Por  Igor Melo Gulledge

Quantas vezes temos escutado “estou apaixonado” e da mesma pessoa, em pouco tempo: “acabou”? E facilmente escutamos, da mesma, que ela voltou a se apaixonar? Com certeza muitas vezes e de quase todos que conhecemos (inclusive de nós mesmos). Podemos perceber que esta condição é facilmente repetida, recorrente. E muitas vezes chamamos de amor, situações repetidas de envolvimento, mesmo que seja de apenas 1 dia.

A mudança da sociedade nos fez de fato desvalorizar por completo a sentença “até que a morte nos separe”. Assim, baixamos os padrões deste sentimento, podendo chamar de amor qualquer experiência de envolvimento. Experiência intensa e impactante, porém de curta duração. Sendo o amor uma ideia de eterno, duração perpétua, a habilidade de experimentar muitos amores poderia ser vista como incapacidade de amar.

Bauman vai nos lembrar em seu livro “amor líquido” do diálogo da profetisa Diotima, no banquete de Platão. Ela diz: “o amor não se dirige ao belo, dirige-se à geração e ao nascimento no belo”. Amar é querer “gerar e procriar”, e assim o amante “busca e se ocupa em encontrar a coisa bela na qual possa gerar”. O amor é um impulso criativo, ao movimento de gerar, fazer, criar. E por se tratar de duas pessoas, está marcado pela eventualidade e assim, pelo mistério. Mistério do encontro, pelo destino, pelo sublime, que vem da conquista, do ganhar, do prazer da vitória.

Aqui conflitamos nossa sociedade capitalista com a eternidade do amor. Sociedade consumista, dos produtos prontos, descartáveis, satisfação instantânea, prazer rápido, garantias, seguros e devolução. Caímos aqui no comportamento aprendido do mundo pós-moderno, capitalista e consumista, e fazemos do amor, experiências passageiras, rápidas, instantâneas e descartáveis, a que estamos acostumados.

A descartabilidade das acoes da modernidade, recairá nas ações do relacionamento interpessoal. Se aprendemos a descartar, usar tudo para satisfação de nosso prazer, aprendemos a ter este comportamento quanto a tudo, e também quanto aos outros, em nossos relacionamentos.

E podemos aqui nos perguntar, se temos tanta consciência do uso que fazemos do outro na busca de nosso prazer, porque ainda buscamos relacionamentos? Porque a instituição do casamento ainda é procurada, desejada e sonhada?

O sonho aqui é fonte de grande parte do desejo do homem, e falando em sonho, estamos falando na fantasia, alimentada pelo que recebemos como certo a fazer ou como resquícios de um projeto de vida, com o qual nosso superego foi construído.

É a ideia da construção familiar de que fomos fruto, que muitas vezes nos dá, sem mesmo querermos, o modelo de vida que teremos que ter. Crescer, estudar, trabalhar, casar, ter filhos… É o caminho que certamente grande parte da sociedade entende como o normal. Deste projeto de vida, de que fomos alvo e que recebemos como meta a ser realizada, é certamente a razão de grande parte da busca pelo modelo tradicional de família.

Podemos ainda relembrar daquela eterna falta, inquietação e angústia de que somos alvo e que falávamos antes. Estar com alguém relaxa a cobrança do superego a ter alguém e também a angústia vinda do medo da solidão.

 

A dificuldade moderna não é em não ter esta necessidade, e sim não conseguir calar as vozes dos desejos pela busca do prazer, narcísica, e perturbadas pela fantasia, que nos leva a enganação que há sempre algo bem melhor ainda a ser experimentado.

Paramos aqui num medo que está presente na humanidade desde seu inicio, e que provavelmente irá continuar nos acompanhando por muito tempo. A dificuldade moderna nao é em não ter esta necessidade, e sim nao conseguir calar as vozes dos desejos pela busca do prazer, narcísica, e perturbadas pela fantasia, que nos leva a enganacao que há sempre algo bem melhor ainda a ser experimentado.

O comprometimento e a responsabilidade com o que nos propomos, nos faz coerentes com as opções e decisões que tomamos. Isso nos faz entender que toda decisão requer uma série de renúncias, e isso é o que Freud quis dizer ao falar em maturidade, em casar e trabalhar. Estar pronto para isso, para Freud, é estar maduro para dizer não ao que a fantasia nos inquietar. Renúncia é essencial da maturidade, do entendimento que nos pertence apenas uma parte, e que não estar numa eterna busca de satisfação, em novidades, e que em parte nao pertence senão ao mundo imaginário.

O imaginário está cheio de ideias de liberdade e que entram em contradição com a busca de um alguém ideal. Grande parte da sociedade vive neste conflito. Sabemos que a pessoa ideal, ou o Príncipe encantado não existe, mas sim uma pessoa certa que pode nos compreender, ser capaz de caminhar conosco, ser parte de nossa felicidade, de nossa alegria e nossa satisfação. O problema é que na lista de requisitos para a pessoa certa, os itens sao absurdos, incapazes de serem preenchidos, permitindo assim ao Id sua busca perpétua de novidades e prazer e ao Superego a satisfação de que sim, buscamos a família perfeita, conforme quiseram nossos pais.

Poderíamos falar aqui em enganar nosso ego, dando livres asas ao id, mas sabemos a que preço temos pago. A angústia e insatisfação geradas desta busca, são de grande prejuízo. O descontentamento e infelicidade desta geração está claramente vista.

Nem mesmo 30% dos encontros passam no primeiro dia ou do primeiro sexo.

Se algo se quebrou, joga-se fora, e compra-se outro. Se um problema veio, findamos um relacionamento e partimos para a busca de outro. Falamos em terminar algo quando foi iniciado, mas que nos dias de hoje, segundo pesquisas, nem mesmo 30% dos encontros passam no primeiro dia ou do primeiro sexo.

É que no mercado capitalista todo dia temos novidades e estas nos envolvem, nos estimulam, nos prendem. No relacionamento, todo dia é dia que alguém novo, novas experiências, afinal, com quem estamos hoje nao estamos 100% feliz… nao foram satisfeitos 100% da lista de exigências da pessoa ideal.

É a segurança do amor eterno com a liberdade do pássaro que voa rapidamente em diferentes pombais, que consiste a grande guerra travada neste século.

A oferta e a facilidade de troca, alimenta a fantasia o eterno príncipe encantado de que fomos alvo na infância, pelos contos de fadas, e que de alguma maneira ainda buscamos.

Contatos com Igor Melo Gulledge pelo e-mail igorpsychologist@gmail.com
Publicado na Conti outra com autorização do autor.

Quer saber mais? Leia o artigo completo pelo link abaixo:

CONTI outra

As publicações do CONTI outra são desenvolvidas e selecionadas tendo em vista o conteúdo, a delicadeza e a simplicidade na transmissão das informações. Objetivamos a promoção de verdadeiras reflexões e o despertar de sentimentos.

Recent Posts

Com Julia Roberts, o filme mais charmoso da Netflix redefine o que é amar

Se você é fã de comédias românticas que fogem do óbvio, “O Casamento do Meu…

11 horas ago

O comovente documentário da Netflix que te fará enxergar os jogos de videogame de outra forma

Uma história impactante e profundamente emocionante que tem feito muitas pessoas reavaliarem os prórios conceitos.

20 horas ago

Nova comédia romântica natalina da Netflix conquista o público e chega ao TOP 1

Um filme charmoso e devertido para te fazer relaxar no sofá e esquecer dos problemas.

21 horas ago

Marcelo Rubens Paiva fala sobre Fernanda Torres no Oscar: “Se ganhar, será um milagre”

O escritor Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que inspirou o filme Ainda Estou Aqui,…

1 dia ago

Série que acaba de estrear causa comoção entre os assinantes da Netflix: “Me acabei de chorar”

A produção, que conta com 8 episódios primorosos, já é uma das 10 mais vistas…

2 dias ago

Além de ‘Ainda Estou Aqui’: Fernanda Torres brilha em outro filme de Walter Salles que está na Netflix

A Abracine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) considera este um dos 50 melhores filmes…

2 dias ago