A Inveja nas relações íntimas- Flávio Gikovate

Por Flávio Gikovate

Ninguém gosta muito de pensar que possa sentir inveja, muito menos de alguém que lhe seja bem próximo. Porém, a realidade nos ensina exatamente o inverso: o sentimento ocorre mais frequentemente entre os que têm convívio íntimo.

A inveja deriva da nossa tendência a nos compararmos: nos sentimos diminuídos, humilhados, quando alguém tem algo a mais que nós. Ela costuma ser mais intensa quando consideramos que o outro não deveria ter mais, pois é da mesma faixa etária, da mesma origem social…

A manifestação mais frequente da inveja acontece entre irmãos. Cada um tem suas propriedades e, é claro, sempre um se destaca mais pela beleza, inteligência, habilidade no trato social ou na área profissional e financeira. Nesse caso, como em tantos outros, a inveja se acopla ao ciúme: irmãos disputam o amor dos mesmos pais e o anseio de serem “o queridinho” deles gera uma inevitável rivalidade. A tensão cresce e a hostilidade invejosa se manifesta de modo claro justamente quando um deles consegue obter melhores resultados ao longo dos anos da vida.

Aquele que se sente por baixo, perdedor nessa disputa, experimenta uma mistura de sentimentos: antes de mais nada, sente-se humilhado, ou seja, ferido na vaidade (esse anseio que todos temos de nos destacar); ao se reconhecer por baixo, sente raiva, o que determina o surgimento de reações agressivas sutis ou frontais. Quase toda hostilidade gratuita deriva da inveja!

Ao longo da vida adulta, quase todos nós continuamos a nos comparar com aqueles com quem cruzamos, especialmente com os que consideramos nossos concorrentes. Sempre que nos sentimos perdedores nessa comparação – e isso depende, é claro, do julgamento que fazemos de nós mesmos e do outro – experimentamos a desagradável sensação de humilhação que pode gerar hostilidade ou, naqueles mais responsáveis, um afastamento que pretende exatamente evitar a manifestação agressiva. Ainda que haja o afastamento, o desconforto íntimo de ter se sentido por baixo, perdedor, continua a atormentar a mente do que sentiu inveja ao longo de algum tempo.

É sempre conveniente registrar que a inveja pode nos alcançar, a todos, em algum momento da vida. Aqueles que dizem nunca ter sentido inveja ou são mentirosos ou ainda não se viram numa posição de inferioridade suficientemente desagradável para que viessem a experimentar o desconforto.

A inveja só pode deixar de se manifestar naqueles que se consideram tão diferentes, tão menos dotados que nem caberia a comparação. Por exemplo, nos tempos em que os regimes monárquicos eram efetivos e poderosos, talvez os plebeus nem ousassem se comparar com os nobres!

Não deixa de ser curioso observar que a inveja permeia muitas das relações amorosas. Isso acontece por inúmeras razões e não conseguirei registrar todas aqui.

A inveja deriva da admiração: me comparo e considero o outro mais bem dotado do que eu e, por isso mesmo, admirável. O problema é que o amor também deriva da admiração! Se as pessoas envolvidas sentimentalmente não se acautelarem conviverão com os dois sentimentos ao mesmo tempo, o que não é mistura muito conveniente.

Uma pessoa introvertida e que não gosta muito do seu jeito de ser tenderá a achar graça e se encantar por quem seja extrovertido. A diferença encanta, por vezes irrita e em outras ocasiões provoca inveja.

É claro que se o introvertido se encanta pelo mais falante é porque acha a forma de ser do parceiro melhor que a sua. A única saída possível seria o avanço pessoal: através do convívio, as pessoas poderiam aprender umas com as outras o que não sabem e admiram. Pena que não seja essa a tendência usual, uma vez que ambos pressentem que são admirados e amados exatamente por serem diferentes.

Uma boa parte dos homens e das mulheres sentem inveja das propriedades do sexo oposto: muitos homens invejam o poder sensual feminino e uma boa metade das meninas, ao longo da infância, refletiram sobre sua condição e concluíram que a dos meninos era melhor.

Isso está em mudança graças aos avanços para um mundo mais unissex; porém, muitos são os resíduos desse tipo de desconforto diante das diferenças entre os sexos: os homens mais machistas são exatamente os mais invejosos; não perdem uma oportunidade de falar das limitações, fraquezas e supostas tolices femininas; e isso é óbvia manifestação invejosa!

As mulheres que não gostam de sua condição por considerá-la inferior hostilizam seus parceiros, não vibram com o sucesso deles e não raramente se recusam à intimidade erótica (apesar de serem provocantes e sensuais) sempre com o intuito de depreciar e agredir aquele que é, ao mesmo tempo, objeto do amor e da inveja.

As afinidades e a boa aceitação da própria condição são requisitos para atenuar as chances de inveja nos casais.

Fonte indicada: Flávio Gikovate







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