Muito se ouve sobre o sofrimento dos professores. Eu, que ando sempre na direção oposta, quero falar sobre o contrário: a alegria de ser professor. A despeito de estar batendo de frente já há algum tempo com esse sistema educacional que não passa de uma máquina absurda pela qual nossas crianças e jovens são forçados a entrar em nome da educação, eu simplesmente me deleito não somente por ensinar, mas muito mais por todos os dias deixar muitas dúvidas na cabeça de meus alunos no lugar das certezas e sair de sala de aula, também, entendendo menos por discutir tanto com eles. Explico-me.
Ando horrorizada com a maioria das escolas. Dentre tantos problemas da cultura moderna, o que mais me preocupa é a educação não somente no Brasil como no resto do mundo. No espaço onde deveria ser usado para o aprendizado, é feito um treinamento brutal com o propósito de preparar vastos números de jovens, no menor espaço e tempo possível, para se tornarem usáveis e abusáveis por um sistema econômico. Nessa esteira, as escolas do Japão para mim são as piores , pois são o modelo de fábrica de abelhas ou formigas trabalhadoras e eu me recuso a desejar isso para meus filhos. Se ao menos tivéssemos alguma evidência de que os operários do mês – desses que tem foto na parede e tudo – são felizes, vá lá. O contrário, porém, já se evidencia, a dizer, a infelicidade de quem se torna um escravo do trabalho – ainda que bem remunerado. É significativo que países que muito produzem e consomem bens materiais e cujas escolas são consideradas um exemplo de disciplina e respeito ao professor sejam hoje locais com a mais alta taxa de suicídios no mundo, inclusive o de crianças. A eficiência dessa máquina educacional, a meu ver, está não na formação e sim na deformação que ela produz.
Os melhores alunos são aqueles que tiram as melhores notas e passam nas melhores Universidades nesse modelo educacional vigente. Contudo, dentro de um curto espaço de tempo, grande parte do conhecimento que adquiriu na escola não será mais lembrado, pois, o próprio corpo não aguenta tanta gordura inútil acumulada em forma de equações e nomes que jamais serão usados ou sequer ouvidos novamente. Eu mesma, como professora de física, só uso as equações de Torricelli nas minhas aulas. Nunca precisei usá-la aqui fora. Aliás!, quando tive dúvida se ia bater ou não com meu carro no poste, se tivesse a capacidade de fazer cálculos na velocidade maior que o “takimóvel” se locomovia talvez, naquele momento, usaria a equação que serviria somente para, segundos antes de bater, saber que iria bater. Não sei até que ponto isso seria uma vantagem. Fora isso, devo confessar, nunca precisei.
Lembro-me que nunca tirei A nas redações por escrever sempre na primeira pessoa. “Penso que…”, “Acho que…”, “Percebi que…”, … todas essas expressões eram circuladas com caneta vermelha e sempre que recebia a redação corrigida os professores me avisavam que era errado eu falar no meu referencial. Como assim? Não conseguia fazer diferente! Demorei muito para ter coragem de voltar a escrever depois que saí da escola. Somente com mais de trinta anos, com muito receio, coloquei minhas ideias no papel cheias de eu para cá e eu para lá. E daí, meu irmão, foi um caminho sem volta. Criei meu blog onde publico há mais de dez anos crônicas sobre minha visão do mundo e tive um livro (que foi uma seleção de vinte e seis crônicas de mais de trezentas já escritas) premiado na categoria literatura em um concurso promovido em todo Brasil pela Editora Saraiva, uma das maiores editoras do país. Minha Vida é um Blog Aberto só tem contos e crônicas narrados em primeira pessoa. Não acho que o mundo ficou melhor com meus escritos, longe de mim querer dizer isso. Mas ‘eu’ estaria com toda certeza muito menor. Sendo mais clara: a escola quase acabou com o que é hoje um dos meus principais alicerces.
Crianças e jovens que fazem diferente do que o professor manda são castigados como eu sempre fui. O que o sistema quer é que façamos dos alunos um eco do que nós, professores, emitimos. Por outro lado, a maioria dos professores também não sabe e talvez nem queira fazer diferente. Aquele que representa teoricamente a nata intelectual da sociedade sequer se dá conta que ele também é uma marionete do sistema. E ainda que sejam alertados, muitos dão de ombro, pois o tal saber sedimentado nos poupa dos riscos e do trabalho da aventura de pensar. São esses os professores, de uma forma geral, que mais reclamam da profissão usando e abusando no discurso nostálgico dizendo que antigamente os alunos eram diferentes, mais obedientes, não existia o celular e bababá bububú. São esses professores que querem dar a mesma aula que expunham há dez anos atrás. Mas tem um detalhe: a aula hoje desse profissional do ensino se encontra facilmente na internet. Qual a solução? Obrigar a presença em sala sob a pena do aluno perder ponto caso tenha muitas faltas. E o inferno está instaurado. Não é sem motivo que vejo manchetes dizendo que nunca os professores andaram tão doentes e depressivos como agora.
Dizem por aí que quem não estuda não consegue ser alguém na vida. Pergunto-me o que é “ser alguém”? É uma pessoa bem sucedida profissionalmente e que, claro, ganha muito dinheiro, responderiam. Um médico, por exemplo. Um doutor em nossa sociedade, ainda que reclame, tem muito mais sucesso, financeiramente falando, do que, mais um exemplo, um filósofo, não? Bens materiais medem quem somos? E quando não conseguimos um saldo gordo na conta? Somos menores como seres humanos por causa disso? Somos intelectualmente inferiores que os que vestem jaleco branco e nos entopem de remédio? Oras, pelo que observo, não importa o retorno econômico que se possa obter ao fim deste processo. Permanece, a meu ver, um fato fundamental: que ele, em geral, só se realiza ao preço da morte de diversas potencialidades que um dia viveram no corpo em nós quando crianças. Não é de se estranhar, portanto, que as pessoas passem as suas vidas com a estranha sensação de que não são hoje bem aquilo que desejavam ser quando bem mais jovens. Elas foram transformadas em alguma coisa diferente dos seus sonhos. São essas várias amputações ao longo desse processo – quase criminoso – que nos condenam à infelicidade, essa tal tão íntima de tantos de nós. Vide a quantidade de adultos que consomem anti-depressivos e anti-ansiolíticos e que fazem terapia para sobreviver nesse “mundo mundo vasto mundo”. Groddeck, um dos inventores da psicanálise, afirmava que apenas o artista, o poeta e a criança conhecem o segredo da harmonia com a vida. O artista e o poeta são aqueles que foram, se não considerados rebeldes, expulsos da escola e a criança é aquela cuja curiosidade ainda não foi destruída pelo sistema.
Corrijam-me se falo alguma grande besteira: Criar é voar. Voar com o pensamento é sonhar. A criatividade é o trabalho que faz viver em nós aquilo que não existe. E, pergunto-vos, quem somos nós sem sonhos que, por definição, é aquilo que não faz parte da realidade? É o poder de criar e, portanto, o sonhar que nos torna humanos, acho eu. Somos mais do que ossos cobertos de carne, somos metafísicos, extrapolamos a matéria. Somos o que não existe: sonhos. Por isto que, diferente dos médicos, que apalpam, olham, examinam e medem os sintomas físicos do corpo, os artistas, os poetas e as crianças são sensíveis ao que transcende em nós. Pois é nesse impalpável onde se localiza os pensamentos que nos fazem voar.
O nosso corpo é um espaço onde cabem infinitos universos. Percebo que quanto mais semeados forem estes universos maior será a nossa capacidade de criar, de compreender e de amar. E de brincar. Muitos adultos não sabem (mais) e grande parte dos professores não percebeu ainda que a vida não é para ser levada tão a sério. É para ser brincada. Se não for divertido, nada vale à pena. E tudo o que ensinamos nas escolas, geografia, história, física, química, biologia, matemática, se não forem objetos de prazer, joguem no lixo, por favor. Quando brincamos, acredito eu, temos uma amostra do paraíso e, em verdade vos digo, a minha sala de aula é o Meu Paraíso.
Dizem que o trabalho enobrece. Mas não é que vemos por aí. Temos uma sociedade plena de adultos cansados, com preguiça de ler e de pensar e incapazes de criar. Que lindo seria se a única finalidade do saber adulto fosse permitir que a criança que mora em nós continue a se divertir, não? Pois então, não tenho absolutamente nada a reclamar de minha profissão e de meus alunos. Tenho me divertido um tanto dentro de sala de aula e quebrado, grazadeus, muitos paradigmas. A criatividade é muito estimulada em meus alunos e com eles sinto-me dentro de um parque de diversão.
Então, quando enuncio uma teoria, por exemplo, mostrando o quão criativo foi o trabalho do cientista ou do filósofo natural que a elaborou, geralmente, um aluno sempre me pergunta: Mas isso é verdade? É assim mesmo que acontece? E eu lá que vou saber?, respondo sempre. Está lhe parecendo razoável tudo isso?, provoco. Nesta hora, o aluno tem dúvidas e mais perguntas. Que bom. O aluno está pensando, refletindo.
Por fim, sou atéia, mas sugiro que inspiremo-nos em Jesus e parafraseemo-lo: Ame o seu aluno como a si mesmo e não faça com ele o que você não gostaria que fizessem com você. Assim seguindo, concluo que não estou mais aqui para ensinar a tarefa sem brilho e sem graça de repetir respostas e sim para estimulá-los a perguntar. De uma certa forma, mostrar que, em geral, a ciência é construída pela ousadia dos que sonham. O conhecimento, para mim, tem que ser um mergulho pelo mar do desconhecido e não uma marcha em solos firmes. E são nas perguntas e nas dúvidas que se começa essa maravilhosa apnéia.
Feliz dia dos professores para todos que, como eu, são felizes todos os dias diante de seus alunos.
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