Não abre? Mas que bobagem! Ela entra assim mesmo, mete o pé na porta e entra, forte, grosseira, insana. Melhor seria se tivesse sido convidada a entrar.
A raiva não sabe ser bem recebida. Ela quer briga, quer enfrentamento. Quer a razão, mesmo sem nenhuma razão. A raiva é de todos, frequenta todas as casas, algumas com uma frequência inacreditável.
Ela nasce de uma contrariedade, de uma topada, de uma negativa, uma esnobada, um objeto invejado. Ou ela nasce forte, explosiva, tempestuosa, ou tímida, sonsa, vingativa.
Todo mundo sente raiva. Mentira quem diz que não sente. Covardia de quem prefere se dizer superior. A raiva vem. Ela entra, ela se apossa, ela invade os melhores pensamentos e tira do sério as mais doces virtudes.
É normal sentir raiva. Como é normal sentir fome.
Não é normal cultivar a raiva. Nem segurar a raiva. Nem abrigar, fazer ninho, trancafiar, alimentar, engordar a raiva.
Ela chega, entra, bem-vinda ou não, e vai-se, depois de cumprido seu ciclo.
Tão natural como sentir sono e dormir. Não deixar a raiva ir quando ela já está passando, é como se recusar a dormir quando o corpo está implorando por descanso. É autoflagelo .
A raiva obrigada a ficar vira neurose. Fica compulsiva. Já não consegue mais escutar os argumentos e as explicações da vida.
A raiva liberada sem traumas vai embora silenciosa. Muitas vezes deixa um pedido de desculpas pelos excessos. Em outras, promete demorar a voltar. Oferece seu lugar à tolerância.
A raiva prisioneira se transforma em capataz dos sentimentos. Não deixa mais nenhuma virtude entrar. Mergulha a criatura em vinagre, chacoalha bem, diária e demoradamente.
Quando for inevitável, quando ela chegar e começar a se esparramar, vale tentar um truque que costuma dar muito certo: Abra a porta! Quanto mais bem recebida e mais compreendida, quanto mais aceita como normal e até necessária em alguns casos, mais breve será a visita, e mais comedida será a reação.
Afinal, educação e cordialidade deixam até os rosnados mais suaves.
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