A nova geração é mais liberal, ansiosa e mimada que a de seus antepassados. Antes, trabalho duro sem qualidade de vida era algo aceito pelos que não tinham uma opção melhor; agora, isso é quase inadmissível pela infinidade de opções profissionais disponíveis.
Estuda-se de 10 a 15 anos na escola e mais um punhado de tempo na universidade – para os que podem – sem a tal garantia do emprego estável – para os que querem.
O indivíduo finalmente conclui sua graduação para depois ganhar incríveis mil e duzentos reais mensais, o que sustenta o aluguel num apartamento corroído por traças na periferia da cidade, ração para o cachorro, hambúrgueres do Mc Donald’s e passagens de transporte público.
Se em tempos atrás qualquer ofício que levasse a um bom gerenciamento de dívidas bastava para dormir de consciência tranquila, hoje trabalhar usando a justificativa principal de não morrer de fome virou símbolo de uma existência desperdiçada para muitos que querem um “algo a mais”.
O ditado “Tudo que vem fácil vai fácil” está na boca dos pais que guardam todas as suas gotas de suor num recipiente de nobreza. A maioria hoje bebe do néctar dos frutos que foram plantados por outrem; enquanto uns agradecem por esse privilégio delicioso e tratam de trabalhar em benefício de sua reputação, outros se chafurdam na lamentação da falta de independência.
Não é nada vergonhoso poder usufruir de uma vida confortável que não foi conquistada por mérito pessoal; ninguém escolhe sua família original. O que envergonha é a submissão ao conforto, agir como os abutres preguiçosos que só se alimentam de restos de carniça a curto alcance.
A real autonomia está no que Immanuel Kant chamou de “esclarecimento”, a saída do homem de sua menoridade. O ser menor carece de disposição e coragem para usar do próprio entendimento sem uma orientação externa; o ser maior, por sua vez, não possui maior entendimento, e sim mais vontade de assumir os riscos de obtê-lo.
“É difícil, portanto, para um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou quase que uma segunda natureza.”
Sim, é muitíssimo complicado sustentar todos os ideais individuais sem um sentimento de insegurança. Mais cômodo é seguir caminhos conhecidos, apoiar em bases já construídas, consumir em vez de produzir.
Como viver uma vida nos moldes de Peter Pan e ao mesmo tempo ser levado a sério é um enigma que os adultos saudosos de sua infância gostariam de resolver, talvez mais do que todos seus anseios de maturidade. Os adultos mais infelizes insistem em silenciar a criança dentro de si nas ocasiões que convém o senso lúdico. As crianças, enquanto inocentes, ainda não sabem a vantagem que têm sobre a idade.
Uma característica intuitiva do ser moderno é o grande apreço pelo valor de sua liberdade, da possibilidade imanente de escolher e perder, da responsabilidade de voar. Em sua obra A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera, muito inspirado na leitura de Kierkegaard, escreve:
“Aquele que deseja continuamente ‘elevar-se’ deve esperar um dia pela vertigem. O que é a vertigem? O medo de cair? Mas por que sentimos vertigem num mirante cercado por uma balaustrada? A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda da qual logo nos defendemos aterrorizados.”
O nada possível chama a atenção da indiferença, o tudo possível chama a atenção do terror. A libertação máxima significa desespero, mas abster-se do poderio decisório acarreta em menos fruição. Toda escolha requer uma exclusão, como o ex-anjo Lúcifer compreendeu ao gananciar o poder absoluto de um reino que está fora da sua inteligibilidade e competência.
Quando os homens das planícies de Sinear resolveram se unir para construir uma torre (a de Babel) à altura dos céus, sedentos para experimentar o paraíso que acreditavam ter lhes sido prometido, Deus, em sua ironia cáustica, presenteou aqueles trabalhadores obstinados com a confusão generalizada de linguagens, de modo que eles não puderam mais se comunicar nem se entender, e o empreendimento teve que ser imediatamente cancelado. Os espíritos da atualidade querem chegar ao topo do modo mais fácil, tentando driblar os ocasos do destino antes que ele lhes teste.
Inegável que a liberdade passou a ser um valor impassível de perda, intransferível por excelência, até mesmo em circunstâncias que exigem o desprendimento do eu. A insegurança inerente à vertigem da liberdade tem sido considerada pelos modernos um mal menor ao possível arrependimento futuro de uma vida inautêntica.
Autenticidade é não deixar guiar-se pelo não-ser, parar de querer ser outro e fazer comparações levianas. Duas pessoas não leem o mesmo livro, nem levam a mesma vida. Cada qual tem seu tempo e sua medida. Uns casam aos 26 anos, outros nunca casarão. Uns têm o primeiro filho aos 42 anos, outros morrerão sem deixar herdeiros. Uns trabalham na mesma empresa há 35 anos, outros já passaram por 14 empresas em 48 anos de carreira. Uns se aposentam aos 75 anos, outros só param de trabalhar quando a vida acaba. Uns conseguem comprar a casa própria aos 31 anos, outros só morarão em residências alheias por caridade. Uns contam com um amor maior para o além, outros nem sabem o que é isso.
Algo que não se aguenta mais ouvir dos sociólogos pessimistas é que o amor está em crise, ou melhor, que a morte do amor vive uma fase áurea. O amor nocivo tem a ver com a falha administrativa da tal leveza do ser – do orgulho idiota em não se assumir frágil para que o amor lhe empodere. O que se encontra hoje é um apego hediondo ao mimo, calor que protege aqui e acomoda lá. Seria generalização presumir que os atuais netos têm menos tutano nos ossos que seus avós tiveram? O amor necessita de mimo, mas o excesso de mimo conduz à imaturidade amorosa.
Sempre que o amor falha, o peso existencial mostra como somos leves e, por isso, sua busca é interminável, até mesmo para os misantropos assumidos. Talvez esse problema esteja em enxergar o amor como uma commoditie propensa à negociação e oscilação de valores, e não uma arte a ser tratada como arte.
O sentimento de posse em relação ao amado é o ódio se aproveitando da situação. “Eu te amo” é querer enriquecer ao ser libertado da prisão do isolamento. “Eu te tenho” é querer se destruir ao ser atraído pela possessividade amorosa. É mortal a vontade de alguém só para preencher a lacuna da solidão, e orgásmico encontrar alguém que ajude a iluminar a sombra dentro de si.
Se a vontade de querer alguém for motivada apenas por um sentimento de carência, a pessoa estará assinando um tratado de incompletude. Tendo achado esse alguém, o vazio não é resolvido, da mesma forma que tapar o sol com a peneira apenas reflete a intolerância à claridade da própria visão. Os sonhos amorosos são muito substanciados pelo desapego à solidão. Ninguém evolui sozinho, mas todos tendem a regredir se dependerem unicamente de ajuda externa para seu sustento.
Foi dito à Amélie Poulain que “São tempos difíceis para os sonhadores”. Sonhar nunca foi tão barato, e o fazê-lo mais, tão incentivado. Mas o educador Mário Sérgio Cortella já alertou para a confusão entre sonho e delírio. O sonho é o “desejo factível”; delírio, “ideal impossível”.
Beethoven, mesmo surdo, compôs sinfonias brilhantes – sua Nona Sinfonia, ou Ode à Alegria, foi classificada pela Unesco como patrimônio cultural mundial. O que parecia impossível (fazer música sem o aparelho auditivo) se concretizou, mas claro que não se trata de um caso sobrenatural. Desde cedo, Beethoven foi apaixonado por música e, todos os dias, atentava às habilidades artísticas de seu pai, um tenor. Antes de se tornar músico, ele estudou dezenas de orquestras e com determinação apurou sua sensibilidade, a ponto de adquirir um conhecimento robusto que o fez transformar em sonho realizado o que para a maioria não passava de uma pretensão ridícula. Não foi fácil para o alemão, que sofria de depressão, paranoia persecutória e crises de pânico. Em 1801, aos 31 anos, Beethoven escreveu em carta para o amigo Franz Wegeler:
“Há quase 2 anos me afastei de todas as atividades sociais, principalmente porque me é impossível dizer para as pessoas: Sou surdo! […] Se minha profissão fosse outra, talvez poderia me adaptar à minha doença, mas no meu caso a surdez representa um terrível obstáculo. Para meus amigos e aqueles que pensavam que eu era antissocial, distraído e ermitão, me julgaram mal. Vocês não conheceram a causa secreta disso tudo. Nascido com um temperamento ardente e ativo e sensível às atrações da sociedade, bem cedo tive que me isolar e transcorrer a vida em solidão […] Para te dar uma ideia desta estranha surdez, no teatro eu tenho que me colocar pertíssimo da orquestra para entender as palavras dos atores, e a uma certa distância não consigo ouvir os sons agudos dos instrumentos e do canto […] Quase coloquei fim à minha vida algumas vezes. Foi a música que me entreteve. Parecia-me impossível abandonar este mundo antes de criar todas as óperas que sentia imperiosa necessidade de compor.”
Como alguém que vive de música e se torna surdo consegue manter-se em atividade? Todos os mais próximos de Beethoven, incluindo seu pai, julgaram que seu sonho era um delírio juvenil, mas a arte está repleta de casos de gente improvável que melhorou a humanidade.
Mentirosos, porém, os que dizem que histórias de superação como essa apoiam todas as motivações humanas imagináveis. Alguns delírios são definitivos, e as pessoas menos desiludidas sabem que determinados sonhos devem ser abandonados, coisa que a nova geração mal suporta, do que decorre seu mal lidar com a frustração.
Muitas pessoas não querem, sob hipótese alguma, sacrificar sua juventude temporária com atividades a elas desprovidas de significado. Querem, sim, aproveitar o gozo do descompromisso libertário, fazer o que gostam, em superação a certas obrigações que julgam ser descartáveis. Contudo, para fazer o que se quer deve-se fazer muitas coisas que não se quer. O desejo vem sendo colocado à frente do dever, e a necessidade, considerada um impedimento do prazer.
A importância do ócio criativo não é um segredo às mentes preocupadas em elaborar estratégias que as façam diferenciar um trabalho maçante, mas efetivamente necessário, de um divertido, mas absolutamente infrutífero.
Outra coisa bem repartida hoje é a definição de sucesso. Ser milionário, entretanto, ainda é uma meta clichê para “vencer na vida”, apesar de o dinheiro estar sendo menos perseguido como queijo no labirinto, informação extraída de muitas pesquisas sobre critérios de satisfação no trabalho.
O velho Stephen King é conhecido pela altíssima eficiência na escrita; produz com ambas velocidade e qualidade. Seu sucesso na mídia é assim por ele justificado:
“Talento é mais barato que sal. O que separa a pessoa talentosa da bem-sucedida é muito trabalho duro.”
Trata-se de uma fórmula antiga que sempre funciona? Não, para controvérsia entre profissionais de recursos humanos. Labuta diária não garante recompensa futura de sucesso, tampouco a preguiça intimiza com a sorte. Maquiavel disse que a sorte é mulher: complexa, imprevisível, fascinante e amiga dos mais jovens.
Trabalho duro está para o sucesso assim como a ética está para a felicidade. Uma vida segura da virtude moral não é garantia de uma vida feliz, pois, embora a fuga da moralidade vá diretamente contra o bom senso por natureza, a distribuição entre a ação adequada à ação virtuosa e o sentimento feliz varia de pessoa para pessoa. Dever moral e felicidade relacionam-se, mas não de forma simétrica. Se causa e efeito sempre fossem, a imoralidade estaria resolvida; a paz, universalmente perpetuada; e a felicidade, facilmente previsível, isto é, tornada em mera banalidade e indigna de conquista. A pessoa consciente de ter cumprido seu dever não necessariamente sentirá contentamento em aspecto de felicidade, mas decerto terminará desiludida se sacrificar o dever por pensar que ser feliz independe de cumpri-lo. A maioria raciocina que o sucesso deva ser procurado como um fim definitivo da atitude trabalhadora, mas isso seria petulância demasiada. A sensação de sucesso é subjetiva e moldável, e não deveria servir como único incentivo do trabalho, visto que, se a motivação para trabalhar for somente sucesso, a virtude do esforço não será nada mais que reação ao medo do fracasso, quando na realidade sem a possibilidade de fracasso não haveria como perceber-se bem-sucedido.
Se às vezes há um conflito injusto entre trabalhar pesado e falta de realização, e se estar feliz marca os indivíduos altamente produtivos, o trabalho não será sempre satisfatório, porque não abrange todos os motivos para se levantar da cama.
Um serviço que acrescente em valor e que promova o ânimo pela sua própria causa passou de um conceito antiquado reservado à uma elite privilegiada a requisito para quase todos os trabalhadores da nova safra, que especialistas em gestão categorizam como da “geração Y”.
Nunca se usou tanto a palavra “equilíbrio” em capas de revistas sobre bem-estar e livros de autoajuda, uma tática comercial bastante apelativa. O balanceamento perfeito entre vida profissional, social e romântica só ocorre se o homem estiver apaixonado por seu trabalho, produtivo no romance e, fundamentalmente, poder abdicar desses papeis quando sua mente precisa de repouso. A desarmonia nasce quase sempre da inflexibilidade em relação a este último quesito pessoal, que, destarte, nunca deve ser deixado de fora da lista de prioridades.
A partir da nada saudável premissa de que a vida fora do escritório é mais importante, trabalhar passa a ser um exercício de sofrimento a ser aliviado com toda sorte de vícios – vinho, sexo, tabaco, meditação, yoga, dança, luta livre, jogatina –, domingo à noite vira um prelúdio da lástima, segunda de manhã um tormento psicológico digno de pedir socorro, e sexta à noite um pretexto para a libertinagem. Canalizando-se as energias do espírito não somente depois, mas também durante a execução do ofício profissional, os vícios não atacam com tanta brutalidade, e as ressacas perdem um pouco seu caráter sacrificial.
Outro elemento indisfarçável na sociedade é a baixíssima resistência à ofensa, aquela reação parcial à crítica tão conhecida. Algumas críticas são de fato destrutivas, e o agressor deseja que a vítima se desgrace justamente entrando no seu jogo.
Uma coisa é ter humildade para reconhecer besteiras ocasionais no pregar atitudes idealíssimas, e as pessoas que a têm são admiráveis. Outra coisa é ter a prepotência de achar que todas as críticas são um atentado à importância da sua autoimagem.
Certo que, se o problema estiver na pessoa criticada, e ela não quiser resolvê-lo, ou ter o crítico em descrédito, não só não ouvirá a crítica, mas defenderá seu orgulho com a própria vida. Certo também que, se o problema não estiver na pessoa criticada, mas no crítico, e este quiser negá-lo, o fará criticando, pois dessa maneira pensa que se protege, enquanto está se escondendo.
Os pais se sentem no dever de dizer a seus filhos que, se estes agirem como hedonistas impulsivos, sem planejamento e gestão de riscos, nunca terão um futuro. Para contar essa verdade, oferecem lições baseadas na sua experiência. O confronto de gerações, nesses casos, surge de dois possíveis equívocos: por parte dos pais, que presumem que seus filhos cometerão exatamente os mesmos erros que eles cometeram, tanto em grau quanto em espécie; por parte dos filhos, que ignoram o fato de que seus pais obrigatoriamente carregam nas costas uma bagagem mais pesada de conhecimentos das leis empíricas da vida. Ao projetarem seus fantasmas na cabeça dos filhos, os pais estão com medo de se sentir culpados pela segunda vez. Ao descartarem conselhos de seus pais, os filhos querem mostrar que têm força para aliviar sua consciência por si mesmos.
A falta de paciência
As coisas na natureza não acontecem na mesma velocidade do pensamento civilizado, instintos selvagens não correspondem à organização sistemática das máquinas que o homem cria para otimizar suas demandas, a temperatura do ambiente não muda conforme os humores internos. Tudo isso faz emergir a relevância de uma das virtudes que permitem uma existência mais autocentrada ou menos perdida: a paciência. Se há algo a ser ilustrado por uma teoria da escassez capitalista, é a inabilidade do homem de ser paciente.
Ter paciência é saber quando, como e por que esperar, uma das coisas mais difíceis do mundo. Quem espera demais padece em apatia, procrastinação e impotência. Quem espera de menos padece em loucura, hostilidade e esgotamento. Quem espera moderadamente exerce aquela temperança que Aristóteles tanto manifestava em seus discursos, e da qual até se duvida (por inveja) que o mesmo tenha tão bem se aproveitado.
Ao ouvirem uma pessoa dizer “Tenha calma”, muitos se sentem tentados a mandá-la à merda, perguntando: “Na real, em que mundo você vive?”. Toda a gente recomenda calma, mas age como se a calma fosse um besouro chato zumbindo na orelha. O ilustre Sêneca informava seus discípulos com sermões sobre a brevidade da vida, no intuito de prepará-los à moderação do senso de urgência. Todos solicitam tempo, e esquecem de que são o tempo. “Parece que nada se pede e nada é dado”.
De acordo com os budistas, paciência é o comportamento virtuoso do ser humano que nem foge da ação em circunstâncias que exigem seu controle, nem se mantém estático sobre as circunstâncias que lhe fogem. Portanto, a impaciência é uma luta estéril contra a imperfeição do futuro.
O estresse é natural até o ponto que ajuda a evitar a desatenção em situações emergenciais reais; para além, há severas represálias psíquicas. A paciência, por si só, não resolve necessidades urgentes, mas ajuda a evitar problemas desnecessários.
Dos males que acometem a modernidade, a ansiedade está em primeiro lugar, basta verificar a quantidade de benzodiazepínicos vendida diariamente, empregos sendo largados pela falta de reconhecimento imediato, suicídios sendo cometidos pela recusa em abandonar uma solução final do absurdo existencial, potenciais amizades sendo desnutridas porque o frágil ego foi ferido pelo silêncio de uma mensagem a mais de dois dias não respondida, namoros e casamentos sendo aniquilados a partir do período em que sua representação se torna menos conveniente, e psicólogos, psiquiatras e psicanalistas enriquecendo aos montes.
A virtude da paciência precisa ser uma tarefa exercida com disciplina ascética pelos ansiosos crônicos, do mesmo jeito que os diabéticos não podem ignorar a necessidade de controlar a ingestão abusiva de açúcar sem correrem o risco de sofrer de ataques glicêmicos.
Adiar a gratificação parece a muitos um sacrifício temporal negligente, como se partissem da convicção de que amanhã acabará a comida no supermercado ou o sol perecerá no oeste. Porque o gozo não é para sempre, torna-se inaceitável o desprazer presente. Aproveitar o momento, sentir o coração suspirando e as pupilas dilatadas frente às delícias da vida é um comportamento estimulado pelos hedonistas, que explicam a ansiedade e o estresse como decorrentes da privação de prazeres sensoriais. Ora, já que o mundo não espera por ninguém, o ato de esperar é visto como um defeito a ser varrido pela felicidade aqui e agora. A questão que não quer calar é que o desejo, quando insubordinado aos escrutínios da razão, domina o bom senso e está livre para assassinar reputações.
Todos já ouviram falar de Baco, o deus do vinho, da orgia e das festas. Seus admiradores enxergam-no como um guru que os inspira a lidar com as angústias da vida usando de um certo subterfúgio: álcool. Essa promessa tem pavio curto, porque os bêbados, passado o período de embriaguez, retornam a viver os mesmos temores de sempre. Baco seria mais amado se ensinasse a seus súditos estratégias para um melhor relacionamento com a sobriedade. Os bêbados menos degenerados procuram sair do palácio de sua realidade de vez em quando, não antes de checar se as coisas estão no lugar. Como administrar a ansiedade fóbica sem recorrer a remédios desesperados é algo que os psiquiatras são suscitados a esconder para manterem sua fonte de renda.
Necessidade de estímulo constante, agigantamento do tédio, alto nível de intolerância à realidade e ânsia desesperada por conectividade digital fazem com que o estresse olhe para o espelho e se sinta vaidoso, enquanto os estressados apelam para a criação desenfreada de válvulas de escape e são desafiados a fortalecer sua capacidade de resiliência, fator cada vez mais procurado pelos líderes e nos líderes.
A crescente impaciência vem da redução da eficácia da gestão do tempo, que significa a redução da eficácia do ser humano. Tanto impulsividade na tomada de decisões quanto falta de firmamento da estratégia têm sido apontados como hábitos clássicos dos sabotadores profissionais, que contrariam Sun Tzu e vão à guerra em primeiro lugar para depois buscarem a vitória.
Aquela calma dos ermitões da floresta, que dizem ouvir, a um quilômetro de distância, o som das águas dos lagos chacoalhando, o bater de asas dos condores e o sussurro das árvores agitadas, é uma incógnita para quem mora em metrópoles urbanas movimentadas pelo barulho das buzinas, cheiro de fumaça negra e pessoas aceleradas aos milhares.
Em um universo tecnológico eufórico, as oportunidades para a sabotagem são autossuficientes, por isso é tão bom procrastinar em redes sociais, por exemplo. Enquanto um serviço sem pausas leva ao definhamento físico, a inércia prolongada promove o ostracismo psicológico. Inúmeros executivos em cargos de liderança têm reclamado da epidêmica improdutividade associada às distrações dos seus funcionários; inclusive, algumas culturas de trabalho já incluíram no código de conduta que se mantenha os celulares desligados durante o expediente, não importa se o marido sofreu um ataque cardíaco ou se a casa está pegando fogo com as crianças dentro. Se não é certo levar problemas caseiros para o escritório, também é errado esquecer que uma organização é composta de sangue, carne e osso. As máquinas desumanizam tanto que sem elas já não há humanidade.
Com poucos cliques no mouse do computador ou toques no celular tem-se ao poder dos olhos informações infinitas. Dá para saber se João está namorando, se Maria atualizou no perfil a efetivação que tanto esperava, se o labrador da tia está melhorzinho da infecção estomacal, se a colega de academia morando nos EUA está fininha ou engordou, se o amigo de infância está vivo. Um sintoma primário da perda de paciência está na substituição emocional (contato, fricção, tesão) pela contemplação tecnológica (achismo, teses vazias, frigidez), algo que não deve ser feito por quem preza um relacionamento genuíno.
Hoje em dia, caem por terra os defensores da ideia de que a distância nada significa para amigos e familiares que se amam de coração. Afeto exige toque, carinho, estímulo e risada ao vivo. Isso evoca um dos diagnósticos de Ludwig Feuerbach (tirado de seu contexto religioso original):
“E sem dúvida nosso tempo prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser.”