Não, você não leu errado! Ensinar a criança a desobedecer é tão importante quanto colocar limites na sua educação.
Como assim? Antes de explicar, vou contar uma historinha.
Hoje de manhã, enquanto caminhava por um parque, vi um menino correndo livremente, próximo a mãe, em um local gramado, com uma sombra deliciosa, sem qualquer indício de perigo por perto. Ambos pareciam muito felizes! Ao ver a cena, só pude abrir um sorriso bem largo – daqueles de orelha a orelha. A mãe sorriu-me de volta e falou com uma voz bem aflita, como se me devesse alguma explicação: “Eu já falei para ele parar de correr, mas ele não me obedece!”
O menino olhou para a mãe com aquele olhar de quem está fazendo algo muito divertido, e ela não se conteve: “Acho que aqui não machuca se cair. Pode correr, vai….” E o menino voltou para a gostosa atividade, mas dessa vez com o incentivo da mãe e essa com a suposta autorização de uma desconhecida – no caso, eu!
Passei o caminho todo pensando na cena, na justificativa da mulher, na colocação de um limite tão contraditório à vontade dos dois e comecei a refletir sobre a desobediência.
Muitas mães, amigas, professoras me pedem dicas, simpatias e rezas (rs) no intuito de conquistarem a obediência das crianças. Quando as escuto falar sobre obediência, uma luzinha vermelha se acende e começa a girar na minha cabeça, pois por detrás dessa palavrinha, que soa tão inofensiva, se esconde um grande perigo!
Primeiramente, vamos pensar no significado dela:
s.f. Ação de quem obedece, de quem é submisso, dócil.
Disposição para obedecer.
Ato pelo qual alguém se conforma com ordens recebidas.
Autoridade, mando, domínio.
Obediência é sinônimo de: dependência, submissão, subordinação, sujeição.
Forte, não é mesmo?! No final da conversa, quase sempre chegamos a conclusão de que a busca é por respeito e que isso só acontecerá se o outro lado for respeitado também. É uma via de mão dupla.
Para respeitarmos precisamos ter empatia e o discernimento de que o outro tem vontade própria e que não tem a obrigação de suprir as expectativas de quem quer que seja. Somando-se a isso, necessitamos compreender que existem habilidades a serem exploradas, talentos a serem lapidados e um desejo que vem do coração, o qual aguarda pacientemente o momento certo para tomar as rédeas nas escolhas da vida.
Quando a obediência passa a ser elo nas relações, quem obedece começa a se sentir castrado, podado, limitado e passa a agir segundo o interesse de quem exerce a autoridade. Com o passar do tempo, esse padrão de relação se torna normal. Quem obedecia reproduz o modelo recebido em suas relações futuras, perpetuando esse ciclo nada saudável. E por que não é saudável? Porque ele nos torna sombras de outras pessoas, de outros desejos, de outros interesses, nos impede de sermos nós mesmos, de seguirmos nossas vontades, de realizarmos com prazer nossas escolhas e nossas funções. As decisões passam a ser tomadas a partir do olhar do outro.
E sabe o pior? Essa relação que iniciamos em casa é validada nas escolas com seus métodos de ensino. Ensino – palavra que também carrega o fardo da obediência, pois sugere uma via de mão única, não condizente com a definição de respeito que deveríamos alimentar.
Por isso precisamos aprender a desobedecer o mais urgente possível!
As pessoas mais criativas e que surpreendem nesse mundo são as que aprenderam que é preciso desobedecer. Quando aprendemos a desobedecer, (re)descobrimos o prazer da vida, aquela felicidade genuína da infância e passamos a obedecer (aí sim), a nós mesmos, ao nosso coração.
Quantos adolescentes não escolhem suas profissões embasados pela questão financeira ou para agradarem suas famílias? Não aprenderam a desobedecer!
Qual o número de pessoas que se contentam com uma vida mais ou menos e adiam seus sonhos, seus planos a espera de um momento ideal para colocá-los em prática? Só sei lhes falar que são muitas. Não aprenderam a desobedecer também.
A lista é grande. Não vou me estender.
Sabe menino do parque, esse mesmo mundo que hoje ordena para que você não corra, um dia lhe cobrará o contrário. Pedirá, ferozmente, para que sua caminhada seja veloz, pois você estará atrasado para reuniões, cheios de prazos e metas para cumprir,
COMPROMISSOS SÉRIOS inadiáveis, festas tradicionais de família entre uma porção de coisas que anulam suas vontades. Por isso, tome cuidado! Leve com você esse sorriso que traduz seu desejo e que conquista e contamina o outro. Saiba dizer não, gentilmente, mas diga não! Respeite a você primeiramente, para que aprenda a respeitar as pessoas de seu convívio e entender suas verdadeiras essências, tão escondidas, tão sufocadas por máscaras e defesas. Que você e sua mãe sejam muito felizes e que ela compreenda que não precisa se justificar para alguém.
Quanto mais permitimos que o outro siga a sua própria vontade e criamos um ambiente de condições favoráveis e saudáveis para que isso ocorra, mais respeito conquistamos nessa relação e, de lambuja, contribuímos para quebrar esse ciclo autoritário, competitivo e dominador que impera em nosso contexto social.
Pode parecer utópico, exagerado, mas eu prefiro chamar de atitude corajosa. É de extrema coragem lutar pela nossa felicidade nesse mundo que pré-determina nossas ações!
Por Bruna Gomes
Fonte indicada: Brincando por aí
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