Às vezes, a vida vem em flashes na cabeça. Retalhos. Sonhos que se realizaram. Ou não. Objetivos que alcançamos. Ou não. Amores correspondidos. Pessoas que amamos em silêncio. Gente que nos fez levantar depois de uma queda. Gente que nos fez cair. Frutos que deixamos. Sementes que plantamos. Palavras que nunca deveríamos ter dito. Outras que calamos por pensarmos demais. Aventuras. Riscos. Medos. Coragens. Viagens. Amigos. Tropeços. Erros. Acertos.
Um mundo de pequenos cacos de espelhos que refletem quem somos. Um dia, tudo isso passará. Deixaremos a Terra para voltar à casa verdadeira, como creem uns; ou para evaporar para sempre, como creem outros. Todos nós partiremos daqui um dia! Uns mais cedo, outros mais tarde.
Então, já que estamos aqui de passagem, mas, não por acaso, façamos a nossa estadia valer a pena. Vamos tentar ser luz nesse mundo onde ainda existe tanta escuridão. Assim, quando partirmos daqui, algo de nós permanecerá vibrando e brilhando dentro da alma e do coração daqueles que conseguirmos tocar com a nossa melhor parte.
Cada uma de nossas menores ações encerram em si mesmas, escolhas, motivações e consequências. Ainda que não sejamos muito dados a grandes reflexões, nossas escolhas afetam diretamente aqueles que cruzam o nosso caminho. Nunca saberemos de verdade o tamanho da batalha que está sendo travada pelo outro no exato momento em que nossas vidas se esbarram. E, a julgar pela maneira como temos evoluído para uma raça que evita contatos e compromissos, é quase certo que deixaremos como herança uma cultura excessivamente desenvolvida no plano individual e perigosamente pobre na esfera coletiva.
Uma coisa é certa, nenhum de nós escapa de falhar. O erro é prerrogativa de outras conquistas de estirpe mais nobre, como a maturidade, o sucesso e a estabilidade. No entanto, enquanto não tivermos alguma afinidade com os tombos inevitáveis e os equívocos de percurso, jamais estaremos maduros para compreender o quanto é efêmero o sucesso e o quanto é ilusória a estabilidade.
Viver em busca de uma vida estável, protegida das intempéries do acaso é quase tão emocionante quanto abrir um pacote de figurinhas repetidas. A vida cujo maior objetivo é a estabilidade é exatamente isso: abrir um pacote de figurinhas repetidas, dia após dia. Nenhuma surpresa. Nenhuma perda. Nenhum ganho. Nada.
E não importa o tempo que durar, 20, 50 ou 100 anos, se todo o nosso propósito for encher gavetas de planos de felicidade para quando tivermos tempo, as gavetas ficarão abarrotadas e nossas vidas serão vazias. Por isso, sejamos um pouco menos previsíveis ou um muito mais atrevidos diante das escolhas que realmente valem a pena.
O fato é que quando já tivermos colecionado alguns anos de vida, o que nos dará prazer verdadeiro serão os momentos que nos desestabilizaram; o inesperado de um beijo roubado, uma nota baixa para nos livrar do comodismo, um desafeto que virou amigo, um estado ridículo de paixão explícita, a reviravolta num jogo supostamente ganho, a coragem renascida por vencer um desafio aparentemente intransponível.
O que tem de mais bonito nessa viagem maravilhosa que é a vida é que o bilhete não tem destino certo. Vamos colecionando olhares, registrando paisagens, experimentando sabores estranhos até que entendemos, por fim, que uma grande jornada se faz com pequenas e profundas incursões para dentro de nós. Então, que a sabedoria nos alcance antes de nos tornarmos excessivamente sérios, a ponto de não sermos capazes de compreender que quase nada está sob controle. Ainda bem… Ainda bem!