Em uma estranha noite de insônia acabei caindo no filme “Tudo Acontece em Elizabethtown” estrelado pela fofíssima e talentosa Kirsten Dunst e pelo galã Orlando Bloom.
Na trama Kirsten é Claire, uma solícita aeromoça, e Orlando um jovem designer fracassado, chamado Drew, que tem em mente tirar a própria vida após ter sido despedido. A ideia de fracassar é forte demais para ele que nasceu em uma geração cujo sucesso e fama são cultuados como deuses. Para Drew seria impossível viver sem o reconhecimento e a exaltação dos outros.
Então, em um voo, antes de sua morte planejada, ele se depara com Claire, uma jovem bonita, inteligente, simpática e solícita demais. Solícita demais para ser amada. Já ouviram a frase sobre pessoas não amarem aqueles que são muito disponíveis? Essa infelicidade pode ser uma triste verdade. E parece que Claire sabe disso. Ela em determinado momento vira para Drew e diz: “somos substitutos no amor”. Substitutos são pessoas que nunca são amadas em primeiro lugar. Pessoas que amam demais e são colocadas em segundo, terceiro…décimo lugar na vida do outro.
Substitutos são quase sempre pessoas solícitas e de bom coração que dão não uma, mas mil chances para o outro se tornar o que nunca efetivamente vai ser: a pessoa certa. E sabe porque substitutos sempre estão lá no final da lista de prioridades daqueles pelos quais movem montanhas? Porque ninguém ama quem é disponível e previsível demais. Substitutos são mágicas que ficaram manjadas e perderam o encanto. No jogo do amor, no delicadíssimo jogo do amor, ser disponível demais pode ser muito perigoso. Quando damos ao outro inúmeras chances de entrar e sair de nossas vidas, certamente, ele fará bom uso dessa regalia e vai ir e voltar sabendo que sempre estaremos lá.
O outro vai ter certeza que desmarcaremos compromissos por ele, que dedicaremos tempo e carinho para resolver os problemas dele, que amaremos sem medida mesmo que o outro nos ame tão pouco. E quando amamos assim. Quando fingimos compreender o que efetivamente não pode ser compreendido, coisas bizarras acontecem. Pessoas disponíveis costumam amargar duras perdas sentimentais. Pessoas disponíveis são experts em serem apunhaladas pelas costas por aqueles em quem confiaram, por aqueles que um dia amaram sem medida. Pessoas disponíveis ignoram os sinais do amor e vão tentando tudo para não serem descartadas por quem lá atrás já descartou a possibilidade de amar verdadeiramente faz tempo.
Quem assiste ao filme no qual Claire e Drew nos contam muito mais do que parece estar sendo contado, percebe que Claire está habituada a se afastar com a esperança de que um dia alguém lhe peça para ficar. Na verdade, ela finge ir embora, sem efetivamente ir. Claire é incapaz de negar um pedido de quem ama, por mais machucada que esteja. Ela faz mil coisas para agradar, desejando ardentemente ser amada e aceita. Quantas vezes nós não fingimos fechar uma porta, mas a deixamos entreaberta para o passado voltar e estragar nossos planos futuros? Quantas vezes juramos não atender àquela pessoa que só nos fez mal, mas quando menos esperamos estamos com ela do outro lado da linha? Quantas vezes dizemos sim quando na verdade deveríamos dizer não, não e não? Muitas.
Pessoas disponíveis costumam colocar os outros no topo de suas prioridades e aceitam serem substitutas. Serem um estepe para dias de chuva quando um dos pneus principais fura. Pessoas disponíveis dão o poder de decisão quase que integralmente ao outro e deixam que esse outro escolha transitar por suas vidas como bem entender, fazendo estragos homéricos. Pessoas disponíveis ainda não perceberam o poder que têm. Ainda não enxergaram a beleza de serem como são diante do espelho da vida. Pessoas disponíveis não perceberam que tem muita gente por aí que não quer um companheiro, mas sim um súdito para beijar-lhes os pés.
Pessoas disponíveis merecem ser estupidamente amadas, mas só o serão quando entenderem que é bonito demais amar desmedido, mas só quando o amor pelo outro for recíproco e não for maior que o nosso autorrespeito e amor-próprio.
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