JORNALISMO

A triste história real por trás da série ‘Os Quatro da Candelária’

A minissérie brasileira Os Quatro da Candelária tem feto muito sucesso. Em poucos dias, já alcançou o topo do ranking das produções mais vistas na Netflix Brasil. A série de quatro episódios revisita a dolorosa história da Chacina da Candelária, um massacre ocorrido em 1993 que ceifou a vida de jovens em situação de rua no centro do Rio de Janeiro. A tragédia impactou profundamente a sociedade brasileira e reverberou internacionalmente, levantando questões sobre violência policial, racismo e a vulnerabilidade de pessoas marginalizadas.

Dirigida por Luis Lomenha e Márcia Faria, Os Quatro da Candelária se destaca por sua abordagem sensível, acompanhando as histórias fictícias de quatro personagens inspirados em vítimas reais: Douglas (interpretado por Samuel da Silva Martins), Sete (Patrick Congo), Pipoca (Wendy Queiroz) e Jesus (Andrei Marques). A trama explora os dias que antecederam o massacre, revelando os sonhos e aspirações de cada personagem antes de serem abruptamente interrompidos pelo crime. A série é construída a partir de depoimentos de sobreviventes e familiares, proporcionando uma narrativa autêntica e tocante sobre a difícil vida nas ruas e o racismo estrutural da sociedade.

A Chacina da Candelária

Na madrugada de 23 de julho de 1993, policiais militares à paisana estacionaram dois carros na frente da Igreja da Candelária, no centro do Rio. De lá, desceram e atiraram contra um grupo de cerca de 40 jovens e crianças que dormiam na escadaria da igreja. Oito pessoas perderam a vida naquele dia: Paulo Roberto de Oliveira, 11 anos; Anderson de Oliveira Pereira, 13 anos; Marcelo Cândido de Jesus, 14 anos; Valdevino Miguel de Almeida, 14 anos; um jovem conhecido como “Gambazinho”, 17 anos; Leandro Santos da Conceição, 17 anos; Paulo José da Silva, 18 anos; e Marcos Antônio Alves da Silva, 19 anos.

A investigação apontou que o massacre poderia ter sido motivado por vingança. No dia anterior, uma viatura policial teria sido apedrejada, supostamente por um dos jovens que dormia na escadaria da igreja. Entre as armas usadas no ataque, perícias identificaram três revólveres calibre 38. Testemunhas apontaram os policiais como autores dos disparos.

A Justiça e a Memória

Entre os sobreviventes, Wagner dos Santos foi uma das testemunhas-chave. Ele identificou os policiais Marcos Emanuel, Marcelo Cortes, Cláudio Luís dos Santos e o serralheiro Jurandir Gomes da França como envolvidos no crime. Meses após a chacina, Wagner sofreu uma nova tentativa de assassinato e, em 1996, foi enviado para a Suíça em um programa de proteção a testemunhas.

O ex-soldado Nelson de Oliveira dos Santos Cunha confessou participação no crime e delatou outros policiais. Os julgamentos resultaram na condenação de três agentes: Marcos Emanuel (300 anos de prisão), Nelson Cunha (18 anos) e Marcos Aurélio Dias Alcântara (204 anos). Em 2011 e 2012, indultos judiciais permitiram a liberação dos condenados, que hoje estão soltos. Já os policiais Marcelo Cortes, Cláudio dos Santos e Jurandir de França foram absolvidos.

O Impacto Social e o Papel da Arte

A minissérie Os Quatro da Candelária vai além de narrar os fatos trágicos de 1993. Com uma narrativa sensível e empática, a produção reconta a história da chacina pela perspectiva das vítimas, enfatizando a dura realidade de quem vive em situação de vulnerabilidade social. A série reabre discussões sobre a segurança pública, a violência policial e a falta de políticas efetivas para amparar jovens em situação de rua, mantendo viva a memória daqueles que perderam suas vidas e refletindo a brutalidade enfrentada pelas populações marginalizadas.

Os Quatro da Candelária reforça o poder do audiovisual em revisitar e questionar os capítulos mais sombrios da história do Brasil. Com sua exibição, o caso ganha uma nova camada de discussão e, espera-se, uma lembrança permanente da necessidade de justiça e dignidade para todas as vidas.

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