Instrumento poderoso é a peneira. Capaz de remover as imperfeições, as sementes, os bagaços. Simplesmente, retira o que está atrapalhando e conserva o que é bom e interessante.

A peneira filtra, purifica, limpa. Facilita a vida. Ela seleciona, escolhe, separa, destaca. Grande, média ou pequena, não importa. A praticidade e a eficiência de uma boa peneira são indiscutíveis. Se na cozinha ela é útil, na vida muito mais…

Ultimamente, a vida tem me ensinado a peneirar minhas pessoas. Engana-se quem pensa que passo todas juntas em uma peneira gigantesca, na esperança de selecionar as melhores. Todas as pessoas da minha vida têm algo maravilhoso para me oferecer.

A peneira me ajuda a focar nisso e não no lado mais obscuro delas. Então, procuro passá-las, uma a uma, em uma peneira invisível que seleciona o melhor de cada exemplar, enquanto deixa o restante ir. O que me acrescenta, aproveito. O que me diminui, elimino. Tudo aquilo que não me agrada, que não me agrega ou que faz minha admiração por alguém diminuir, ponho no lixo. Porém, tudo aquilo que engrandece a pessoa, absorvo e uso ao meu favor para nutrir e fortalecer minha alma.

Estou tentando conviver bem com as imperfeições dos outros porque eu mesma sou imperfeita e incapaz de oferecer coisas boas ao mundo o tempo todo. Estou tentando não tentar mais modificar ninguém. Cada um dá o que tem. E todas as pessoas à minha volta têm uma imensidade de qualidades. Não posso deixar o que me desagrada nelas prevalecer. Eu as amo apesar das diferenças. Tudo aquilo que vem delas e me fere, simplesmente, tento deixar ir. Tudo aquilo que nelas me agrada, guardo em mim e me torno melhor.

Na cozinha, esse processo é rápido e fácil. Na vida, nem sempre é assim. Colocar parte de alguém no lixo,me afeta demais. Muitas vezes, é doloroso olhar aquele ser amado e ver que há tanto nele que poderia ser diferente… Mas, as pessoas só mudam quando elas próprias sentem essa necessidade. Percebi que sou impotente.

Não tenho armas para promover a mudança alheia. E, se as tivesse, talvez não fosse algo justo de se fazer, afinal, o que é um defeito aos meus olhos, pode ser uma virtude aos olhos do outro. E, se tenho minhas razões para achar que estou certa, o outro também as tem. É preciso agir com cautela quando o assunto é precioso. E não há nada mais precioso, para mim, do que minha coleção de pessoas.

Se pararmos para pensar, a própria vida seleciona quem vai passar por cada um de nós. Até o destino usa peneira. Por isso, entre tentar modelar alguém ao meu jeito ou peneirar, fico, hoje, com a segunda opção. Acontece assim: a pessoa se mostra para mim e eu escolho com qual parte dela ficar e qual parte dela ignorar.E, de quebra, também me permito ser peneirada.

Admito que há coisas em mim que merecem um único destino: o lixo. Em compensação, há tantas beleza sem meu ser que só devem parar mesmo no coração dos outros.

Esses tempos, andei peneirando os sentimentos também. Resolvi que sou eu quem decide o que me afeta e o que só passa por mim. Eu defino com o que quero conviver por dentro. Eu sou a dona da peneira. E, de tanto peneirar, tive que expulsar uma velha companheira: a culpa. Mas a culpada foi ela, por insistir em me tirar a paz sem deixar nada de bom no lugar. Cansei de esperar seu lado doce aparecer.

Mas, em compensação, convidei um quase desconhecido para viver comigo: o perdão. Esse, sim, vem preenchendo muitos vazios e me fazendo entender um bocado de coisas. Perdoar o outro e perdoar a mim mesma é algo que me renova e que me faz aceitar e crescer. O perdão enche meus pulmões do mais puro ar. Ele me deixa ser quem sou e permite que os outros sejam quem são, sem mágoas. E assim, tenho convidado a leveza para fazer parte da minha vida.

Penso que fiz bom negócio. Sinto que sou dona de mim mesma. Sinto que sou poderosa. Mas, poderosa mesmo é a peneira: facilitadora de vidas dentro e fora da cozinha.

Imagem de capa: crazymedia/shutterstock

Grasiela Bernardes

Educadora com formação em Letras Português/Inglês e foquei minha carreira na alfabetização durante quinze anos. Porém, um câncer de boca (localizado na língua) me afastou da sala-de-aula e me fez descobrir o dom que adormecia em mim: a escrita. A doença me deu tempo e uma história para contar. Resolvi registrar no papel como o câncer me curou, transformando-me em alguém melhor. Assim nasceu o livro Impactos do Câncer, que foi lançado no final de 2015. Desde então, sigo escrevendo sobre o que meu coração manda, porque sinto que é essa a contribuição que sei deixar para o mundo.

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