Por Valéria Amado
Quem investe grande parte de seu tempo alimentando sentimentos negativos contra quem o odeia se esquece de algo muito mais importante: de amar aqueles que o amam de verdade. O ódio e o rancor são dois inimigos fortes e persistentes que costumam criar raízes muito profundas em muitas mentes. Porque na realidade são armadilhas em que nós mesmos acabamos ficando presos por essas emoções tão negativas e tão autodestrutivas.
Frequentemente, costumam dizer que “o ódio é o contrário do amor” quando, na verdade, isso não está completamente certo. Odiar é um exercício privado, porém escancarado aos outros em que se entrelaçam diferentes emoções: desde a ira, passando pela humilhação, até a aversão. Estamos então perante um instinto muito primitivo que, por sua força e impacto em nosso cérebro, pode fazer com que deixemos de priorizar aquilo que realmente é importante, como nosso próprio equilíbrio ou as pessoas que amamos.
Não tenho tempo para chateações ou rancores, ainda menos para odiar quem me odeia, porque o ódio é a morte da inteligência e eu estou muito ocupado aqui, amando aqueles que me amam.
Tanto Aristóteles quanto Sigmund Freud definiram o ódio como um estado onde o sentimento de violência e aniquilação costumam estar presentes. Martin Luther King, por sua vez, falou dessa emoção como uma noite sem estrelas, algo tão obscuro em que o ser humano perde, sem dúvida, toda sua razão de ser, sua essência. Fica claro que estamos perante a parte mais perigosa do ser humano e, por isso, convidamos você a refletir sobre esse tema.
O ódio não é cego, sempre tem uma razão
O ódio não é cego, possui sempre um foco muito concreto, uma vítima, um coletivo ou até mesmo alguns valores que não são compartilhados e perante os quais alguém reage. Carl Gustav Jung, por exemplo, falava em suas teorias sobre um conceito que não deixa de ser interessante: ele o chamou de sombra do ódio ou a cara oculta do ódio.
Segundo essa teoria, muitas pessoas chegam a depreciar outras porque veem essas pessoas com determinadas virtudes que, em si mesmo, são carências. Um exemplo seria o homem que não suporta que sua mulher triunfe no campo de trabalho ou o companheiro de trabalho que nutre sentimentos de ódio e depreciação por outro quando, na realidade, o que existe nas profundidades de seu ser é a inveja.
Com isso, podemos ver claramente que o ódio nunca é cego, e sim que responde a razões que para nós são válidas. Outra amostra disso pode ser vista no interessante estudo “Anatomia do ódio cotidiano”, publicado em 2014 na revista americana “Association for Psychological Science”. O estudo tentou revelar quais eram os ódios mais comuns do ser humano e em qual idade passamos por esse sentimento pela primeira vez.
O primeiro dado relevante é que o ódio mais intenso é gerado quase sempre por pessoas que são muito próximas a nós. A maior parte dos entrevistados declarou que, ao longo de suas vidas, havia odiado com intensidade algo ou alguém 4 ou 5 vezes.
-O ódio se concentra quase sempre em familiares ou companheiros de trabalho.
-As crianças costumam experimentar o sentimento de ódio aos 12 anos.
-O ódio apareceu nesse estudo como algo muito pessoal. Uma pessoa depreciava um político, um personagem ou um determinado modo de pensar, mas o ódio autêntico, o mais real, costumava se projetar quase sempre em pessoas muito concretas, dos círculos mais íntimos de relação.
Odiar é a morte do pensamento e da liberdade
Já havia dito Buda, o que te dá raiva te domina. Aquilo que desperta em nós o ódio ou o rancor nos faz reféns de uma emoção que, acreditemos ou não, se expande com a mesma intensidade e negatividade do que sentimos. Pensamos em um pai de família que chega em casa carregado de rancor pelo seus chefes e que dia e noite comenta com sua esposa e seus filhos todo seu desprezo e sua aversão. Todas essas palavras e esse modelo de conduta são absorvidos de forma direta pelos outros.
Em um mundo cheio de ódio, devemos nos atrever a perdoar e a ter esperanças. Em um mundo habitado pelo ódio e pela desesperança, devemos nos atrever a sonhar.
Também sabemos que não é tão fácil assim apagar o fogo da raiva em nosso cérebro. Parece que dar o perdão para quem nos fez algum dano ou nos humilhou é um sinal de fraqueza, mas ninguém merece uma existência dominada pela raiva. Sobretudo se assim descuidamos do mais essencial: nos permitir ser felizes e viver em liberdade.
Vale a pena então refletir sobre as seguintes dimensões.
Como se libertar das armadilhas do ódio
O ódio tem um circuito cerebral muito concreto que se adentra nas áreas responsáveis pela tomada de decisão e pela responsabilidade, se alojando no córtex pré frontal. Assim como falamos no início, o ódio não é cego, portanto podemos racionalizar e controlar esses pensamentos.
-Desapegue desse rancor falando com a pessoa responsável e explicando o porquê do seu mal estar e da sua dor de forma assertiva, mas respeitosa. Coloque suas emoções em palavras tendo bem claro que, muito possivelmente, a outra parte não te entenda e não compartilhe da sua opinião.
-Depois desse desapego e de ter deixado clara sua posição, coloque um ponto final, um adeus. Liberte-se desse vínculo de incômodo mediante o perdão sempre que for possível, para que desse modo o círculo se feche com você fora dele.
-Aceite a imperfeição, as discordâncias, o pensamento oposto ao seu. Não deixe que nada perturbe sua calma, sua identidade e ainda menos sua autoestima.
-Apague o ruído mental e a voz do rancor e acenda a luz de emoções mais enriquecedoras e positivas. Valerá a pena: o amor dos seus e a paixão por aquilo que te faz feliz e te identifica trará muito mais alegria.
É um exercício fácil que deveríamos praticar a cada dia: o desprendimento absoluto dos ódios e rancores.
Imagem de capa: Khomenko Maryna/shutterstock