A generosidade com os erros alheios

Ideia de jerico. É uma expressão popular usada para rotular uma ideia, geralmente de autoria de outra pessoa, na qual obviamente não se bota muita fé. Em 1943, o presidente da IBM achou que lançar um computador comercialmente era uma ideia digna desse selo, quando disse a frase que ficou famosa: “Penso que no mundo há talvez mercado para cinco computadores”. Claro que tem que se levar em conta o contexto da época, quando um computador era um trambolho que ocupava uma sala inteira. Mas ainda assim, acho que dava pra ele ter sido mais otimista. Bill Gates foi por um caminho parecido, quando declarou que “640 kb de memória é mais do que suficiente para qualquer um”. Mas era o começo dos anos 80 e de lá para cá as coisas mudaram muito, para sorte do próprio Gates, já que se ele estivesse certo, provavelmente não teria a fortuna que tem hoje.

Outro bem habilitado a liderar o campeonato de bolas fora, foi o Diretor do Departamento de Patentes dos Estados Unidos, que em 1899 achava que o seu próprio departamento deveria ser extinto, já que “tudo que podia ser inventado, já foi”.

Por falar em campeonato, existe um prêmio especialmente dedicado para aqueles que, ao retirarem seus próprios genes do mercado, contribuem para a evolução da humanidade. Como não poderia deixar de ser, é o Prêmio Darwin (Darwin Awards), que homenageia aquelas pessoas que morreram vítimas de suas próprias ideias, provando que não tinham a inteligência como uma característica genética particularmente forte. Para dar uma ideia, um dos vencedores resolveu fazer um bungee jumping caseiro, comprando as cordas e fazendo todos os cálculos que achou necessários. Ele só esqueceu de levar em conta que as cordas se esticavam e o resultado já dá pra imaginar.

Também tem o ladrão que resolveu colocar fogo em uma van que havia roubado, mas fez isso enquanto ainda estava dentro dela. A porta travou e ele não conseguiu sair a tempo.
Ou a dona de casa que resolveu subir no telhado para arrumar a antena da televisão, enquanto um ciclone se aproximava e o vento na região batia nos 170 km/h. São muitos vencedores e todas as histórias são reais, o que prova mais uma vez que a realidade sempre supera a ficção.

Num primeiro momento, a ideia do prêmio parece um pouco cruel, se a gente levar em conta que se está celebrando a morte real de pessoas igualmente reais. Mas, se a gente pensar bem, ele tem o objetivo de nos levar a rir da humanidade em geral e de nós mesmos em particular, afinal, todo mundo já teve algum momento na vida em que esteve perto de virar um sério candidato ao prêmio, não teve? Não? Só eu? Sério? Nenhuma vez? Sabe aquelas, em que a ideia pareceu boa na hora e depois você descobriu o tamanho da encrenca, se salvando por pura sorte? Não? Acontece com todo mundo, vai. Não mesmo? Nenhuma vez, mesmo sem grandes consequências? Ok, se você tá dizendo…

Mas ter esses momentos não deveria ser vergonha nenhuma, até cientistas sérios acabam realizando pesquisas risíveis, o que motivou a criação de outro prêmio, o Ig Nobel, uma paródia do Nobel que a cada ano elege dez categorias que abrangem pesquisas ou criações reais, publicadas em jornais e revistas de renome científico. São trabalhos que, segundo o slogan do prêmio, “primeiro fazem rir e, depois, pensar”. A premiação de 2014 teve grandes momentos, como na categoria de Neurociência, em que os vencedores conduziram uma pesquisa que analisava o cérebro de pessoas que viam o rosto de Jesus em torradas. Ou na de Física, em que se mediu a fricção entre um sapato e uma casca de banana, depois entre a casca de banana e o chão, tudo isso no momento em que uma pessoa pisa na casca de banana. Ou a minha preferida, a categoria Ciência no Ártico (eles adaptam as categorias de acordo com os premiados), onde a pesquisa conduzida pelos cientistas Eigil Reimers e Sindre Eftestøl investigou a forma como as renas reagem a humanos disfarçados de ursos polares. Como manda o prêmio, ri primeiro, depois pensei, e aí ri mais ainda.

Assim como acontece no Darwin, é tudo verdade, mas ao contrário do que acontece lá (por motivos óbvios), muitos dos ganhadores do Ig Nobel comparecem à cerimônia de entrega do prêmio, provando que bom humor é tudo e que, até mesmo na Ciência, não é preciso se levar tão à sério. No site, dá para ver a premiação do ano passado, assim como a lista de todos os ganhadores dos últimos 24 anos.

Todo mundo pode errar uma previsão, dar uma bola fora ou investir grande parte da vida conduzindo uma pesquisa que prova que os cachorros preferem se alinhar ao eixo Norte-Sul do campo geomagnético da Terra ao urinar e defecar. Ok, a última só vale para os pesquisadores que venceram a categoria de Biologia no Ig Nobel de 2014, mas ninguém está livre de fazer uma opção errada na vida.
Talvez vá doer menos reconhecer a mancada e conseguir rir dela. Outro efeito colateral desse riso, pode ser passar a olhar com mais generosidade os erros alheios. Afinal, aposto que nunca passou pela cabeça de todos que já ganharam um Darwin que eles seriam merecedores dessa honraria. E lá estão eles, desfrutando dessa glória eterna enquanto o Prêmio (e o site) existirem. Salve Darwin e o bom humor!

 

Fabio Brandi Torres

Nasceu 15 dias antes da chegada do Homem à Lua e é dramaturgo, roteirista, tradutor e produtor, mas conforme a ocasião, também pode ser operador de luz, de áudio, bilheteiro, administrador e contrarregra, ainda que não tenha sido camareiro, mas por pura falta de oportunidade. Questão de tempo, talvez, já que quando se faz teatro por aqui, sempre se cai na metáfora futebolística do bater escanteio e correr pra cabecear. Aliás, se aposentou do futebol na década de 80, quando morava em Campos do Jordão, depois de uma derrota por 6×0 para o time de uma escola adversária, cujo nome não se recorda. Ele era o goleiro.

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