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A velhice deve ser realmente libertadora.

A idade traz rugas para todos, aprendizado para alguns e humildade para os bons, mas ela também nos leva embora a saúde, boa parte da beleza, do vigor e da disposição. Contudo, penso que o melhor da velhice é que a gente se sente finalmente livre.

A partir de uma certa idade, imagino que nossas preocupações diminuem pela metade, especialmente para nós, mulheres. Se livrar da tirania do salão, não se cobrar de ter que pintar o cabelo a cada 15 dias pra tentar esconder os fios brancos que insistem em aparecer na velocidade da luz, colocar a roupa que bem entender, levando em conta apenas o critério do conforto, não importando se há uma barriguinha saliente, se a flacidez fica evidente, se o colo enrugado está exposto.

Não que se perca a vaidade com a chegada da idade. Conheço muitas pessoas que com o passar dos anos se mantém bem cuidadas e bonitas. O que eu falo é de uma total desobrigação. Desobrigação com aquilo que não tem importância. Acho que a tomada de consciência do tempo que nos resta, indubitavelmente menor do que o que já se foi, faz a gente dar valor àquilo que realmente tem valor. Além disso, depois de tanto tempo convivendo com a gente mesmo, acabamos por nos aceitar mais, apesar de qualquer imperfeição, que, por tanto tempo foi motivo de angústia e desconforto.

Há um certo quê de relaxamento na velhice. Não relaxamento sinônimo de descuido, descaso consigo próprio. Relaxamento no sentido de deixar correr frouxo, de soltar-se e entregar-se à vida. Afinal, depois de certa idade, percebemos que podemos ter conseguido tudo nessa vida, menos a capacidade de controlar as coisas. E essa certeza , além de libertadora, tem um enorme efeito relaxante. É como tirar um grande peso dos ombros… o peso da tintura, da maquiagem, da futilidade, do supérfluo, do sem importância e ficar somente com o próprio peso, que , em geral , é muito mais leve do que se pensa.

Ganha-se outras preocupações, é bem verdade. O medo da morte (antes a gente vivia como se ela não fosse chegar nunca), da solidão, especialmente depois de presenciar a ida de alguns bons amigos e parentes e preocupações relacionadas à saúde parecem ocupar boa parte dos pensamentos nesta fase da vida e dividem espaço com a imensa vastidão da memória das coisas vividas, que de tão extensa, acaba por deletar algumas lembranças. Um esquecimento providencial, típico daqueles para os quais ainda existe a esperança de viver outras histórias e , por isso mesmo, há que se guardar um lugarzinho para esses novos registros.

Há ainda uma alegria despretensiosa na velhice, um sorriso aberto e franco, do qual só são capazes as pessoas que já sobreviveram à algumas dores, pois através delas, aprenderam verdadeiramente a sorrir.

Penso mesmo que há algo libertador na velhice…

E que tem a ver com uma maior consciência de que não estaremos pra sempre aqui. O futuro que, antes, não chegava nunca, está cada vez mais perto e ao mesmo tempo, mostra-se tão incerto que há que se aproveitar o hoje. E o hoje é agora, é já, não há que se arrumar a bagagem como quando vamos fazer uma viagem. Há que se sair sem peso, levando-se o mínimo que puder para poder estar mais leve e aproveitar o máximo do que vier.

Há que se olhar o passado com a clareza de que ele não volta mais e o futuro com a consciência de que ele talvez não venha. Há que se encarar que o muito , o tudo que nos resta é o agora, sem ontem ou amanhã, e que de nada adianta correr, pois é a cada minuto que se dá o viver e apesar de todo arrependimento ou rancor, saber disso é libertador.

Adriane Sabroza

Psicoterapeuta por paixão e opção, mãe de três meninas lindas, minha maior realização e, nas horas vagas, aprendiz de escritora, sem nenhuma pretensão.

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