Você pode estar aí cheio de amor próprio, com uma vida bonitinha, com momentos de prazer no trabalho, com encontros divertidos com os amigos e viagens nos feriados. Você pode estar aí de barriga cheia, cabelo bem cuidado, roupinha caindo bem num corpo não tão mal assim.
Você pode ter aprendido faz tempo como se dar bem consigo mesmo, como curtir muito ficar na sua, sozinho, vendo um filme, lendo artigos como este na internet. Você pode ter desenvolvido um conhecimento profundo sobre o seu íntimo, entendido o que te faz feliz, o que te deixa irritado. Já sacar quais qualidades em outra pessoa se encaixam bem com você, e saber o que você simplesmente não suporta.
Você pode ter a vida cheia de atividades e momentos de socialização. Você pode já ter se envolvido com muita gente e hoje em dia querer só que o que chega pra fazer bem, pra trazer boa energia, nem que seja só por uma noite.
Você pode ser tudo isso, mas meu amigo, quando bate aquela carência, você deve saber bem, aquela carência que mistura o hormonal – o sangue que borbulha naquele dia santo e diabólico do mês –, o emocional – aquela vontade quase infantil de abraçar algo que tenha pele e osso, menos pelo do que seu cachorro e mais vida do que seu travesseiro –, o sentimental – aquela vontade de que alguém chegue um pouco mais perto do seu coração, da sua vida e do seu corpo do que um grande amigo ou a sua mãe.
Aí então, parece que tudo é motivo para criar uma dessas ilusões de ótica que faz o nosso coração transformar uma abóbora numa carruagem.
Aí a gente vê declarações de amor num bom dia, sente a química maior do mundo num beijo no rosto, a gente vê o amor das nossas vidas naquela pessoa que a gente ainda não conhece bem. A gente encontra uma pessoa que quase só tem qualidades, que fecha com nossos sonhos, que salva a nossa rotina tediosa.
Ah, como é boa essa droga! Pode ser paixão, encantamento, pode ser que depois de um tempo, algumas noites e encontros bem sucedidos, pode ser que esse ser encantado vire um companheiro, um amor, um amigo. Mas é também muito provável que depois da primeira ou segunda transa, da terceira ou quarta conversa, da quinta ou sexta manhãs acordando juntos, que o efeito alucinógeno da droga acabe e você esfregue os olhos e se pergunte: ‘que que eu to fazendo aqui?’
Mas, carentes ou não, somos humanos, e vez ou outra precisamos mesmo de colo, de tato, de ouvido, ou de nada disso, mas de uma boa ilusão que abra nossos corações, desestruture nossas verdades e nos faça enxergar um pouco mais outros canais de sentido.
Imagem de capa meramente ilustrativa: cena do filme “Casablanca“, 1942.