Por Octavio Caruso
“O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons.” (Martin Luther King)
A sociedade caminha para um futuro de incertezas e violência. Basta ligarmos a TV para que percamos a esperança, se não são nossos jovens admirando produtos de pouca ou nenhuma qualidade, são os crimes e assassinatos horrendos. Há aqueles que colocam a culpa na violência exibida em filmes e jogos. A violência é inerente ao ser humano, canalizada serve a propósitos maiores, porém se aliada a uma total ausência de cultura, torna-se uma arma letal.
Em “Taxi Driver” de Martin Scorsese, podemos testemunhar a degradação mental do personagem de Robert De Niro, cada vez mais inconsequente em sua jornada. Insatisfeito com os rumos da sociedade, a qual ele vê como totalmente corrupta e vendida, decide fazer justiça com as próprias mãos e salvar ao menos uma alma, a da jovem prostituta, vivida por Jodie Foster. Em “Laranja Mecânica“, Stanley Kubrick nos apresenta um futuro composto de jovens descontrolados em sua fúria. Seu líder é apaixonado pela Nona Sinfonia de Beethoven (ideia genial do escritor Anthony Burgess), o que é extremamente contraditório com sua conduta. Após o seu tratamento torna-se incapaz de realizar qualquer ato violento, nem mesmo em defesa própria, assim como escutar sua composição favorita. No ótimo “A Outra História Americana“, temos o exemplo de um jovem (Edward Norton) que integra um grupo de neonazistas, preso após matar dois negros. Os preconceitos alimentados por sua família extremamente racista o transformaram ao longo dos anos em um sociopata. O racismo nada mais é que a ignorância cultural elevada à “enésima” potência. Um exímio matemático pode se tornar um psicopata. A violência atinge qualquer classe social. Mas nunca conheci um filósofo que tenha assassinado alguém. Acredito que quanto mais cultura geral uma pessoa tenha, mais difíceis são as chances dela cometer algum ato de violência extrema.
Hitler queimava livros. Os que faziam parte de sua biblioteca pessoal (Nietzsche e Schopenhauer) ele deve ter lido superficialmente, interessando-se apenas pela instrumentalização da filosofia. A cineasta alemã Leni Riefenstahl chegou a citar ter escutado do próprio ditador, que ele não conseguia entender as propostas de Nietzsche. Traduzindo em miúdos: ele era um estúpido que tentava passar uma imagem intelectualmente superior. Ousando utilizar a psico-história criada por Isaac Asimov em sua “Trilogia da Fundação”, baseando-me pela sociedade que vejo hoje, com os jovens que mundialmente consomem porcaria audiovisual e afastam-se cada vez mais dos livros (isso sem falar no avanço impressionante das manipuladoras religiões com contas bancárias no exterior), podemos esperar um futuro pleno em avanços tecnológicos e sem alma. Analogamente, tal qual um jogador de futebol de origem humilde, que de uma hora para a outra aumenta consideravelmente sua conta bancária, apenas para ostentar com brinquedos caros e relógios de ouro. Necessitamos de um futuro em que esses jogadores, ao receber estes salários altíssimos, percebam a oportunidade de crescer como seres humanos, adquirir cultura.
Do jeito que a coisa anda, o futuro é mais uma crônica de uma tragédia anunciada. E ainda me aparecem psicólogos oportunistas na televisão colocando a culpa da violência atual nos filmes e jogos. A culpa real pesa nos ombros dos pais que ensinam aos filhos pequenos, que se o coleguinha é de um time contrário ao dele, deve ser motivo de deboche. Naqueles que não instigam pelo exemplo o prazer pela leitura e pela busca de conhecimento. No pai que agride a mãe, física ou verbalmente, na frente do filho. Assistem “CQC” e se consideram politizados; leem psicografias e se consideram espiritualizados; fazem o sinal da cruz e se consideram religiosos; citam frases populares de filósofos cujos livros nunca leram e se consideram cultos. Divulgam nas redes sociais vídeos de danças bizarras, músicas de mau gosto e pessoas escorregando em cascas de banana, enquanto largam na obscuridade trabalhos belos (que por vezes são resultado do suor de equipes criativas e dedicadas). Salientam o grotesco e reclamam da ausência do que é belo. Esses são os seres humanos, sempre dispostos a se engajarem em causas nobres (quando em lugares públicos, onde isso possa lhes trazer notoriedade), porém incapazes de perdoar aquele motorista que sem querer lhes corta na estrada ou ajudar uma idosa a atravessar a rua.
O mundo seria melhor se o pai ao invés de presentear o filho com uma camiseta de time de futebol, desse a ele um livro. Ao invés de jogar a responsabilidade total nos ombros das escolas, sentasse com seu filho pré-adolescente e fizesse um festival de cinema em casa (como relatado no ótimo livro biográfico: “O Clube do Filme” de David Gilmour). Por intermédio da Sétima Arte e com a ajuda do pai, o jovem aprenderia sobre a história do mundo. Com “Patton – Rebelde ou Herói”, “O Mais Longo dos Dias” e “O Resgate do Soldado Ryan“, aprenderia sobre a Segunda Guerra Mundial. Logo após, veria as consequências da bestialidade humana em “O Pianista” e “A Lista de Schindler“. A riqueza cultural advinda de simples tardes valeria por anos de estudos universitários. A Sétima Arte é uma ferramenta cultural importantíssima. Caso quiserem respostas para o nível de violência que se alastra sem limites aparentes, olhem-se no espelho.
Nunca me esqueço do que ocorreu no evento paulista “virada cultural”, onde os organizadores convidaram José Mojica Marins para se apresentar como “Zé do Caixão” e abrir o show da banda de punk rock: Misfits. O cineasta de 75 anos foi colocado em um caixão preso a um guindaste, para das alturas poder se apresentar ao público e conduzir seu trabalho. Além dos vários xingamentos proferidos, os vândalos presentes acabaram jogando garrafas no cineasta, que lá de cima pedia desesperado aos organizadores que contivessem o público, inclusive informando que estava machucado e que um dos objetos quase o havia cegado. Revoltante assistir esta demonstração de violência gratuita com um senhor de idade avançada e que representa tanto para o cinema nacional. Mas o que mais me revoltou foi perceber que não existia o menor sinal de arrependimento nesses jovens, que ainda se vangloriaram depois no Twitter (recebendo a aprovação de outros marginais). Um recado para os pais irresponsáveis: tomem cuidado com os monstros que estão criando.
Enganam-se aqueles “politizados” que acreditam estar em uma decisão eleitoral o futuro da nação. Pouco importa quem ganhe, se o povo continuar preguiçoso e promovendo os maus exemplos. Hoje em dia não tem mais o falso glamour de grupos de “esquerda”, “direita”, pois todos roubam da mesma forma. Nenhum candidato irá cumprir nem 2% das coisas que prometem, já que o mais importante ato político não é utilizado. Política não é decidir votar em “X” ou “Y”, política é discutir assuntos que tem que ser discutidos, questionar crenças (sem medo de perder votos), tentar realmente modificar o ambiente em que habita e torcer para que seu exemplo insira em outros o desejo de fazer o mesmo. Isto sim, em longo prazo, pode trazer reais resultados. Existem pessoas de caráter e boas intenções, mas que ao serem inseridas no sistema político, visualizam duas opções: a “prostituição” ética ou continuarem lutando até serem “apagadas”, como queima de arquivo. Como o xerife Will Kane do faroeste “Matar ou Morrer“, sozinho em uma cidade de medrosos que lhe viraram as costas. São as pequenas decisões que nos tornam exemplos. Beber socialmente ou beber até cair, sorrir para os outros ou franzir a testa, dar valor à cultura ou celebrar a mediocridade. Se todos tentarmos agir assim, os políticos (e o sistema político como um todo) terão que se adequar a nós.
Correu o mundo na época, em todas as manchetes de jornais. Um jovem entrou fortemente armado em uma sessão do filme “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge“, promovendo uma chacina que tirou a vida de doze pessoas e deixou várias outras gravemente feridas. A mídia sensacionalista aproveitou a oportunidade e debateu sobre a possível relação entre este atentado terrorista e a violência no próprio filme (assim como fizeram à época, em um caso similar com “Clube da Luta“), questionando se deveria haver um limite no que pode ser mostrado em filmes e jogos eletrônicos.
A violência é inerente ao ser humano, um impulso primitivo que reside no inconsciente de cada um (até mesmo um notório pacifista como Gandhi), precisando ser disciplinada, nunca reprimida. A repressão utópica leva apenas ao descontrole emocional, que aliado a alguns fatores (como educação e cultura) pode agir como uma bomba-relógio pronta para explodir a qualquer momento. Freud acreditava que todos nós possuímos uma dupla personalidade, uma constante batalha entre o nosso inconsciente (id) e a consciência (superego) moral (que pode ou não, ser moldada pela crença em algo), onde o resultado mais satisfatório é sempre a coexistência harmônica, nunca a supressão de um pelo outro. Trocando em miúdos, trata-se do clássico caso do homem que nunca caminhou descalço e mostra-se incapaz de cruzar um deserto. Uma sociedade ascética, onde somente livros, jogos eletrônicos e filmes que inspirem paz e conforto são aceitáveis, não produziria menos assassinos que uma sociedade que aja de forma radicalmente contrária. Precisamos adentrar no cerne da questão, da forma mais objetiva possível: Quais os malefícios da violência mal disciplinada? Como um jovem de vinte e quatro anos pode entrar em uma loja e legalmente sair com um arsenal (incluindo colete à prova de balas, um fuzil AR-15, uma escopeta calibre 12, duas pistolas calibre 40 e 6.000 balas de munição), sem porte de arma? Questões que não são tão instigantes politicamente quanto reverberar a afirmação feita pelo jovem, de que ele era o “Coringa“. Ele poderia ter ido mais a fundo e afirmado ser também “Travis Bickle” (personagem de Robert De Niro em “Taxi Driver”), “Alex DeLarge” (Malcom McDowell em “Laranja Mecânica”), “Harry Calahan” (Clint Eastwood em “Dirty Harry”), “Tony Montana” (Al Pacino em “Scarface”) e qualquer outro personagem violento cuja história já foi contada pela Sétima Arte. Como se esquecer dos personagens que nasceram do universo literário, do gato “Tom” (da animação infantil “Tom e Jerry”) e de cada soldado que já participou de alguma guerra no mundo? O obrigatório dever militar reservado ao imaturo adolescente que acaba de completar dezoito anos, não seria um incentivo à violência? Seria utópico imaginar uma sociedade em que jovens de dezoito anos adentrassem obrigatoriamente em um liceu que abrangesse filosofia e psicologia? Ensinamentos que formariam homens de forma mais recompensadora que um simplório treinamento que os leva a rastejar na lama e aceitar berros de superiores (designação concedida por medalhas de latão), ao invés do estímulo diário à técnica da argumentação.
A realidade é que o cinema, a literatura e os jogos eletrônicos são necessárias fontes de escapismo. Os pais que criam seus filhos afastando-os de filmes e jogos violentos estão realizando um desserviço em longo prazo. Eles se tornarão no futuro pessoas medrosas, dependentes e incapazes de suportar as frustrações inerentes ao ato diário de viver. Adultos emocionalmente frágeis, com possível conduta antissocial (como o recluso jovem abordado neste texto) e propensão a vícios, sempre buscando fugir das responsabilidades naturais de uma mente madura. A mitologia grega era intrinsecamente violenta (leia “Ilíada” de Homero, por exemplo), assim como a mitologia nórdica, egípcia, aborígene, védica, o antigo testamento cristão e obviamente a mitologia moderna formada pela Nona Arte (os heróis das revistas em quadrinhos). Impossível desassociar o instinto violento do ser humano, assim como ignorar sua importância (quando disciplinado) no progresso do mesmo. Precisamos parar de culpar o “carteiro” pelo conteúdo da “carta”.
Finalizo respondendo a pergunta feita no título com um sonoro: “NÃO”! Muito pelo contrário, eu torço para que a violência (leve ou excessiva) tenha sempre espaço nas narrativas literárias, cinematográficas e nos enredos dos jogos eletrônicos, pois esta cômoda forma de negar a responsabilidade (educação familiar, estabelecendo condutas íntegras e éticas) na vida real, colocando a culpa no escapismo, não somente dificulta o entendimento da simples diferença entre eles, como também forma uma sociedade covarde e incapaz de se defender.
OCTAVIO CARUSO: colunista Conti outra
Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.