Para viver é preciso ter coragem de morrer

Por Adriana Vitória

Aprendi intuitivamente a lidar com a morte muito cedo em minha vida. Aos cinco anos,  perdi minha irmã mais velha. Aos nove, uma das melhores amigas da escola. Aos quinze, a senhora que trabalhava há cerca de quarenta anos na casa do meu tio avô morreu nos meus braços. Era a vida me mostrando o quanto era imprevisível.

Minha vida foi marcada por separações, centenas de mudanças de casa, de país…

Mas meu “diploma” veio em 89, quando fui fazer um curso intensivo de três meses sobre Livro “Tibetano dos Mortos”, no instituto Nyingma.

Nos anos seguintes, perdi duas das pessoas mais importantes da minha vida: minha mãe e meu avô.

Nós do ocidente ainda temos muita dificuldade em lidar com a morte. Mal mencionamos a palavra, com medo que ela nos apanhe.

Obviamente toda perda gera dor, mas se compreendemos e aceitamos que o fim é inevitável, natural e fundamental ao nosso processo evolutivo, a vida se torna de fato significativa.

O número de pessoas que se recusa a aceitar ou lidar com a perda (de um ente querido, seja causada pela morte física ou uma separação) não é nada pequeno.

Para fugirmos do luto, tão necessário de ser vivido,  recusamos-nos a abrir mão de quem, ou do quê, já teve seu papel cumprido. Insistimos em carregar pessoas, lembranças ou situações finitas, em levá-las adiante, sem ao menos nos darmos conta de que, com isso, só retardamos nosso crescimento. Poluindo o nosso presente com descartes impossibilitamos o futuro.

Entulhamos a casa só pra não termos que lidar com o vazio deixado e nem nos damos conta de que lidamos com a morte o tempo todo. Sem ela, a vida seria pura estagnação e a existência totalmente sem sentido.

Para nascermos temos que abandonar a segurança uterina. Para comermos abdicamos do leite materno. Para entrarmos na escola, temos que deixar o aconchego de casa. Para aprendermos a ler, largamos as fraldas. Para entrarmos na puberdade, deixamos  a infância. Para nos tornarmos adolescentes temos que abrir mão da puberdade e para nos tornando adultos deixar que ela se vá.

Vivemos milhares de perdas, grandes e pequenas, o tempo todo, a cada minuto. Ações são interrompidas para darem lugar a novas, afinal, não haverá vida se não pactuarmos com infinitas mortes. Simples assim.

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Mineira de alma e carioca de coração, a artista plástica, escritora e designer autodidata Adriana Vitória deixou Belo Horizonte com a família aos seis meses para morar no Rio de Janeiro. Se profissionalizou em canto, línguas e organização de eventos até que saiu pelo mundo sedenta por ampliar seus horizontes. Viveu na Inglaterra, França, Portugal, Itália e Estados Unidos. Cresceu em meio à natureza, nas montanhas de Minas, Teresópolis, Visconde de Mauá, e do próprio Rio. Protetora apaixonada da Mata Atlântica e das tribos ao redor do mundo, desde a infância, buscou formas de cuidar e falar deste frágil ambiente e dos seres únicos que nele vivem.