai. Amo-a mas nunca lho digo, pai. Acho que saio a ti.
Pai, não deve ser tarde…Pai, queria tanto aparecer, pai. Responde-me, pai, e diz-me que posso voltar a nossa casa, que posso ver-te e dizer-te que a vida me corre bem, que gosto de vinho tinto, que comprei um carro novo, que leio todas as noites, que nunca esqueci esse não querer mas que ainda há tempo, pai. Basta quereres…
António
Acto III