Por Maria Cristina Ramos Britto

Platão afirma que “Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.” Começo o texto com essa frase do filósofo ateniense (c. 427 a.C.-347 a.C.), discípulo de Sócrates, por ela ser cristalina em sua mensagem: às crianças é compreensível a ignorância, que será substituída por conhecimento ao longo do desenvolvimento, mas, dos adultos, se espera compreensão dos fatos da vida e capacidade de enfrentá-los com maturidade. É o ciclo natural da existência: o mais experiente cuida daquele que está dando os primeiros passos na vida, suprindo suas necessidades básicas, físicas e emocionais.

Mas, como se vê no consultório, a história real é bem diferente, porque, afinal, se existe acesso fácil a orientações que esclarecem as dúvidas dos pais, por que eles parecem cada vez mais confusos em relação à educação dos filhos? E, principalmente, por que as crianças se tornaram seres necessitados de medicação ou terapia, alvos de diagnósticos psiquiátricos e pesquisa médica? Do Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade à massiva prescrição da ritalina (droga estimulante da família das anfetaminas), a medicalização da infância tem se tornado motivo de preocupação para muitos profissionais de saúde. O que começou como tratamento para dificuldades de concentração e/ou hiperatividade transformou-se em solução para problemas de comportamento.

Crianças têm capacidade de compreensão das situações e respostas às mesmas que variam da idade à maturidade emocional, esta sendo adquirida através da educação e dos estímulos vindos do meio ambiente. Um desenvolvimento adaptativo vai depender então da forma como são tratadas, e, da mesma forma, não se pode esperar delas reações incompatíveis com sua idade. Ou seja, crianças não são adultos em miniatura, e ficarão confusas, deprimidas ou irritadas diante de situações estressantes ou desconhecidas, da separação dos pais à mudança de escola ou à perda de uma pessoa querida, porque os mecanismos para lidar com frustrações e dificuldades são adquiridos com a intermediação dos cuidadores.

E quando esses pais não têm preparo, tempo ou paciência para cumprir suas funções acabam por terceirizá-la, incumbindo dela a televisão e os aparelhos eletrônicos, a creche ou a babá, mais tarde a escola e a psicóloga, em alguns casos. Quando se substitui o convívio familiar pelo isolamento de seus membros na internet; as refeições em família pelo hábito de cada um comer na hora que quiser; uma alimentação saudável por preparados industrializados, pela praticidade; brincadeiras e a socialização pelos jogos eletrônicos; atenção e afeto por bens materiais e pretender que nada disso tenha consequências é apostar alto demais na sorte. Portanto, não é de espantar que crianças precocemente diagnosticadas como portadoras de transtornos, com sobrepeso ou obesidade, cheguem à adolescência entediadas e infelizes, com problemas de autoestima e comportamentais.

Antes de rotular uma criança, imputando-lhe um problema psicológico e, a partir dele, submetê-la a tratamento, deve-se dar voz à sua história, ouvindo suas necessidade, escutando-a e não calando seus desejos com comida ou presentes, além de avaliar o que está provocando os sintomas e observando seu contexto social. Crianças precisam de rotina, estrutura e regras claras. Mesmo nos casos de real problema, não basta medicar: a família tem papel determinante no tratamento da criança.

Diagnósticos têm sido feitos de forma indiscriminada, pela dificuldade de lidar com crianças que questionam as regras, são curiosas e fantasiam, características que já foram apreciadas e consideradas normais em outra época, mas que hoje, com a cultura da massificação e do pensamento único, incomodam. Uma conclusão: não é brincadeira ser criança nos dias atuais.

Maria Cristina Ramos Britto

Psicóloga com especialização em terapia cognitivo-comportamental, trabalha com obesidade, compulsão alimentar e outras compulsões, depressão, transtornos de ansiedade e tudo o mais que provoca sofrimento psíquico. Acredita que a terapia tem por objetivo possibilitar que as pessoas sejam mais conscientes de si mesmas e felizes. Atende no Rio de Janeiro. CRP 05/34753. Contatos através do blog Saúde Mente e Corpo.

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