No ano em que perdi meu pai, a figura masculina mais importante da minha vida, resolvi fazer as pazes com os homens. Olhar o mundo sob a perspectiva do outro é extremamente complicado e perigoso, mas necessário. Nada do que fiz foi consciente ou pensado, tudo fez parte de um processo interno meu de entendimento do mundo, desconstrução de crenças e abertura de mente. O que eu vi a partir do olhar deles, foi um mundo de homens extremamente solitários e com dificuldades muito parecidas com as que nós mulheres encontramos.
Antes de continuar, entendam, não quero entrar em contextos históricos e culturais, não quero falar em “ísmos”, não quero falar de Cunhas e Bolsonaros, apesar de achar que são temas extremamente importantes. Quero falar sobre os homens que conhecemos, sobre nossos irmãos, maridos, namorados, ex-namorados, amigos e tantos casos de amores mal resolvidos. Sim, aquele cara que te fez sofrer, o que não te ligou no dia seguinte, que não respondeu sua mensagem, que terminou tudo com uma mensagem, que te traiu, que te magoou, e todos aqueles que sentem dificuldade de criar vínculos profundos, intimidade e conexão.
Esse ano decidi abandonar minhas armas, destruir barricadas e construir um espaço de diálogo com os homens que cruzaram meu caminho. Amigos, ex-casos e ensaios, todos de alguma maneira ou de outra, encontraram em mim disponibilidade emocional para escutar e validar suas queixas. Foi conversando que resolvi um caso mal resolvido e escutei o velho discurso “o problema sou eu”, com a diferença que dessa vez tenho plena certeza que sim, o “problema” era ele. Ele não estava usando esse discurso como desculpa, porque eu não estava cobrando uma justificativa, o tom dele era de lamento. Nosso abraço final foi um abraço de trégua, que me trouxe a constatação do que eu há muito já sabia: na nossa história não houve vilão, nem mocinha. Assim, como em muitas outras que existem por aí, não há.
E aos poucos, um a um, sem nem cobrar ou investigar, espontaneamente escutei os motivos deles. “Tenho o dedo podre, faço más escolhas”. Esse discurso que já foi meu por tantos anos e de minhas amigas e das amigas das minhas amigas, dessa vez veio de um homem. Sim, eles também se sabotam, eles também têm medo, eles também se sentem sós e nós também podemos ser as más escolhas deles. E por muitas vezes consecutivas escutei de amigos independente se gays ou héteros, em lamentos muito parecidos e no mesmo tom que eu mesma havia escutado e que se resumiram em:”o problema sou eu”.
O que vi durante esse processo de aproximação, observação e diálogo com os homens é o que já desconfiava há tempo: enquanto tentamos apontar culpados, enquanto falamos em “elas” e “eles” como duas grandes polaridades e não como um todo; como combatentes de lados opostos de uma guerra fria travada por nossos antepassados, enquanto isso acontecer, a única parte que existirá de “nós” serão de fato os nós criados durante séculos de desconexão profunda entre as forças do masculino e do feminino. Sim, é fato, somos uma humanidade inteira pautada em processos onde prevalece o poder do masculino, onde predomina a agressividade, a luta, a guerra. Mas, os homens que conheço não me parecem mais felizes por conta disso.
Então, se queremos um pouco de paz, é tempo de pensar em trégua, em união, é hora de começar a criar laços no lugar de nós, construir pontes em vez de muros, e quem sabe assim, um dia, seremos a parte de um todo complementado por tantas elas e tantos eles diferentes; onde haverá espaço para construir pontes que se estendam para muito além dos nós.