Por Lílian Paula Serra e Deus
É estarrecedor ver a imprensa brasileira noticiar o rompimento da barragem em Mariana valendo-se da palavra tragédia. À tragédia competem desgraças inevitáveis, cujo destino é o maior responsável. No caso do rompimento da barragem de “responsabilidade” da Samarco, juntamente à Vale e à australiana BHP, o adjetivo trágico não qualifica. Nesse caso, para entender os verdadeiros motivos da irresponsabilidade acontecida em Bento Rodrigues, é preciso perscrutar o mar de lama que encobriu a Vale nas últimas décadas e, quem sabe assim, alguns nomes possam emergir do barro em que se afundam em prol da elevação do capital ao mais alto patamar. Nesse sentido, faz-se necessário desenrolar um novelo histórico para trazer a lume personagens que, há tempos, lutam para submergir o Brasil em águas lamacentas: A quem pertencia a Vale anteriormente ao mandato de FHC? Por que se lutou tanto pela sua venda? Foi ela vendida ao preço que valia à época? Por que a honesta mídia brasileira faz questão de omitir o vínculo entre a Samarco e a Vale? Quem patrocina a mídia no Brasil? Quem determina quanto “Vale” a vida nesse país?
Imbricadas às questões aqui trazidas estão as respostas que direcionam para o que efetivamente aconteceu e, infelizmente, ainda acontecerá no Brasil. E é triste perceber que os nomes perscrutados são os mesmos que lutam, com as mãos ainda sujas de lama, pela venda de mais uma estatal: a Petrobras. Para entender por que a memória de tantos seres humanos inocentes continuará sendo cruelmente engolida pela lama, há que se fazer emergir memórias outras. Há que se perceber que todo rio tem seus afluentes, que a água que desembocou no mar do Espírito Santo, teve sua nascente em outro estado. Para entender Bento Rodrigues é preciso entretecer nascente, afluentes e foz. Somente dessa maneira, entender-se-á que o rio de lama que hoje encobre a cidade mineira, teve sua nascente para além das águas de Minas Gerais. Dessa maneira, perceber-se-á que as nascentes nem sempre são minas de água, muitas vezes as fontes encobrem outras minas. E como o caminho comum aos rios é o oceano, vai assim, o rio de lama, se convertendo em mar, atravessando o país como enxurrada e exibindo, para além do encadeamento das águas, a desconexão entre o ser humano e natureza: a lama manchando as águas, as vidas se desfazendo em sangue, o capital afogando o homem.
Ao que parece, na maioria das vezes, a privatização coloca o capital, principalmente o estrangeiro, em um altar, posto para além das correntezas, enquanto seres humanos inocentes são, cotidianamente, varridos pela lama.
(Lílian Paula Serra e Deus)
Nota da Página: a CONTI outra agradece o envio do artigo e autorização para publicação.
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