Há quem roube e quem abençoe

Por Adriana Vitória

Outro dia chegando ao Rio, paramos em um sinal próximo a central, onde frequentemente há um grupo de cinco a sete pessoas, geralmente mal vestidas, que correm na direção dos carros com garrafas de plástico e sabão para limpar os vidros em busca de alguns trocados.

A cena é de fato ameaçadora, mas é de cortar o coração ver os motoristas se apressando em fechar suas janelas e fingir não vê-los. Ao mesmo tempo, ficar refém, por três eternos minutos, sem ter para onde correr.

Apesar de saber dos riscos, normalmente escolho manter minha janela ligeiramente aberta e até hoje não me arrependi, apesar de já ter sido assaltada algumas vezes em situações diversas.

Desta vez o homem se aproximou com uma mulher. Os dois aparentavam profunda exaustão. Separamos dois reais e, sorrindo, permitimos que limpassem os vidros.

Quando lhes demos o dinheiro os dois se voltaram, olharam bem pra nós e nos abençoaram. Estavam de fato gratos, não pelos dois reais, apesar de sempre ajudar, mas por não sermos apenas mais um, junto com o Estado, a lhes virar as costas indiferentes a sua real existência e necessidades.

O ser humano é um dos animais mais frágeis que existem. Necessita de muita atenção e amor para se construir e criar uma estrutura interna sólida para lidar com a vida.

Quando a carência prevalece, a sociedade cria anomalias. Seres cheios de rancor e revolta que sobrevivem à margem da sociedade em submundos que nenhum de nós poderia imaginar em nossos piores pesadelos.

No final das contas, nos tornamos todos reféns de um sistema sórdido e perverso. Triste.

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Mineira de alma e carioca de coração, a artista plástica, escritora e designer autodidata Adriana Vitória deixou Belo Horizonte com a família aos seis meses para morar no Rio de Janeiro. Se profissionalizou em canto, línguas e organização de eventos até que saiu pelo mundo sedenta por ampliar seus horizontes. Viveu na Inglaterra, França, Portugal, Itália e Estados Unidos. Cresceu em meio à natureza, nas montanhas de Minas, Teresópolis, Visconde de Mauá, e do próprio Rio. Protetora apaixonada da Mata Atlântica e das tribos ao redor do mundo, desde a infância, buscou formas de cuidar e falar deste frágil ambiente e dos seres únicos que nele vivem.