A fita Branca (Das weiße Band) é um premiado filme de 2009 dirigido por Michael Haneke e que retrata os acontecimentos de um vilarejo protestante no norte da Alemanha, em 1913, às vésperas da Primeira Guerra Mundial. Segundo o diretor, o enredo é sobre “a origem de todo tipo de terrorismo, seja ele de natureza política ou religiosa.”
De início somos apresentados a várias personagens: o barão, o reitor, o pastor, o médico, a parteira, o professor, os camponeses, as babás e as crianças. Todos os núcleos do elenco envolvem da relação entre pais e filhos, e aos seus rígidos métodos de disciplina e educação.
Um arame derruba um médico, uma colheita é destruída, crianças são punidas severamente. Perguntas e mais perguntas vão sendo jogadas em nossa face, e no lugar de respostas, recebemos cenas indigestas de maus tratos com crianças.
A trama não nos permite o alívio da emoção, mas, ao contrário, nos deixa presos de maneira quase claustrofóbica nas vivências das crianças e dos estranhos acontecimentos “acidentais” e criminosos, que tomam aos poucos o caráter de um ritual punitivo.
Todos os personagens do filme conseguem transbordar frieza, palidez e características sombrias. O fato do filme ser em preto e branco e quase sem trilha sonora enaltece sua atmosfera rígida e nos situa nos selfs cultural e social que marcaram o período pré-guerras na Alemanha.
Aos poucos vamos entendendo que os eventos criminosos funcionam como descargas emocionais diante da educação severa e repressora e aos abusos sexuais e psicológicos cometidos pelos adultos.
À primeira vista podemos pensar que o filme fala da maldade e da pureza. A tal fita branca do título é na verdade um elemento que o pastor usa para lembrar seus filhos de não pecar. Mas, a própria maneira rígida que ele usa ao lidar com as crianças já não seria um pecado? Nada é o que parece. Todos os personagens aos poucos vão revelando características dúbias e extremamente duvidosas. A fita branca, símbolo de pureza e inocência ganha o caráter de exposição e humilhação.
Assim, a Fita Branca fala dos extremos provocados por uma sociedade patriarcal, em que a ordem, o autoritarismo, a repressão e a punição caminham lada a lado. Onde as expressões do matriarcal, de afeto, cuidado, e prazer não encontram espaço e permanecem encaixotadas e aprisionadas na Sombra.
A expressão da religiosidade materialista e não espiritualista, levada ao extremo e de maneira sombria, faz com que tudo que não esteja nas regras seja tido como pecado e precisa ser reprimido. A princípio podemos pensar que esses adultos são pessoas essencialmente más. Na verdade, elas também refletem a educação que receberam, trazendo assim a herança do patriarcado e sua repetição compulsiva na educação dos filhos e nos atos delituosos que comentem. Por consequência, toda uma sociedade se torna vítima de uma história perversa de educação e violência. E, ao invés de se conscientizar de sua inadequação, justifica seus atos como sendo os corretos e esperados.
No cenário do filme, o mal se elimina através da atitude repressora. Mas, o que ocorre na verdade é que, com isso, a energia reprimida permanece fixada e ganha força no inconsciente, manifestando-se de maneira sombria, através de defesas psicopáticas (abusos, assassinatos, agressões de todos os tipos).
A criança quando nasce vai aprendendo como o mundo funciona a partir daquilo que é apresentado para ela. Dentro da sociedade retratada não há espaço para que elas sejam diferentes. Todo o potencial do Ser fica aprisionado e, como não há estímulo, o desenvolvimento pleno torna-se impossível de ser alcançado.
Em contrapartida, chama a atenção a cena em que um menino indaga sobre o que é a morte. Sua irmã vai explicando, e ele faz mais perguntas, as quais ela responde na medida dos questionamentos. Após todo um lindo diálogo, o menino fica em silêncio alguns segundos, até que chega à uma conclusão: sua mãe nunca foi viajar, ela estava morta.
Através das respostas para suas perguntas, ele compreendeu algo que ainda não haviam explicado a ele. Nesta cena específica, percebemos a mudança de alguém ingênuo para alguém que adquire conhecimento. O menino, neste momento, fica sabendo o que é morrer e que nunca mais verá sua mãe. Vemos aqui uma das poucas expressões do feminino no filme. Sensível e protetora do irmão, a jovem acolhe o diálogo e permite a expressão da raiva e da frustração. Com isso, o pequeno pode elaborar a morte e entender melhor a vida.
Em determinada cena, o médico recém-saído de uma recuperação, revela-se monstruoso e cruel. A maneira como ele trata a mulher que cuida de seus filhos é horrenda. Suas palavras de mau gosto ao rebaixar a pobre mulher que o ama é incrivelmente dilacerante. A mulher submissa àquela realidade servil aceita a humilhação. Mais adiante entenderemos os motivos dele, embora não haja desculpas para isto. A filha tenta proteger o irmão mais novo dos abusos cometidos contra ela pelo pai. Com isso, protege a inocência da criança, mas também a imagem do pai e a dela própria. A criança tende a “encobrir” os maus tratos causados pelas figuras dos cuidadores, pois necessita delas preservadas para poder dar curso ao seu desenvolvimento. Desta forma, a garota protege sua própria psique e a do irmão do abuso sofrido pela figura que deveria protege-la.
Toda criança precisa de acolhimento e de respostas às suas indagações para que possa compreender a realidade a sua volta. Quando não há espaço para a elaboração e para a compreensão do que a cerca, a criança preenche as lacunas através da fantasia ou da própria experiência.
Aos poucos, as pobres crianças vão se revelando tão cruéis e frias quanto seus pais e cuidadores.
Pela metade do filme, começam os boatos da guerra. Em determinado momento se narra a notícia do assassinato do arquiduque austríaco Francisco Fernando, que acaba desencadeando a temível Primeira Guerra Mundial. O que levou os líderes e políticos da Europa a estourar a guerra na verdade já estava arraigado nos seus corações e modos de vida.
Deste modo, uma das grandes reflexões que o filme nos permite é que somos reflexo do ambiente em que fomos criados, neste caso hostil e inflexível.
Neste ponto relembramos as cenas em que um dos filhos do pastor que pede para cuidar de um filhote de passarinho que encontrou ferido. Recebe do pai seu aval, mas com grande discurso de responsabilidade. Deixa claro que quando o pássaro melhorar ele terá que devolvê-lo a natureza. O animal, símbolo da liberdade e do espírito ganha aqui duplo simbolismo. O pai também mantém um pássaro engaiolado e pelo qual nutre grande apreço. Para atingi-lo e puni-lo sua filha sacrifica o animal, transpassando uma tesoura em seu corpo. O menino que cuidara devidamente do pássaro ferido se penaliza da dor do pai e ao invés de entregar o filhote de volta à mãe natureza, oferta-o ao pai como forma de reposição do objeto perdido. Mais uma cena que demonstra que, mesmo entre os mais pequenos, o ciclo patriarcal continuará exercendo sua força e engaiolará as possibilidades de mudança e de afeto.
Através das vivências do vilarejo, que representa aqui um microcosmos do cenário da Alemanha na época, A Fita Branca mostra as origens das guerras e da maldade em si. Quando se tira a inocência das indefesas crianças, pode-se esperar o pior! Porque inocência é a única coisa que elas não ensinarão quando adultas. Assim, o que se repete é um ciclo de unilateralidade, violência e terror, que não estrutura a prole para a vivência integrativa e da alteridade.
As escassas figuras que representam a função do sentimento e do afeto são os que “vieram de fora” do vilarejo. O professor, a babá e a esposa do barão. Mas eles não conseguem modificar a situação estagnada e repressora e todos acabam saindo o local.