Eles aparecem e ganham vida de forma natural e comum. Já estão todos aqui. Vêm de uma só vez, mas ainda não se apresentaram. Acontecem, são como gente de verdade, muito reais. Jogados ao mundo como personagens, para que as pessoas os experimentem. Todos. Preciso expô-los, reinventá-los, atirá-los para fora de mim, dar-lhes vida nos cenários da imaginação.
Papel e caneta na mão. Ou notebook para quem já se acostumou com a musiquinha legal do toc-toc/ toc-toc-toc/ toc/ ritmados, seguros e velozes como o pensamento. Eles logo vêm. Eles que são meus personagens.
É estranho montar, construir elencos diversos em que eles ficam tão desorganizados como uma família-problema, passam por momentos complexos e vão se encaixando nas situações da vida. Não há fórmulas ou artifícios para se organizar todos eles dentro de um universo ainda imaginário, porque eles são ambíguos em suas essências, viajantes na pretensão ousada da vida.
E eles, quando nos pegam, quase sempre desprevenidos dentro da gente, é melhor corrermos para buscar o entendimento de como se organizam com tamanho tato dentro de outro ser. Eles podem nos escapar e nunca mais voltarem. Mas precisamos deles para descobrir nossas verdades encobertas.
Esses nossos segundos elementos que possuem suas próprias companhias à disposição – e é sempre difícil conviver com nós mesmos dentro da gente -, como eles sabem fazer tudo isso, criar algo com tanta sede de vida? Não sabemos. É um truque inato. Estamos caminhando junto com eles. É o ato de nos vermos como realmente somos.
Está agora tudo anotado, como num caderninho antigo que temos o maior prazer ao abrir depois de um certo tempo de mudanças em nossas vidas, a casa nova, o novo amor, a nova vida reinventada. É isso: enredos, personagens soltos, ambientações, traços físicos e psicológicos, longas caminhadas dentro de cada ser-personagem, tudo intercalado com nossos momentos de criação e vivência de todos os nossos atos. Temos o hábito de gritar ou nos calarmos por completo diante das grandes descobertas.
E para quem me deu a ideia – da criação de um banco de dados intempestivo, cruel, fascinante e devastadoramente humano de personagens –já está aqui e agora como a minha maior invenção de todos eles; ele será o homem em busca do seu tempo, sempre andando com uma câmera na mão, captando o fragmento do seu momento nem sempre visível.
Para ele, alguma coisa, algo estranho como sombras dançantes aparecem em suas fotografias em preto e branco. Ele as revira, de lá para cá, olha-as sob a luz forte e artificial, mas nada deduz da liquidez estranha que ali persiste. Ele segue o movimento leve das suas mãos misturadas aos seus passos apressados diante do seu olhar captando toda a atmosfera ao redor. E onde foram parar as suas marcas? As marcas reais do seu coração mirando o infinito? Nem ele sabe. Está tão impregnado desse mundo que só ele percebe.
Nota: A imagem de capa é uma homenagem ao filme “A menina que roubava livros“
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