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À flor da pele. Quem nunca?

“Em casa, à noite, o pai guarda os sapatos dos dois no mesmo canto, pendura os casacos dos dois no mesmo gancho… Ele serve o jantar em um prato redondo e descreve a localização dos diferentes tipos de alimento fazendo uma analogia com os ponteiros do relógio. Batatas às seis horas, ma chérie. Os cogumelos, às três horas…”

Trecho do livro “Toda luz que não podemos ver” – Anthony Doerr

Quem nunca se viu em um estado mais sensível do que o normal, enxergando drama, poesia e arte em qualquer coisa cotidiana?

Quem nunca chorou ao ler um trecho de um livro, ao escutar uma música, ganhar um abraço, um pão doce que lembra a infância, um bilhetinho de amor?
Eu chorei com esse trecho do livro, confesso. Pensei nesse pai viúvo que cria a filha cega sozinho e, entre tantos atos de amor, ainda encontra poesia e encanto para a vida de ambos. É amor demais para não se arrepiar.

Curioso é que todos esses gatilhos existem o tempo todo em todos os lugares, mas não somos capazes de nos sensibilizar com tanta frequência, com tanta intensidade todas as vezes. E quando isso acontece, dizemos que estamos à flor da pele. Eu adoro essa expressão, mesmo que alguns digam que é a porta de entrada para um colapso, surto, crise histérica… Discordo totalmente e ainda ouso dizer que o estado de flor da pele nos faz uma verdadeira esfoliação na alma, nos mostra o que somos e qual são as importâncias que devemos nutrir e guardar na vida. Quando viramos poesia e às outras poesias nos misturamos.

Hoje, voltando para casa, desci do metrô, e, bem junto de mim passaram quatro funcionários levando um homem desacordado naquelas macas de pronto atendimento. Era um homem relativamente novo, e toda aquela multidão olhando curiosa, comentando. Realmente não tenho ideia do que aconteceu. Os rapazes do metrô subiram a estação pela escada rolante levando o homem para um posto de atendimento que tem logo na saída. E eles desapareceram porta adentro. Nesse momento me veio um nó na garganta, aquela sensação de choro, de desemparo. Eu não conheço o homem, desconheço o que aconteceu com ele, mas meu momento flor da pele me desarmou, me fez pensar que nenhum de nós nunca saberá o que será o minuto seguinte. Nem o homem da maca, ninguém.

Nos resta portanto, a certeza de todo o futuro incerto, que contará com deliciosos e perfumados momentos à flor da pele.

Emilia Freire

Administradora, dona de casa e da própria vida, gateira, escreve com muito prazer e pretende somente se (des)cobrir com palavras. As ditas, as escritas, as cantadas e até as caladas.

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Emilia Freire

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