Por Josie Conti
Lembro-me que, durante a minha formação como psicóloga, houve um período em que realizava estágio em um Hospital-Dia. Certo dia, pedi aos frequentadores de um dos grupos que realizávamos ao longo do dia que fizessem um desenho com imagens de um local que representasse onde eles gostariam de estar naquele momento. Embora eu tivesse uma ideia inicial para uma reflexão posterior que poderíamos desenvolver tendo como base as imagens, sentimentos e significados das ilustrações que surgiriam, eu imaginava que aquela simples, mas, não despretensiosa figura indicaria traços de um sonho que cada um trazia consigo. Quem trabalha com saúde mental sabe do poder da arte como coadjuvante no tratamento de pessoas com diagnósticos psiquiátricos.
Quando os desenhos ficaram prontos, entretanto, os resultados pareciam muito mais simbólicos do que eu imaginava encontrar e, na maioria deles, as folhas traziam imagens de pássaros e outras referência ao voo. Os participantes do grupo, possíveis reféns de seus diagnósticos e sintomas, conheciam bem o sentimento da falta de liberdade, a sensação de impotência e, muitas vezes, até a paralisação frente à vida e, talvez por isso, e através de seus traços, buscavam o voo que lhes devolveria a liberdade. Suas falas também diziam da busca por um encontro com novas perspectivas, da volta a suas rotinas e família de antes do adoecimento. Alguns, menos lúcidos para uma fala tão organizada, não demonstravam objetivos tão definidos, mas também se encantaram com a ideia do voo. Outros ainda, cronicamente mais adoecidos, não disseram nada. Eu gosto de pensar que estavam em pleno voo, mas, disso nunca saberei.
Naquele dia, sem que planejássemos, formamos um bando de pássaros. Eles, ora presos em algum lugar do caminho, identidades partidas, em busca da sanidade. Ora, apresentavam-se com suas asas fortes em voos a lugares que muitos talvez nunca sonhem chegar. Eu, inexperiente, cercada de juvenil ignorância para lidar com tantas possibilidades. Naquele voo, certamente eu era o menor passarinho.
Quem admira poesia sabe que poeta também tem costume de ser pássaro. No infinito de possibilidades de um voo ou do nascer e bater das asas constroem-se os mais lindos textos e versos.
O voo, mesmo que simbólico, não abandona os sonhos e metáforas daquele que escreve. Ele quer ir além, quer virar borboleta, rompe as grades das gaiolas que o cerceiam, plana em horizontes distantes. O escritor é borboleta, beija-flor ou um pássaro que caiu do ninho. Possui asas que surgem das costas, asas machucadas, salta em precipícios. Do mais famoso nome da literatura ao mais ilustre desconhecido, estão todos lá: mais um bando de passarinhos!
Sonho, simbolismo e poesia. Na loucura, na infância, na sanidade ou na fantasia. Deve ser por isso que super herói que não voa é meio sem graça, tem poder pela metade.
Somos todos filhos de um sonho alado que sempre quer ir além, seres metamorfoseados por asas imaginárias. Fênix dos desejos que sempre voltam e nos mantém em movimento. Seguimos em busca de nós mesmos, em busca da cura, em busca do desconhecido.
Diferente dos pássaros que voam simplesmente, porque são pássaros e nada questionam sobre isso, o homem voa para ser homem.