Ao contrário do que se pensa, a anorexia nervosa é um transtorno muito antigo, que pode ser observado já no século VIII, com a história de Santa Vilgefortis, que desejava entrar para um convento, mas foi prometida pelo pai em casamento a um nobre devasso, o que a levou a um jejum rigoroso, para se tornar feia ao pretendente. E os casos da chamada anorexia santa se repetiram: Santa Clara de Assis, Santa Rosa de Lima, Santa Verônica Giuliani, Santa Catarina de Siena. Mas nenhuma delas jejuava ou praticava restrição alimentar severa em busca de um corpo magro, o que pretendiam era a purificação do espírito e a comunhão com Deus.
Da Idade Média aos dias atuais, a lista vem aumentando: modelos, como Ana Carolina Reston, escritoras, como Katherine Anne Porter, atrizes, como Jane Fonda, Sally Field e Keira Knightley, cantoras, como Juliette Greco e Karen Carpenter, e membros da realeza, como lady Diana Spencer e Victoria Désirée Bernadotte (filha do rei Gustavo da Suécia), famosas ou anônimas, a dor das anoréxicas é a mesma. Os motivos para a privação alimentar mudaram, acompanhando as transformações culturais e sociais, mas se percebe em comum o controle do corpo, o domínio da vontade. Santas ou profanas, todas parecem fugir de algo que lhes causa profundo sofrimento, e, para alcançar esta libertação, optam pelo martírio de um corpo que as trai e que querem tornar imperceptível.
A anorexia nervosa desenvolve-se principalmente em adolescentes e mulheres jovens, mas há casos entre os homens. Os critérios para o diagnóstico do transtorno são: medo intenso de ganhar peso, mantendo-o abaixo do mínimo considerado saudável para a idade e a altura; dietas severas, com restrição principalmente de alimentos de alto valor calórico, como massas e doces; pular as refeições, com a desculpa de estar sem fome; cortar a comida em pedaços pequenos, mexer a comida no prato em vez de comer; recusar-se a comer na frente de outras pessoas, em festas e reuniões; fazer uso de laxantes, diuréticos ou fórmulas para emagrecer; praticar exercícios físicos em excesso, pesar-se e tirar medidas com frequência, vomitar, fazer uso de enemas; a menstruação torna-se irregular até a interrupção completa (amenorreia); sensação exagerada de frio; mudanças de humor, como irritabilidade, tristeza etc.; insônia e cansaço constante.
O diagnóstico é difícil porque a pessoa nega o problema enquanto pode, e muitas vezes o transtorno é percebido pelo dentista, por exemplo, porque, devido aos repetidos episódios de vômito, o esmalte do dente é corroído pelos ácidos estomacais. Muitas mulheres apresentam feridas nos dedos e no dorso da mão, provocadas pelo atrito com os dentes no ato de induzir o vômito. A anorexia interfere no crescimento e desenvolvimento normais, é causa de muitos problemas orgânicos (cardíacos, renais), que vão se tornando mais graves à medida que o transtorno piora, e pode levar à morte.
Um comportamento de risco associado é o abuso de álcool, com a bebida funcionando como substituto da comida, na tentativa de se perder a fome. É a anorexia alcoólica, ou drunkorexia, condição ainda não reconhecida, mas uma realidade preocupante. Sendo um transtorno que tem início na adolescência, os pais devem ficar atentos a mudanças de comportamento dos filhos, que demonstram preocupação excessiva com o peso, a forma do corpo, vendo gordurinha e culotes que não existem. É importante também que os pais não sejam críticos nem reproduzam, com atitudes ou comentários, os modelos estéticos veiculados pela mídia. Indica-se que a família acompanhe a terapia, para que todos compreendam melhor o transtorno e possam auxiliar na recuperação de uma pessoa querida que some a olhos vistos e para quem a magreza nunca é suficiente.