Hoje, ao invés de um texto mais pautado nas teorias psicológicas, gostaria de dividir com vocês uma das histórias que vivi e acompanhei durante a minha trajetória profissional, e que ainda faz com que eu possa realmente acreditar em uma mudança significativa em crianças e jovens que passam por situações de vulnerabilidade social através de uma ação empática e criativa.
Há quase 10 anos, idealizei e desenvolvi com alguns amigos, um projeto que tinha como objetivo, através da arte da animação, melhorar a autoestima e estimular a inclusão digital de crianças de uma ONG que eu já conhecia como estagiária quando cursava a faculdade de Psicologia.
A empreitada durou um ano e inicialmente o que víamos, eram crianças que não acreditavam em si mesmas, em seus talentos e habilidades. Que desconfiavam dos adultos, especialmente quando eles a elogiavam ou acreditavam em seu potencial.
Certo dia, estávamos fazendo uma atividade na área externa da casa e de repente algumas crianças começaram a se alvoraçar em volta de algum bicho que havia surgido ali… me lembro delas exclamando:
– Mata! Mata! – Que bicho feio! – Credo, que nojo!
Quando me aproximei para ver o que era, percebi que era uma lagarta! Sua cabeça era bem maior que o resto do corpo e isso dava a ela, um jeito ainda mais monstruoso e desengonçado. Sentei ao lado das crianças e pedi para elas pararem um pouquinho para me escutar antes de matarem o “monstro”.
Foi então que contei para elas a história da lagarta e da borboleta. De que aquele bicho aparentemente feio e esquisto, era na verdade um ser em pleno processo de transformação. Que em breve, ele sentiria a necessidade de parar de comer e rastejar e que então, se colocaria em alguma àrvore ou parede e ali faria um cásulo. Depois de um tempo, ele ficaria totalmente diferente, seu corpo diminuiria e cresceriam asas em suas costas. E elas aumentariam tanto que sua força romperia o cásulo e ela sairia voando, mas agora como uma linda borboleta.
Quando terminei minha história, percebi ao meu redor um silêncio que não era corriqueiro. As crianças pareciam encantadas com aquela possibilidade de transformação. Algumas não acreditavam na minha história…mas, aí outras diziam: “A tia sabe!”
E então, ocorreu uma reviravolta! De condenada à sentença de morte, a “largata-monstra” passou a ser protregida, admirada, fotografada e celebrada!
A história passou, voltamos ao nosso trabalho e pouco a pouco fomos vendo as mudanças começarem a acontecer em nossas crianças. Elas não só passaram a aceitar os elogios que vinham de nós, como se mostravam mais participativas, autoconfiantes e afetivas.
Foi então que nos demos conta que, ao final de um ano de trabalho, outra reviravolta havia acontecido: nossas crianças tinham conseguido viver o símbolo da transformação dentro de si! Foram verdadeiros meninos e meninas-lagartas, que após um longo processo de reconhecimento dos próprios talentos, da assimilação de novos conhecimentos, da possibilidade de serem reconhecidas e aceitas por um Outro apesar das aparências e, também, de se aceitarem e se autocuidarem, se transformaram em lindas borboletas prontas para alçar novos voos, agora com sonhos e inspirações.
Faz anos que não tenho notícias das minhas crianças-borboletas. Mas, desejo do fundo do coração que as mudanças que viveram durante àqueles nossos encontros tenham perdurado dentro delas e que hoje, suas almas sejam livres e batam asas mundo a fora para realizar seus potenciais de vida.
Quanto a mim, posso afirmar que essa experiência me transformou para sempre! Guardo em mim cada um de seus rostinhos, cada aprendizado e especialmente a esperança de que podemos fazer muito mais para construir o mundo que tanto idealizamos! Basta que olhemos para além das aparências, que acreditemos nos potenciais encobertos e que nos engajemos verdadeiramente em ações que valorizem a vida, ao invés de sentenciarmos à morte quem ainda está em franco processo de crescimento e evolução.
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