Conviver com a morte progressiva do que se ama é dor imensurável. Ganhei, há algum tempo, uma planta exuberante. Folhagens longas de um verde intenso que deslumbraram os meus olhos e fizeram com que a minha alma gelasse: e se eu não souber cuidar dela?
Descobri, ao longo dos dias, que sou tão boa cuidadora de plantas quanto tão bem sou capaz de cuidar da minha própria alma. Por falta de cuidados, ela foi desbotando o verde, enquanto a minha alma também empalidecia. Ambas foram perdendo o viço, perdendo o frescor que as tornava prontas para enfeitarem o mundo. Detive-me na inércia engessada que nos impede de buscar a provisão necessária, momento em que nos enamoramos da dor que nos resseca e ficamos a contemplar a nossa aridez, o nosso vazio… E amortecemos os sentidos, esquecidos do viver.
A visão da planta a secar-se era uma angústia sem tamanho. Lembrei-me das infinitas vezes que morri. Só os intensos e profundos, aqueles que não se permitem estacionar na borda da existência, somente aqueles acostumados a mergulhos incertos em seus próprios mares interiores saberão entender, mas é certo que a vida não é medida de modo linear. Ela é mensurada pela quantidade de vezes que, dentro dela, morremos. Por todas as vezes em que pulamos de olhos fechados em nossos abismos e que, das suas profundezas, observamos os paredões dos precipícios que nos cercam.
Ver flores nos relvados e roseiras nos quintais é coisa pouca. Vida de verdade é enxergar um ramo desbotado nas frestas da parede do abismo enquanto descemos, em queda livre. É ver a alma esfolada e as certezas desfeitas e o peito sem norte. E, após ver-se em cada uma dessas mortes, respirar fundo e renascer.
Renasce-se quando você olha dentro de si e percebe que, embora morto, algo em você, aquilo que o faz eterno, ainda respira. Que nenhuma morte pode fazê-lo inexistir. Então, você percebe que venceu. Que pode caminhar, respirar e amar de novo. Entende que nenhuma outra morte poderá anular a sua existência infinita.
Eu olhei a minha samambaia e havia nela um meio broto ainda verde. E eu reguei essa planta como quem rega a própria alma e a amei como quem ama a mão amputada a que a ausência eternizou.
A folhagem está ainda aqui: bela! Não com a beleza pronta que a vida primeira lhe ofertou, mas com a beleza madura de quem já viu a morte e sobre ela impera, com a força de quem já morreu, renasceu e reverdejou.
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