Por Patrícia Dantas
Estava olhando na direção de si. De si? Como poderia? Teria permissão? Entre um olhar e outro perdido, descobria-se num invólucro ainda por conhecer.
Não se conhecia, não podia, não tivera afetos na vida para tanto. Mas tinha uma pureza estranha como a de quem finca os pés no chão pela primeira vez – a inocência de quem conhece a sensação de um momento único.
“Meu espetáculo é minha forma de viver das próprias entranhas. Do ato.” – Refletia, estupefato. Era tudo o que queria ouvir da sua consciência, como se não necessitasse de mais nada para sobreviver, apenas de suas palavras breves soprando no íntimo.
Por um instante, pausado, atônito como um velho sábio a contemplar o infinito, reparara a sombra de outro homem rondando atrás de si. Era um intruso, tinha certeza. Ali só tinha espaço para ele. “Quem ousaria me deter agora que estou prestes a convocar meus demônios interiores para prestar contas já quase esquecidas? ” – Murmurava, ofegante.
A luta dele era intocável e desconhecida. Só ele seria atingido e teria que sair ileso para continuar sua vida de poucos acontecimentos.
Trazia um hóspede dentro de si como uma segunda pessoa a lhe habitar, um segundo ser que sabia tomar decisões em horas impróprias, e sentia todo o seu inconsciente como um hospedeiro terrível, provocando-o, tecendo pensamentos vergonhosos que lhe manchariam a existência.
Lembrou-se do pacto, da negociação com ele mesmo. Teria ele esquecido àquela manhã nublada, numa rua estreita onde ficava sua pequena casa, que entregara todos os seus planos e pensamentos para seu novo amigo? Momento de solidão e desespero. A cura por uma amizade boba, pela companhia inventada.
Não podia se arrepender agora. Sentia como se tivesse trocado de corpo e se despido. Era o puro toque de um novo ser. Ele não continuava o mesmo, teria mudado e muito, mas ainda lhe restara a mínima consciência de quem era e por que continuava naquela condição de usurpador de si mesmo.
Quem o teria levado assim, tão levianamente? Ele era outro, assim como às vezes acontece conosco e não sabemos se realmente fizemos algum acordo dentro de nós, em momento de entrega e confissão. Seremos outros tão rapidamente, o que não é possível dar conta a um só tempo.
Respirou profundo, quase morrendo em si. Decidira experimentar ser tudo que lhe aguardava – como desejara – e passar para sua nova existência. Ninguém precisava saber sobre sua escolha. Havia o cuidado em mostrar as nesgas do outro ser que planava sobre sua vida.
Até onde poderia ir? O que poderia fazer com tamanha possessão em si? Ser outro. Poder agir como duas pessoas. Provar de circunstâncias diferentes com atuações diversas. E jamais confessar que fora induzido por suas forças desconhecidas.
Lembrou que já estivera fora de si em outros momentos –inescapável -, mas soubera voltar sempre, sem medos ou culpas por aceitar tal companhia. Tivera pares e acompanhantes em cada etapa da vida, como ciclos em constante movimento.
Gostava de se deixar ver e perceber como era: por completo, desnudo, imprevisível. Outros.