Sabe aquela fração de segundos que se leva para tomar uma decisão? Ir ou ficar? Dormir mais um pouco ou levantar? Passear ou descansar? Seja qual for a escolha, em algum momento da vida, você vai desejar voltar no tempo e fazer diferente. E o sabor amargo do arrependimento vem e se instala sem ser convidado.
Para mim, esse momento aconteceu. Estou pagando com uma dor imensa por todas as vezes que decidi não visitar meus avós. Passo, diariamente, na frente da casa deles. É meu caminho. Várias vezes tive vontade de parar o carro e entrar, mas havia sempre algo a fazer. Acabei não descendo do carro com a frequência que gostaria. Acabei deixando minha visita para outro dia…
Felizmente, no dia em que meus avós embarcaram para sua última excursão, decidi fazer uma forcinha e ir me despedir. Foi por pouco! Meu filho estava reclamando de sono e eu cansada, só pensando em chegar em casa. Pedi a meus pais (que também viajariam) para mandar um abraço ao vô e à vó e explicar a situação.
Na volta da viagem, certamente, eu conversaria melhor com eles. Mas, na hora de ir embora, algo estranho aconteceu. Aquela fração de segundos me fez desviar o caminho. Resolvi dar tchau. Mal sabia eu que aquela seria a última vez que meu avô e eu nos veríamos. Nos abraçamos pela última vez. Desejei que fizessem boa viagem pela última vez. Ele me deu umas frutas pela última vez. Meu filho beijou os lábios do bisavô pela última vez.
E foi assim, em uma visita rápida, que o homem que me ajudou a crescer olhou para mim pela última vez. Eu ainda olharia para ele, mas a imagem não me agradaria. Meu avô foi de ônibus com minha avó e o grupo, mas voltou sozinho no carro da funerária. Foi alegre e voltou morto. Não era para ter sido assim. Se eu soubesse, teria feito tudo diferente na nossa última vez…
Como eu queria voltar aos momentos de dúvida e poder decidir entrar na casa deles e jogar conversa fora ao invés de ir embora. Queria tanto gastar meu tempo ouvindo os causos de mil novecentos e antigamente que o vô Darci tinha para contar ao invés de me deixar levar para casa, guiada pela rotina. Adoraria jogar carta com eles, sem pressa, mesmo que o vô desistisse de chegar ao fim se estivesse perdendo. Queria tanto ter dedicado mais tempo a ele. Meu consolo é saber que fui uma boa neta.
Nossa relação era baseada em amor, respeito e admiração mútuos. Não estávamos juntos sempre, mas, quando estávamos, era sempre muito bom. Mesmo assim, confesso, se eu soubesse a data da nossa última vez, faria tudo de um jeito ainda melhor…
A última vez não se anuncia. É silenciosa e traiçoeira como uma serpente prestes a dar o bote. A última vez é misteriosa, é mascarada. Ela se disfarça de dia comum. O último adeus se disfarça de até logo. E a gente não percebe… Não há como prever a última conversa, o último toque, a última despedida.
Nada está explícito, nem subentendido (nem entendido). O último encontro com alguém deixa gosto de quero mais, embora seja pra nunca mais. A solução é tratar todos os encontros como se fossem o último, pois um deles realmente será.
Na dúvida, visite. Na dúvida, fique um pouco mais. Na dúvida, faça! Na dúvida, esteja presente. A morte ensina que a ausência dói. Não seja ausente em vida. Não escolha deixar para outro dia. Talvez não amanheça da mesma forma para uma das partes. Talvez o dia seguinte não aconteça para todos.