“Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar.” A frase do sociólogo polonês Zygmunt Bauman resume com brilhantismo a vida do homem na pós-modernidade ou, como ele mesmo prefere, modernidade líquida, uma vez que a fluidez das relações exige que estejamos em constante mudança.
Sendo assim, vivemos sob a égide da velocidade, ou seja, toda relação que se proponha a durar não possui espaço no mundo líquido. Em outras palavras, o sucesso está relacionado à capacidade de rotatividade nos relacionamentos, isto é, à capacidade de trocar de relacionamentos no menor espaço de tempo possível.
Essa característica do homem contemporâneo é o que determina o seu sucesso, segundo Bauman. Para ele, o sucesso do “homo consumens” não se caracteriza pelo acúmulo de bens (sejam materiais ou humanos), mas pela maior capacidade em desfazer-se deles.
“É a rotatividade, não o volume de compras, que mede o sucesso na vida do homo consumens.”
Posto isso, há de se considerar que a incapacidade em manter relações que apresentamos faz com que não consigamos acumular o menor volume de compras e, assim, transformamos a vida em uma grande rede descartável.
Como não consigo ter um relacionamento que me traga satisfação, tento preenchê-lo com inúmeros relacionamentos efêmeros. Esse vazio também é preenchido com bens materiais, entretanto, como o sucesso é medido pela rotatividade, faz-se necessário que se troque constantemente de bens, a fim de que mantenha o vazio “preenchido”.
Dessa forma, não existem laços que prendem as pessoas, de tal maneira que, a todo tempo, pessoas se desfazem de pessoas, como se estas fossem tão importantes quanto um copo descartável. Aliás, uma pessoa e um copo descartável exercem a mesma função. Em um primeiro momento, são úteis para atender a uma necessidade imediata, mas, logo em seguida, perdem o valor e ambos são amassados e jogados fora.
Na era descartável, quanto maior for a capacidade de desfazer-se, maior é o sucesso do indivíduo. As relações humanas, assim, caracterizam-se por uma imensa fragilidade, em que o valor dos relacionamentos está ligado a um prazo de validade.
Pessoas entram e saem da nossas vidas sem que possamos, de fato, conhecê-las. Habituamo-nos a não criar laços, não fincar raízes. Temos necessidade de relacionamentos que sejam levados pelo vento, pois só o tempo permite que criemos raízes, as quais parecem inadequadas aos nossos tempos.
Quanto maior a raiz, mais profundo um relacionamento fica e, por conseguinte, torna-se mais difícil arrancá-lo. Assim sendo, o valor que o outro nos atribui varia conforme a sua necessidade. Podemos ser essenciais em determinado momento e, noutro, sermos estranhos.
Esse intervalo entre ser essencial e ser um estranho vem diminuindo com o passar do tempo, uma vez que, como nada é feito para durar, nossas necessidades também mudam constantemente e, por conseguinte, deixamos de ter importância para o outro, pois essa importância é condicionada à necessidade que tínhamos.
O homem contemporâneo parece não gostar de raízes e busca relacionamentos baseados na facilidade de desconectar e de jogar fora. Não passamos de meras mercadorias, como qualquer outra; estamos ficando mais sozinhos e com relacionamentos frágeis. A era descartável é silenciosa e fugaz: quando menos esperamos, somos jogados fora, dado que nossa utilidade chegou ao fim.
Na modernidade líquida, a velocidade assume o controle e, portanto, não existe tempo para refletir, apenas fazemos e deixamos de fazer, somos importantes e deixamos de ser importantes, sem a menor capacidade de reflexão. A única capacidade que temos é a de desfazer-se, sendo que qualquer um pode tê-la.
Qualquer um pode tê-la, porque é fácil e a facilidade é uma jovem sedutora. Livrar-se do outro quando se quiser é sempre mais fácil; o grande problema é que, com o passar do tempo, as opções vão diminuindo, até que todos sejam descartados e você esteja sozinho. Mas, talvez não haja tanta diferença, afinal, em tempos líquidos ou descartáveis,
“Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo.”
Na capa: Escultura de gelo de Nele Azevedo
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