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A Lição: Série da Netflix é excelente entretenimento e um alerta para os ciclos de violência desencadeados pelo bullying

A estreia da segunda parte de ‘A Lição’ resultou em números excepcionais em sua primeira semana de exibição, tornando a série uma das mais assistidas de todos os tempos na Netflix. A produção sul-coreana ultrapassou vários sucessos populares da plataforma de streaming, incluindo a 4ª temporada de “Você” e a 3ª temporada de “Outer Banks”, alcançando a marca de 124,46 milhões de horas assistidas em apenas três dias.

A série conta com 16 episódios eletrizantes que narram a trajetória de Moon Dong Eun, uma mulher que, anos após ser vítima de terríveis atos de violência na escola, resolve colocar em prática um elaborado plano de vingança. O k-drama é estrelado pelos talentosos Song Hye-kyo,Lee Do-hyun e Lim Ji-yeon.

A premissa de ‘A Lição’ pode não parecer uma grande novidade à primeira vista, afinal, tramas de vingança são um filão explorado quase à exaustão pela cultura pop em produções que vão desde adaptações diretas do clássico da literatura ‘O Conde de Monte-Cristo’ a produções televisivas que tem no cerne o mesmo deleite revanchista, como a série ‘Revenge’ e as novelas brasileiras ‘Avenida Brasil’ e ‘O Outro Lado do Paraíso’. Mas se enganam aqueles que acreditam que, por se tratar de uma produção que abraça um tema tão conhecido dos fãs de cultura pop, a série coreana entrega uma trama previsível. Na verdade, a série não se cansa de surpreender seu espectador com um texto afiado e um enredo repleto de reviravoltas.

Do lado de cá do mapa, também causam surpresa as reações imprevisíveis dos personagens criados por Kim Eun-sook e An Gil-ho. Acontece que a série retrata cultura e costumes muito diferentes dos nossos, o que faz com que ‘A Lição’ traga ao espectador ocidental, ainda pouco familiarizado com os K-dramas, um irresistível sabor de novidade.

Bullying, um problema que está longe de ser só ficção

A experiência de assistir ‘A Lição’ proporciona um excelente entretenimento, mas também provoca necessárias reflexões acerca da banalização da violência nas escolas. Assim como acontece na série, o bullying pode, à longo prazo, desencadear uma espiral de sofrimento e violência.

Na Coréia do Sul, o bullying nas escolas é um problema que inspira preocupação em âmbito nacional. Nos anos 1990, a sociedade sul-coreana viu disparar os índices de automutilação e mortes autoinfligidas praticadas por jovens que foram vítimas de agressões no ambiente escolar, e isso fez acender um alerta para a urgência de acompanhar com mais interesse o cotidiano de crianças e adolescentes nas instituições educacionais do país. A partir daí, constatou-se que a violência, em suas mais variadas manifestações, é prática habitual entre os estudantes e tem aumentado significativamente ao longo do tempo. A esse comportamento foi dado o nome “wang-ta” — termo cunhado pelo pesquisador Hyojin Koo em 2005 durante seus estudos sobre o bullying em instituições de ensino da Coréia do Sul.

A banalização da violência entre os adolescentes tem sido retratada por inúmeras produções do audiovisual na Coréia do Sul desde que o tema passou a ser mais debatido. Outro exemplo, além do já citado, é o drama adolescente ‘All Of Us Are Dead’, também da Netflix, que retrata um ambiente escolar hostil, propício a diversos tipos de violência e entregue à “supervisão” de adultos no geral omissos e negligentes.

Imagem da série ‘All Of Us Are Dead’ / Credito: Divulgação.

O Bullying a perpetuação da violência

O bullying, no entanto, está longe de ser um problema que aflige apenas a Coréia do Sul. No ocidente, mais especificamente no Brasil, serviu de alerta para o tema a estarrecedora escalada de violência que culminou em bárbaros ataques em escolas de vários estados brasileiros. Muitos desses ataques tiveram o bullying como origem.

Josie Conti, que é psicóloga e idealizadora do site Conti Outra, caracteriza o bullying como uma série de comportamentos que, de forma intencional e sistemática, tem como objetivo intimidar uma pessoa, gerando sofrimento físico e psicológico. Ela explica que há grupos de pessoas mais propensas a serem vítimas dessas violências: “Normalmente, os alvos preferenciais dessas práticas são aqueles que, de alguma forma, destoam do grupo médio em aspectos como: altura, idade, condição financeira, raça, traços de personalidade, entre outras coisas.”

Ainda de acordo com a psicóloga, as consequências do bullying para aqueles que o experienciam podem ser devastadoras: “Devido ao fato de o abuso acontecer com frequência, a pessoa vitimizada tem seus recursos emocionais minados gradativamente. Afinal, em teoria, podemos superar um episódio de desrespeito que acontece uma vez, mas o que acontece se formos constantemnte humilhados, maltratados, e/ou físicamente agredidos? Nesse caso, aumentam as probabilidades de que essa pessoa desenvolva um transtorno psiquiátrico.“.

A profissional alerta para a necessidade de acompanharmos de perto não somente os adolescentes que são vítimas do bullying, mas também os que o praticam. “Muitas das pessoas que utilizam a violência como forma de expressão também sofrem ou já sofreram agressões em casa, na escola ou em outros ambientes que frequentam. Logo, em um local em que não são as vítimas do abuso, essas mesmas pessoas podem ser tornar os abusadores, porque aprenderam que essa é a forma de subjugar e gerar obediência. Ou, indo até mais longe, a violência pode se tornar uma forma de sobrevivência. É por isso que, não raro, ouvimos que o autor de um ataque violento a uma escola foi vítima de bullying. Quando isso acontece, temos o ciclo da violência instalado: vítimas que se tornam abusadores.”.

Crédito da Foto: Reprodução.

Como lidar com o problema e interromper o ciclo da violência?

Na tentativa de frear a escalada de violência nas instituições de ensino, o governo sul-coreano anunciou, em 2016, que o histórico de bullying passaria a ser levado em conta no processo de admissão em universidades de todo o país.

A partir dessa medida, os registros disciplinares de casos graves passaram a ser arquivados pelo dobro do tempo atual, indo para quatro anos. O intuito é fazer com que os agressores também desvantagem também no campo profissional.

A medida foi adotada depois que o gabinete presidencial vetou a nomeação de quem estava cotado a ser chefe de investigação nacional após o surgimento de acusações de bullying ao filho dele.

No Brasil, os recentes ataques a escolas representam um chamado para que as autoridades responsáveis finalmente se proponham a pensar maneiras de lidar com este problema tão antigo que pode resultar em situações extremas.

Para Josie Conti, combater o bullying nas escolas envolve um trabalho multidisciplinar: “Se faz necessário um amplo trabalho de conscientização. De forma alguma podemos minimizar, muito menos negar a existência do problema. Enquanto sociedade, precismos ter uma compreensão maior sobre como se dá a violência nas escolas e sobre as implicações para aqueles que sofrem dessa violência sistemática. Essa tomada de consciência precisa abranger as políticas públicas, o ambiente estudantil e o ambiente familiar, pois a causa também é multifatorial e envolve todas as esferas.”

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Felipe Souza para a Conti Outra.
Imagem de capa: Reprodução.

Felipe Souza

Felipe Souza é escritor, jornalista, editor de conteúdo para a internet e agora também podcaster. E, além disso, um leitor voraz e um curioso sobre os mais diversos assuntos.

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