O Brasil, com menos de 3% da população mundial, já tem 15% dos mortos por coronavírus, o que equivale em mais de cem mil mortes, representando 68 cidades pequenas que teriam desaparecidas do país, e mais três milhões de infectados pela doença, uma das maiores tragédias sanitárias da história brasileira.
A rotina de centenas de mortes diárias está se incorporando ao nosso cotidiano, como se fosse algo normal. A imprensa tem mostrado a dimensão das mortes pelo vírus, através de estatísticas e comparações, contudo, os números de mortes devem ser mais elevados, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.
A pandemia começou há seis meses, mesmo assim, a sabotagem às medidas de isolamento e a disseminação de fake news ficaram mais acintosas. Por isso, a sociedade se dividiu nos que acreditam na letalidade do vírus e tomam os cuidados sanitários e aqueles que acham que ela é uma farsa, que são os defensores da cloroquina e da aplicação de ozônio para tratar à Covid-19, “remédios” sem nenhuma comprovação científica.
Além disso, algumas autoridades municipais e estaduais cedem à pressão, facilitando a propagação do vírus. Para piorar, certos políticos são suspeitos de desviarem recursos destinados ao combate à doença, ampliando o perigo do contágio. É óbvio, que a pandemia desorganizou as relações sociais, onde de uma hora para outra: o comércio, a indústria, as escolas, etc, foram fechadas ou tiveram restrições para funcionar e a mobilidade urbana ficou circunscrita.
Assim, todos precisam usar máscaras em locais públicos e o contato físico deve ser evitado. Nos hospitais, os pacientes perdem a relação direta com os familiares e as equipes de saúde vivem rotinas exaustivas e angustiantes diante do alto número de mortes e do risco de se infectar e levar o vírus para casa.
No entanto, essa obviedade é desprezada pela necropolítica, que busca vencer pela indiferença e cansaço, em cima de vidas perdidas que acumulam mil cadáveres por dia. Esse cenário é de “normose,” a doença da normalidade, que leva à cegueira social e a busca de respostas messiânicas proferidas por charlatões.
O discurso “normótico” na sociedade brasileira segue impondo as falácias científicas, econômicas e religiosas a respeito da Covid-19. As consequências sobre a saúde mental são visíveis: o aumento da depressão, da neurose de angústia, do esvaziamento do sentido da vida e da sensação de morte.
Enquanto não se enxerga o fim da pandemia, precisamos continuar unidos para diminuir o desamparo social dos mais vulneráveis, que são os indígenas, os trabalhadores informais e os que não puderam deixar de trabalhar, além dos pobres, idosos e pessoas com comorbidades, que têm o acesso desigual ao sistema de saúde.
Porém, a responsabilização por esta tragédia não pode deixar de ser feita. E, finalmente, percebemos, a base de sofrimento e mortes, que sem um sistema de saúde forte e sem um Estado capaz de exigir que a população coopere e acredite na ciência – fica difícil e incerto – administrar a crise pandêmica.
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Jackson César Buonocore é sociólogo e psicanalista
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