Desde criança ouvimos dizer que não existe nada melhor e mais bonito do que a maternidade, que o amor de mãe é único e imensurável.

A mãe, as avós, primas, tias e vizinhas que são mães, tecem comentários sobre a grandeza do amor da mãe pelos seus filhos e assim vamos ensaiando para a vida adulta nas brincadeiras de crianças. Brincamos de casinha, mamãe e temos uma porção de “filhinhas”. Carregamos nossas bonecas-filhas com carinho, trocamos fraldas, alimentamos e colocamos para dormir.

Escutamos sempre que os nove meses de gestação são mágicos, a mulher fica mais bonita, alegre, confiante, olhos e cabelos mais brilhantes. E vamos absorvendo durante boa parte da vida o que ouvimos sobre a felicidade de ser mãe.

Entretanto, quando chega a hora que resolvemos sentir todas as maravilhas da maternidade, a realidade é diferente. Muitas vezes o problema se inicia nas tentativas para engravidar, muitas mulheres têm dificuldades, mas aprendemos na escola que se esquecer de tomar o anticoncepcional um dia, engravidamos. E muitas mulheres com essa dificuldade se perguntarão: “Não sou merecedora de sentir tão nobre amor?”

Outras tantas quando conseguem engravidar, abortam, pois a taxa de aborto é uma gestação em cada quatro (25%), mas não nos contaram muito bem sobre essa possibilidade. E quando isso acontece nos perguntamos: “O que há de errado com o meu corpo que não é competente para gerar um filho?”

E quando conseguimos engravidar e manter a gestação há muitas sobrecargas como exames infindáveis, ultrassons e consultas médicas que se misturam aos compromissos do trabalho, casa, namorado-marido, social, religioso, enfim todos os outros compromissos da vida se somam aos compromissos da mulher que agora é gestante. E, por mais incrível que seja sentir o bebê mexer, é estranho pensar que carregamos um bebê dentro de nós, ao menos eu me sentia estranha em pensar que carregava mais duas pernas, dois braços, coração, rins, pulmões e todo o resto que compõe um ser humano, mas que não pertencia a mim e sim ao meu filho, sentia-me duplicada.

No final da gestação estamos bem cansadas, sem dormir, seios enormes, barriga imensa e sem ver as partes íntimas e nem nossas coxas. Temos dores nas costas, passamos a maior parte do dia e da noite no banheiro para fazer xixi e parece que até um botijão de gás está mais elegante vestindo sua charmosa “capinha” do que nós com as melhores roupas de gestante.

E por tudo isso e mais dezenas de outras coisas, muitas vezes nos sentimos desorientadas, tristes e depois culpadas, afinal sempre ouvimos dizer que a gestação é maravilhosa e então pensamos: “Talvez eu seja diferente das outras mães, pois não me sinto tão bem quanto descreveram que uma gestante deve se sentir”.

Então, chega o grande dia de conhecer e sentir o filho que carregamos durante toda a gestação. Esse é um momento mágico, indescritível, finalmente ver a carinha do filho que até então estava na barriga. Muitas vezes o parto não é parecido com o que imaginamos que seria, mas nesse momento nem pensamos nisso, afinal o grande encontro aconteceu.

E é chegada a grande hora da primeira mamada, na maioria das vezes é um desastre, mas sempre nos disseram que era automático. E as recém-mães pensam que o problema é com elas, que não produziram leite ou não têm talento para a amamentação.

E o recém-nascido, o mais novo membro da família, exige outra rotina, mamadas de três em três horas, banho, troca de fraldas. Tem o choro, as cólicas e tudo faz com que as nós, as mães, fiquemos cansadas, em dúvida se estamos fazendo tudo certo, afinal as outras mães não nos contaram detalhadamente sobre todas as necessidades de um ser tão pequenino.

O tempo vai passando, a recém-mãe vai conhecendo o seu bebê e a casa vai entrando numa rotina própria. O bebê também vai se adaptando com o ritmo da mãe, do pai e começa a perceber como funciona o seu pequeno mundinho e o que esperar dele quando tem fome, sono ou precisa trocar a fralda.

Ser mãe é padecer e muito, e talvez o paraíso esteja nos sorrisos dos filhos, nas gargalhadas, numa alegria que ele sinta, nos abraços e beijos que nos dão, quando um beijo nosso cura seu dodói, quando espantamos os monstros debaixo da sua cama para que possam dormir sem medo e são infindáveis esses pedacinhos de paraísos.

Provavelmente, depois que a vida se acomoda novamente e as alegrias que sentimos com os filhos acabamos perdendo as lembranças do quanto foram difíceis alguns momentos desse processo.

Entretanto, penso que não devemos nunca esquecer as dificuldades, dúvidas, tristezas, receios e angústias que já sentimos e sentiremos gestando e sendo mãe, pois mesmo em tempos atuais, a gestação e a maternidade são romanceadas.

Alerto todas às gestantes e futuras gestantes que como tudo na vida, não é só bom e maravilhoso gestar e, para exercer a maternidade, há o lado ruim também como: angústia, tristeza, medo, insegurança e ansiedade, mas isso faz parte desse processo e também é saudável.

E o dia em que nós mulheres e mães pudermos dizer abertamente e sem culpa que a maternidade é a coisa mais gostosa do mundo, mas também a mais angustiante, que é um amor inexplicável, mas ao mesmo tempo penoso, que é uma sensação de êxtase, mas também de renúncia certamente haverá menos culpa nas recém-mães e consequentemente menos depressão pós-parto e a certeza de que os sentimentos negativos relativos à gravidez e maternidade fazem parte do processo de tornar-se uma boa mãe.

Elisangela Siqueira

Psicóloga com especialização em Psiquiatria e Psicologia da Infância e da Adolescência e em Psicoterapia Psicanalítica Breve. Mais de 10 anos de experiência. Atendimentos presenciais e online.

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