A Mulher X, quando o X vira outra coisa

Sou uma mulher da geração X. Contudo me conjugaria como uma mulher da geração X cujo X transformou-se depois de certo tempo em outra coisa, se é que isso é possível. Talvez não tenha sido apenas eu, contudo descobri com o passar dos anos que o que ensinaram às mulheres da minha geração, algo sobre a felicidade morar em caminhos distantes da vida da casa, era na verdade um sonho de mulheres que vieram antes de nós.

Mas de onde veio isso de X? Bom, essa denominação foi criada por Robert Capa em 1950 para classificar uma geração de jovens, com certa crise de identidade e com um futuro “incerto”, nascidos depois da segunda guerra mundial. Hoje homens e mulheres dessa geração tem entre 30 e 50 anos.

E, para nós mulheres X, o mundo se transformou de forma bem mais rápida que para nossas mães e avós.

Nós nascemos antes dos computadores serem usuais e para escrever algo que não fosse de próprio punho usávamos máquinas de datilografar. Fizemos cursos de línguas e de datilografia, dançamos jazz e balé, mandamos cartas pelos Correios e fomos educadas de forma a acreditar que o mundo seria nosso desde que não fincássemos os pés nos redutos do lar.

Crescemos rodeadas por avós que viveram para cuidar da casa, do marido e de seus filhos e nossas mães, empregadas fora ou não, nos fizeram crer que a felicidade era estudar, se graduar, encontrar um trabalho rentável e ser feliz com o dinheiro que dispuséssemos para nosso bel-prazer.

Ninguém mencionou um amor de verdade e possíveis filhos. Eles seriam para um outro tempo que demoraria muito para chegar, segundo eles.

Fomos ensinadas a tomar nossa carreira como prioridade e nosso círculo de amizades acabou ficando lastimavelmente restrito e vinculado ao nosso trabalho. Dissemos adeus aos amigos de infância, prometendo voltar, contudo nem sempre regressamos.

Sacrificamos vínculos para acompanhar o trabalho, protelamos relações e idealizamos o homem perfeito. Classificamos como de um tremendo mau gosto filmes nos quais as mulheres escorregavam para serem arrastadas por mocinhos. Fomos educadas para sermos as mocinhas de nossas próprias vidas. Era só tocar a vida em frente que o mundo se renderia à nossa perspicácia e o amor viria irrevogavelmente sem que a gente precisasse prestar atenção nele.

Tudo nos pareceu perfeito, até que no final do arco-íris não encontramos pote algum. Fomos a inúmeros eventos e o príncipe não apareceu. Esperamos ser tiradas para dançar, mas nunca ninguém nos fez um convite. No trabalho descobrimos que nem sempre éramos essenciais e a ideia de que éramos insubstituíveis acabou caindo por terra.

Os amigos do trabalho, atarefados assim como nós, acabaram postergando reuniões festivas em prol das horas extras. Adotamos séries televisivas, livros e a internet como boas companheiras.

Ouvimos nossos pais dizerem, em determinado momento, que esperavam mais de nós, pois fomos deles um depósito de vastas expectativas. Fomos criadas como mulheres maravilhas com super poderes, para depois de um tempo descobrirmos que éramos mortais, feitas de carne, osso e sentimentos e que precisávamos revisar nossas emoções urgentemente.

E ao deixarmos de estar sempre apressadas, ao largarmos mão de procurar uma razão para essa ânsia de atender às expectativas dos outros, passamos a ouvir lá ao fundo um coração.

Um coração que batia apressado e assustado ao notar que nunca foi realmente nosso o caminho que seguíamos. Que a felicidade não morava onde disseram que morava.

Então demos meia-volta e, no sentido contrário, cruzamos com inúmeras mulheres da mesma geração que acharam consolo onde não pudemos encontrar. Começamos a trilhar o caminho inverso, voltando de onde partimos. Regressamos ao reduto do lar. Passamos a desejar o melhor de nós nos outros. Perdemos o medo de cuidar. Perdemos o medo de amar.

Descobrimos que o amor era bem diferente do que nos haviam contado. Descobrimos que o amor precisava de atenção e cuidados diários, que podia ser um amor de iguais. A dança aconteceu. Os filhos vieram. A decepção dos que esperavam “mais” tornou-se evidente. Mas dessa vez já não tínhamos que explicar nossas decisões, elas finalmente eram nossas e não atendiam às expectativas dos outros.

Nossas escolhas deixaram de ser egoístas e passaram a morar no partilhar. E o nosso mundo começou a fluir de tal forma que nós nos afastamos daquele velho caminho a ponto de nos esquecermos que houve um dia no qual lamentavelmente quiseram que fôssemos mulheres biônicas.

“Palavras são mágicas, são como encantamentos sublimes que nos levam para onde quisermos, seja esse onde um lugar ou uma pessoa”. Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Vanelli Doratioto

Vanelli Doratioto é especialista em Neurociências e Comportamento. Escritora paulista, amante de museus, livros e pinturas que se deixa encantar facilmente pelo que há de mais genuíno nas pessoas. Ela acredita que palavras são mágicas, que através delas pode trazer pessoas, conceitos e lugares para bem pertinho do coração.

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