José Eduardo Agualusa
Quando em Agosto escrevi neste mesmo espaço sobre a epidemia de Ébola, ainda os países ocidentais não pareciam muito preocupados. A situação alterou-se nas últimas semanas, após os primeiros casos de contágio nos Estados Unidos e na Europa. O ocidente despertou. Receio, contudo, que o clamor mediático em curso possa vir a gerar uma outra epidemia – uma epidemia de terror! – capaz de afectar África no seu conjunto, e por muito tempo.
Nos últimos dias, venho escutando episódios desagradáveis envolvendo cidadãos africanos em viagem. Também escutei histórias de europeus que se recusam a viajar para países africanos, ainda que estes se localizem muito longe do foco da epidemia. De resto, como todos sabemos (mas os europeus parecem não saber), é mais fácil circular entre a Europa e África do que dentro do nosso próprio continente. Há muito mais probabilidades de que o vírus chegue primeiro a Lisboa do que a Luanda. Se chegar a Lisboa, então sim, devido às frequentes ligações aéreas, corremos o risco de que surja pouco depois em Luanda. No mundo de hoje, as distâncias já não se medem em quilómetros, mas no número de ligações aéreas. Nos próximos meses, se não for possível conter o vírus, o aeroporto de Frankfurt será um lugar muito mais perigoso do que é (ou parece ser) nos dias de hoje a capital da Serra Leoa, Freetown.
Morreram até agora perto de quatro mil pessoas. Este número, contudo, perde força se comparado com as catastróficas previsões para os próximos meses. À medida que o número de vítimas for crescendo, e, em particular, o número de vítimas fora do continente africano, é de esperar que o ambiente de medo alastre, e que o preconceito alastre de braço dado com o medo.
Na última década vários países africanos conseguiram ultrapassar um desgastante ciclo de conflitos internos. Alguns vêm dando passos para uma democracia autêntica. Todos os estudos reconhecem que o continente avançou na luta pelo desenvolvimento. A actual epidemia de Ébola – e o surto de medo a ela associado – ameaçam estas ainda frágeis conquistas.
A pandemia de medo pode atingir desde logo os países com melhor estrutura turística, os quais, não por acaso, são também os mais democratizados e desenvolvidos do continente, como Cabo Verde, a Maurícia, a Namíbia ou a África do Sul. Também muitos grandes negócios podem ficar comprometidos. Em última análise, o actual surto de medo pode comprometer a entrada de imigrantes qualificados e o regresso dos quadros técnicos de que o continente tanto necessita. As consequências, a médio e a longo prazo, seriam devastadoras.
O desafio que temos pela frente, pois, envolve tanto o combate à doença quanto ao medo dela.
Desde logo parece-me importante tentar romper com a identificação perversa entre o Ébola e África. Sim, o vírus do Ébola foi pela primeira vez identificado num pais africano – mas o Ébola não é África! Além disso, África não é um país, e sim um continente imenso e extremanente diverso.
Por outro lado, é preciso que os governos de todos os países do mundo expliquem aos seus cidadãos em que consiste a doença e os modos de a prevenir. A ignorância é a mãe do medo. Ainda me recordo do tempo em que as pessoas não escondiam o terror de conviver com quem quer que fosse que tivesse contraído o vírus da Sida. Na época medieval, na Europa, os leprosos eram expulsos à pedrada das cidades e das terras férteis e caso se aproximassem de uma povoação tinham de se fazer anunciar tocando sinos e pandeiros. Não podemos permitir que estes tempos regressem.
Fonte: Rede Angola
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