“…pois o sol agora eu cubro, com borboletas negras…”
Deste trecho de um poema de Ingrid Jonker, foi inspirado o título para o filme que conta a história da sua vida. Poeta sul-africana viveu, com inquietação e sensibilidade, os anos de treva da política de segregação racial do apartheid em seus país. Só por estar inserida neste contexto hostil, o retrato da sua obra e dos seus pensamentos já daria assunto de conversa pra mais de metro… Mas eu vou tomar como foco um dos pontos de angústia grande: o sentimento de culpa que, vez por outra, acompanha os seres de bom coração.
Como é difícil, tantas vezes, a gente se perdoar…
Motivados por abortos espontâneos ou não de vida ou de sonho, partos induzidos para terras de além dor e além mar de rosas – que tem muitos espinhos… Por uma questão de circunstância inscrita ou de decisão possível, do imediato e do imponderável, muitas horas acabamos por acreditar em uma perspectiva distorcida de nós mesmos. E seguimos carregando penas pesadas demais. Nem sempre nossas.
Existem situações nesta vida em que podemos até parecer os autores, mas na verdade somos personagens, vítimas do meio ou perdidos ao acaso. Humanos… Momentos que podem nos levar a duvidar se somos pessoas boas o suficiente para merecer o amor. E o pior é que partimos para a ação, carrascos de nós mesmos, sabotando qualquer sombra de qualquer gozo. Atropelamento e fuga de toda possibilidade de ser feliz.
Na prática, vamos magoando os que mais gostamos, minamos os afetos, disfarçamos o querer bem. Passamos a acreditar que crianças más não vão para o céu, quiçá para lua de mel!… A idéia de que ser amado não é para nós se torna tão obvia, que chega a assustar se assim não for . Vamos nos enredando em um ciclo de outras mágoas e novas culpas… até que chega um dia em que ou a gente se liberta, ou os nossos abismos nos consomem. Aí já era… sem nem ter sido!
Certa vez em um encontro de um grupo de jovens, foi feita uma dinâmica do lava pés… Entraram todos em uma sala onde, no centro, haviam bacias com água… a proposta era que cada um pegasse uma bacia e fosse até alguém que o tivesse magoado de alguma maneira e lhe oferecesse o perdão, lavando-lhe os pés… a certa altura uma moça foi até o meio da sala, assentou ao lado de uma das bacias e começou a lavar os próprios pés… A força daquela imagem foi transformadora praqueles meninos, e se prestou mais a reflexão do que qualquer ensinamento dito.
Ninguém disse que viver não machuca. Todo mundo em algum momento, ora felizmente fugaz para uns ora dolorosamente arrastado para outros, é o vilão da própria existência e desacredita de si. É preciso estar atento e forte e nessas horas marcar um encontro consigo, por algumas cartas na mesa do escritório, da sala ou do bar e se perguntar de onde vem o vício de não se permitir, se auto sabotar ou simplesmente fugir… e perdoar.
Perdão é sempre a palavra, o caminho e o recomeço. Se perdoar o outro já deixa mais leve, perdoar a si mesmo pode fazer voar!
Vamos com zelo e olhar doce. E que antes de tudo a gente tem que se empodere da gente mesmo…
Eu fico aqui com o Caetano que me diz que tudo é perigoso, mas é divino e maravilhoso.
::: Borboletas Negras é um filme de 2011 dirigido pela holandesa Paula Van der Oest contando a história de uma mulher, poeta maldita e libertária, que teve um poema lido em voz alta por Nelson Mandela no seu discurso de posse durante o primeiro parlamento democrático da África do Sul. Ingrid Jonker, interpretada com muita verdade por Carice van Houten, passeia entre as paixões laceradas, o sexo compulsivo, as lutas sociais, a rejeição paterna, o caos amoroso, as opiniões vigorosas… enfim uma mulher daquelas que orgulham em gênero, acrescentam em número e com um grau de tortura transfigurada em palavras escritas na alma, na carne e pelas paredes. Loucura da melhor qualidade. :::
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