O que é a justiça? A vida é justa? Por que tanta injustiça no mundo? Existem relações justas? Devemos dar apenas no mesmo nível que recebemos? Injustiça causa sofrimento?
Durante vários momentos do nosso dia — e da nossa vida como um todo —, buscamos uma forma de justiça, seja no nosso modelo pessoal de justiça, o modelo jurídico ou seja baseado numa providência divina. Mas qual seria o padrão de justiça? Qual a forma de agir de modo a não ser injusto com os outros e sobretudo conosco? Sob qual ponto de vista e em qual balança eu pondero o correto e o errado? Em qual balança eu pondero a minha necessidade e a do outro?
Certo, nós temos os nossos valores pessoais e de convívio coletivo, logo, ações como roubar, furtar, homicídio, entre outras, possuem definições claras e penalidades próprias. Temos um padrão ou uma série de leis e regras que definem o que é cada caso e as suas penalidades.
Aposto que você já teve casos em que um furto, ao seu ver, não foi algo tão ruim, como casos de furto de comida para a sobrevivência de uma pessoa. Ou algum homicídio, em que você pode ter considerado que o assassino estava fazendo, na verdade, uma justiça. Ou, ainda, casos em que o processo jurídico absolveu um criminoso ou culpou um inocente.
Nesses casos, estão presentes os conflitos entre o que é ser justo, o que pensamos sobre isso, o que coletivamente acontece, o que juridicamente acontece e, por último, o que você esperava que Deus fizesse.
Imagine que você está na padaria, pagou por 250g de queijo e vai retirá-lo no balcão. Imagine que essas 3 situações abaixo possam acontecer:
- O rapaz do balcão coloca um pouco de queijo na balança e lhe dá menos do que 250g. É justo isso? Você protesta, pede para colocar mais, porque está pagando e acha injusto aquilo.
- O rapaz enche o prato da balança com 300g de queijo, vai tirando fatia por fatia até chegar a 250g cravado (nem a mais e nem a menos). Dessa vez é justo para você, menos justo impossível. Talvez um pouco justo demais, não?
- O rapaz enche novamente o prato da balança, que indica 250g. Só que aí ele pega mais umas boas fatias e acrescenta a parte para você. É justo dessa vez? É injusto, uma vez que ele está dando mais do que é devido.
Encontramos, nesses exemplos, uma injustiça que nos parece ruim, criminosa, e que procuramos corrigir. Existe uma outra injustiça que está acima da justiça pura e que a supera. Uma injustiça que nos dá mais do que deve, mais do que merecemos muitas vezes.
Essa forma de injustiça é o amor!
O amor é injusto, o amor está acima do nível da justiça. O amor compartilha, acredita, confia e vai além do que a justiça determina. O amor dá uma nova chance, espera o melhor e está apenas doando, sem essa necessidade de retribuição direta.
O amor não é o ibope, o amor não é censo, não é matemática, não é democrático e não é medida.
Claro que devemos sempre estar acompanhados do discernimento e da sabedoria, por isso devemos fazer a escolha de forma consciente. Mas essas duas qualidade devem ser canais para esse amor — não se transformando em barragens, deixando o amor parado e sem ação.
Já que a gente fica nessa corda bamba da justiça, por que não escolher, de forma consciente, uma outra forma de injustiça?
Aqui, convido a você a refletir sobre isso: vamos ser injustos?
Não vamos julgar o outro apenas por uma aparência ou um simples comportamento, não vamos criar muros, não vamos ficar remoendo o passado, não vamos maldizer o próximo, tampouco cobrar por migalhas, não vamos exigir que satisfaçam as nossas necessidades (podemos deixá-las claras, mas não exigir de ninguém), não vamos pintar o outro num quadro sombrio (colocando o papel de culpado nele e em nós de vítimas), não vamos regar as nossas sementes de medo e de raiva, e não vamos olhar só o lado ruim.
Vamos sim: olhar o outro lado, pensar no melhor, pensar no melhor do outro (mesmo o outro não conhecendo esse lado ainda), vamos dar uma segunda, terceira, quarta chance, vamos falar de qualidades, vamos pedir ao outro, vamos analisar o presente baseado na história de cada um, vamos dar mais do que jamais recebemos.
É assim que os pais fazem, não é verdade? Dão-nos tanta coisa que, inclusive, é impossível de retribuir. Ou existe alguma forma de retribuir pela vida?
Vamos entregar com as duas mãos, sem a espera de nada em troca, nada em retribuição. Eu faço isso por mim, não pelo outro — para afastar aquele pensamento que só faço se o outro também o fizer…
Nós não perdoamos pelo outro, perdoamos por nós mesmos, por aquele sentimento que nos incomoda. Nós temos que ser, nessa parte, egoístas: não estou fazendo para você gostar de mim e sim para ser digno comigo mesmo. Faço tudo por mim, pelo divino que habita em mim e em todos nós. Vamos dar mais do que receber, vamos agradar mais do que ser agradados, vamos perdoar mais do que ser perdoados, vamos ser injustos nesse ponto!
Onde houver ódio, que eu leve o amor; Onde houver ofensa, que eu leve o perdão; Onde houver discórdia, que eu leve a união; Onde houver dúvida, que eu leve a fé; Onde houver erro, que eu leve a verdade; Onde houver desespero, que eu leve a esperança; Onde houver tristeza, que eu leve alegria; Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó mestre, fazei que eu procure mais consolar que ser consolado; compreender, que ser compreendido; amar, que ser amado. Pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado, e é morrendo que se vive para a Vida Eterna. (Oração de São Francisco)
Vamos ser Franciscanos!
Grande abraço, Virgilio