Sabe, o problema não é com você. É comigo. Quem nunca ouviu esse clichê? Entretanto, o que a maioria das pessoas não percebe é o real sentido dessa frase, ou seja, a problematização do amor em relação ao objeto. Trocando em miúdos, isso significa que o entendimento geral é de que o problema do amor relaciona-se ao objeto amado, de modo que o real sentido da frase seria: o problema é com você que não preenche os meus requisitos.
Obviamente, todos nós temos nossas predileções, sejam elas físicas e/ou afetivas, entretanto, a objetificação do amor transfere todo o problema de um relacionamento para o outro indivíduo, o qual foi incapaz de se adequar ao meu padrão de consumo. Dessa forma, abstenho-me de qualquer responsabilidade pelo fracasso do relacionamento, o que é a maneira sempre mais fácil de lidar com a situação.
Sendo assim, cria-se a ideia narcísica de perfeição, pelo indivíduo, que é incapaz de refletir e rever seus próprios atos, a fim de que possa, inclusive, melhorar em um relacionamento futuro. Para ele, o amor é algo fácil e sobre o qual tem pleno domínio. O problema, portanto, não está em amar, mas sim em encontrar o indivíduo (objeto) correto a se amar.
“Pensa-se que amar é simples, mas que é difícil encontrar o objeto certo a se amar – ou pelo qual ser amado.”
Essa ideia reforça-se na sociedade de consumo, em que todos são vistos como objeto. Dessa maneira, o problema nunca é meu, mas do outro, que não atende às minhas demandas. Buscam-se, assim, objetos com bom valor de mercado, os quais representem bons investimentos e que, por conseguinte, alavanquem o meu valor de mercado. Isto é, indivíduos:
“Com um bom fardo de qualidades que sejam populares e muito procurados no mercado da personalidade.”
O amor, nesse prisma, torna-se um artigo do mercado e os seres humanos, vetores do amor, consequentemente, seguem a mesma sorte. Desse modo, as relações são baseadas em trocas de conveniências e oportunidades, em que estamos sempre à procura de melhores aquisições. A pessoa humana, assim, é despersonalizada e coisificada pelos interesses do mercado.
“Assim, duas pessoas se apaixonam quando sentem haver encontrado o melhor objeto disponível no mercado, considerando as limitações de seus próprios valores cambiais.”
As pessoas transformaram-se em ações da bolsa de valores do amor, como diz Bauman, em que devem buscar valorizar-se a todo instante. No entanto, essa valorização não se coaduna ao que o indivíduo é ou entende como correto para si, mas em relação ao que o mercado entende como interessante e lucrável. Há, então, uma série de ditames e regras que tornam o indivíduo valorizado no mercado da personalidade e aos quais se deve obedecer, caso não se queira ser um artigo desprezível.
As pessoas, além de tornarem-se objetos, alienaram-se de si mesmas, dos seus semelhantes e dos seus valores. O único sentido na vida é poder consumir e valorizar-se perante a sociedade, ampliando a espetacularização da vida. O outro não passa de mais um objeto entre tantos, o qual eu julgo pelo rótulo e pela marca. Não passa de um meio pelo qual possa me dar bem. E, quando a minha ação não é valorizada, troco, afinal, o problema é sempre do outro/objeto.
Todavia, se vejo o outro tão somente como um objeto, um meio para se chegar a um fim, como pode haver amor? Há, na verdade, uma via de mão única, de que busco tirar proveito próprio, sem me preocupar minimamente em oferecer nada em troca. Aliás, torna-se inviável enxergar o outro como um indivíduo como eu, preocupando-se apenas com um “bom fardo de qualidades do mercado da personalidade”.
A objetificação do amor deturpa o sentido do que é importante e não é. Escondendo-se por trás de um discurso plural, apresenta uma prisão, em que as pessoas deixam de sentir e de agir por si mesmas para serem objetos. Com isso, deixa-se de valorizar o amor e o outro pelo seu real sentido, para valorizar estatísticas e status social. Como se estivessem em uma bolsa de valores, buscam desesperadamente ações com maiores perspectivas de lucro no mercado da personalidade, já que:
“Numa cultura em que prevalece a orientação mercantil, e em que o sucesso material é o valor predominante, pouca razão há para surpresa no fato de seguirem as relações do amor humano os mesmos padrões de troca que governam os mercados de utilidade e de trabalho.”
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